Movimento operário argentino
Ganhou a ala democratica e consequente na Kraft-Terrabusi
06/11/2009
A vitória da Chapa 1, encabeçada por Javier “Poke” Hermosilla se explica por vários motivos.
A verdade mais profunda é que desde 2003, quando se iniciou a recuperação econômica, a Terrabusi, assim como grande parte das fábricas do país, começou a contratar novos trabalhadores, em sua maioria jovens. Trabalhadores sem experiência sindical mas sem preconceitos. Milhares de novos operários sem a tradição peronista, sem reverência pela burocracia sindical, com rebeldia. Muitos mudavam de uma fábrica a outra quando os contratos iam vencendo. Em 2006 estes contratados e terceirizados começaram a lutar e alterar o clima. Primeiro, uma “operação padrão” por seis meses. Depois, em 2007, pulam as catracas da fábrica quando “vence o contrato” e se veem demitidos. Bloqueiam a avenida Panamericana, com um dia de paralisação contra as demissões dos contratados e por aumento salarial. O conjunto dos trabalhadores que pulam as catracas terminaram efetivados. A fábrica mudou para sempre.
O sindicalismo de base na Zona Norte
Nos arredores se respira um clima parecido. Por exemplo, na Fate. Os operários da fábrica de Victoria, em 2008 bloqueiam a Panamericana junto com os da Terrabusi. Pedem aumento de salário, formam a Comissão de Fundo de Greve em que mais de 100 operários se organizam por fora da burocracia. A burocracia pró-patronal da chapa Bordô [na Argentina as chapas sindicais usam cores para se denominar] cai e o próprio Wasiejko é posto para correr por dezenas de operários numa assembléia. A prática assembleísta chega a esta grande fábrica de pneumáticos. A poucas quadras daí, em Stani Cadbury, outra grande fábrica da alimentação, querem despedir um importante ativista. Seguindo o exemplo da Terrabusi o companheiro Cabana pula as catracas, entra na fábrica e ocorre uma paralisação até que o reincorporam. Hoje ele é membro da Comissão de Fábrica.
Estes são apenas alguns exemplos na região da Grande Buenos Aires que ficou conhecido como “sindicalismo de base”. Desejo de participação e rebeldia, tendências ã auto-organização diante de uma burocracia débil, uma economia em crescimento e um discurso governamental a favor dos direitos humanos que ajudou a politização desta nova geração operária.
O certo é que a comissão da Terrabusi, hegemonizada pelos companheiros da CCC, nunca quis ser parte deste fenômeno. Aliás, em geral o via com hostilidade, como se fosse um perigo para sua política conservadora e não uma oportunidade para desenvolver uma corrente antiburocrática no movimento operário do Norte.
O turno da noite da Terrabusi foi onde mais se desenvolveu este fenômeno. O companheiro Hermosilla foi expressão dele e ao mesmo tempo impulsionador e organizador. Começaram as reuniões amplas fora da fábrica, verdadeiras assembléia que contrastavam com a pouca atividade sindical do restante da fábrica onde a CCC tinha todo o peso. Os dirigentes da comissão chegaram a fustigar o turno da noite por fazer estas reuniões, por se organizar ampla e democraticamente. A agrupação “Desde Abajo” (Pelas Bases) impulsionada a partir da Comissão de Fábrica da Pepsico, dirigida pelos companheiros Leo Norniella e Caty Balaguer, se expande ã Terrabusi com este processo e atua para desenvolvê-lo. Muitos de seus dirigentes foram os principais ativistas deste processo profundo que transcorria não apenas na Alimentação mas em outros sindicatos industriais e, forçoso dizer, permanece oculto aos olhos da enorme maioria da esquerda.
Um ataque ao ’estado de assembléia"
No início de 2008 se organiza o Conselho de Delegados que foi votado em primeiro lugar no turno da noite. No dia seguinte, vota-se ã tarde. Passando por múltiplos conflitos, escaramuças, paralisações chega-se ã rebelião da gripe A. A fábrica é “incontroláve, vive-se um ‘estado de assembléia permanente’”, queixa-se o advogado De Diego, da UIA [união das indústrias], e passa a planejar o ataque. Quando em agosto de 2009 a fábrica é atacada, não casualmente a maioria das demissões se dão no turno da noite. Durante todo o conflito este ativismo se destacou. Os bloqueios da Panamericana pela manhã e ã saída do turno noturno foram majoritários e onde mais trabalhadores participavam. O estado de assembléia permantente genuíno da noite contrastava com as “comícios”, espécie de atos com monólogos que a maioria da comissão realizava. Na luta em si a base dos outros turnos se viu impactada. Um ataque brutal levou à luta centenas de mulheres que haviam estado passivas durante anos. As companheiras do turno da manhã durante 38 dias mantiveram uma paralisação de braços cruzados apoiando os demitidos, dando aos líderes (encarregados) argumentos de todo tipo para que não pudessem ser acusadas ao mesmo tempo que paravam em solidariedade. A tarde, que havia sido a vanguarda na luta da gripe A, se manteve organizada. Na manhã se chegou até a expulsar a polícia quando quis prender os companheiros demitidos no refeitório. Os da tarde expulsaram o fiscal Capra. A enorme experiência da luta mudou centenas e centenas de companheiros. Fez-se uma experiência com a Justiça, o Ministério [do Trabalho] e o governo, com Daer [pelego presidente do sindicato da alimentação], com Moyano [pelego presidente da CGT], até mesmo com a ambaixada norte-americana, todos a serviço dos interesses da empresa. A luta foi exemplar, os delegados e demitidos pularam os alambrados para se manter nos postos de trabalho a despeito de já estar a polícia no prédio no prédio, enfrentou-se a repressão e em plena conciliação obrigatória foram feitos bloqueios de rua e mobilizações, coisa que nunca foi possível na greve da Fate do ano pasado.
Durante o longo conflito mantivemos a unidade com o restante da Comissão, mesmo que muitas vezes discordássemos de suas posturas, porque sempre primou o espírito unitário para enfrentar um monstro como a Kraft Foods e seus aliados.
Dois métodos diferentes
Quando a maioria da Comissão decide assinar sem consulta a ata de acordo, deixando fora 53 companheiros, a luta não estava derrotada, ao contrário. A própria eleição da terça-feira (3/11) mostra que havia forças para seguir lutando. A maioria da Comissão, que historicamente havia dado as costas a todo este despertar de centenas de trabalhadores, desta vez aparece abertamente contra os demitidos utilizando métodos não democráticos, violando mandados de assembléia. Seus métodos antidemocráticos de condução chocaram com o avanço de uma grande parte dos trabalhadores.
O companheiro Hermosilla, que havia sido impulsionador da organização democrática do turno da noite, nega-se a assinar o acordo e sua influência se expande ã manhã e ã tarde. Os métodos classistas e democráticos que são característicos da agrupação Desde Abajo estavam sendo levados ã prática. Os companheiros da noite propuseram formar uma chapa unitária apesar das diferenças que se expressaram, já que esta era uma eleição condicionada e era necessário varrer eleitoralmente a burocracia de Daer. Recebem como resposta insultos da maioria da Comissão. Hermosilla é acusado de ser “pró-patronal” por criticar o acordo. Amplos setores da fábrica repudiam este método, no qual quem discorda é caluniado. De uma Comissão de 11 membros, apenas um se colocou contra assinar o acordo e contra os métodos de calúnias. Quatro integrantes da Comissão renunciam e se vão da fábrica depois da repressão. A maioria da Comissão nunca publicou um comunicado explicando esta situação e, no entanto, não deixava de atacar os que queriam continuar a luta. Com a experiência realizada, a consciência da ampla maioria da fábrica havia avançado muito para que uma direção conservadora e com métodos antidemocráticos se mantivesse sem crises. A seção de Bogado inclui em sua chapa um ex-delegado congressual verde [ligado ao pelego Daer], sem se dar conta de que centenas de trabalhadores depois de semelhante experiência iriam repudiar esta política.
O turno da noite conseguiu manter uma organização exemplar que se expressou no próprio dia da eleição. Em duas horas e meia votaram 500 pessoas, parando a fábrica. Dezenas de companheiros deste turno que estavam de férias vão especialmente para votar. Vota quase a totalidade dos presente e 76% cravam Chapa 1. Na manhã e na tarde cerca de 25% votam nesta chapa, ainda que sobretudo na manhã a presença deste setor de ativistas e da agrupação Desde Abajo seja quase nula. A Chapa 2, de Bogado, ganha nos turnos manhã e tarde, ainda que em ambos a afluência de votantes tenha sido notoriamente menor que na noite. A grande vantagem alcançada ã noite pela Chapa 1, superando a 2 em mais de 320 votos, define o resultado, mesmo que no final a diferença tenha sido mínima. A chapa de Daer fica em terceiro.
A idéia de uma mudança para melhor foi se assentando. O surgimento de um setor combativo diferenciado da Comissão elevou as aspirações de grande parte dos trabalhadores pela participação, por seus direitos democráticos, por fazer valer sua vontade. A campanha da Chapa 1, que insistia na necessidade de recuperar o Conselho de Delegados, entrou na base e conquistou simpatia. A chapa de Bogado não fez qualquer referência ao Conselho de Delegados que havia sido destruído no conflito e se torna necessário voltar a colocar de pé.
Depois do triunfo eleitoral, as próximas tarefas
Estas são as razões da vitória justa da Chapa 1. A eleição esteve condicionada fortemente, com 53 companheiros do lado de fora, sem listas de votantes, com urnas volantes, com polícia nos arredores. A idéia de votar a favor de Bogado para derrotar Daer, odiado pela maioria, também foi uma condicionante nestas eleições. Ainda assim, ganhamos.
Depois do resultado o Ministério e Daer tentaram uma manobra desesperada para organizar uma frande. Horas depois da recontagem fizeram aparecer uma urna que alterava o resultado da votação. Tratava-se de uma urna de repositores externos que havia sido impugnada pelas chapas 1 e 2, tal qual a urna dos votos da administração. Corretamente, Bogado disse que não iria aceitar computar uma urna que ele mesmo havia impugnado, e reconheceu a vitória da Chapa 1.
Agora necessitamos recuperar a unidade da fábrica. Em primeiro lugar, voltar a reorganizar o Conselho de Delegados por seção. Sempre dissemos que 11 pessoas não podem resolver os problemas cotidianos de 2.700 companheiros em três turnos. A nova Comissão de Fábrica debe estar aberta a todos os trabalhadores, em primeiro lugar aos companheiros da Chapa 2 de Bogado que perderam a eleição por margem muito pequena. Tem-se que conseguir com as diferenças existentes numa verdadeira liberdade para todas as opiniões e tendências. Necessitamos uma Comissão de Mulheres para que sejam escutadas as reclamações das companheiras, a maioria da fábrica e seu setor mais explorado. E, sobretudo, um plano sério para lutar unificadamente pela reincorporação de todos os demitidos, avaliando as medidas que neste momento pode-se realizar.
Avizinham-se grandes desafios, quem sabe históricos, para os lutadores. O que passou na Terrabusi não é, de modo algum, um fenômeno único e incapaz de se repetir. Fenômenos similares, mais ou menos desenvolvidos, ocorrem em muitas fábricas e a possibilidade das correntes de esquerda poderem ajudar a organizar setores da vanguarda operária está ao alcance das mãos. Basta que se proponha fazê-lo, tendo confiança na força e na inteligência da classe trabalhadora que será capaz de muito mais. O PTS vem tomando há muito tempo este desafio que hoje, com este avanço, se propõe aprofundar.
É mais oportuno que nunca o lançamento da corrente político sindical proposta na reunião do Hotel Bauen por iniciativa dos ceramistas de Zanon e com a ala esquerda do Conselho de Delegados do metrô e vários dos que ganharam a Comissão da Terrabusi.