Proposta de Dilma e dos políticos: Reforma política e plebiscito
Enganar “as ruas” para usurpar a vontade popular
01/07/2013
Nos últimos dias o espetacular movimento de massas que tomou as ruas do país mostrou sua força obrigando o governo a responder algumas de suas demandas. A primeira delas foi a redução do reajuste das tarifas de transporte coletivo em diversas cidades. Além disso, o governo federal e os políticos burgueses – rechaçados nas ruas -, temendo um desgaste maior, arquivou a PEC 37, encarada por alguns setores dentre os mobilizados como um projeto de garantia da impunidade dos políticos, enquanto o corrupto Renan Calheiros, presidente do Senado, numa manobra para tentar amenizar o repúdio a esta desgastada instância do regime anunciou que irá acelerar a votação de um projeto de lei que instituiria passe livre aos estudantes. Governadores como Tasso Genro (PT), do Rio Grande do Sul, acordaram e rapidamente encontraram meios para instituir passe livre para os estudantes. Soma-se a isso a prisão (primeira desde 1988) do deputado Natan Donadon (PMDB-RO) por desvio de dinheiro, algo impensável na conjuntura anterior ás mobilizações. Foi votada na Câmara dos Deputados uma proposta de destinação de parte dos royalties do petróleo para a educação e a saúde, que já foi questionada no Senado e está há anos-luz de distância da demanda de 10% do PIB para a educação reivindicada por vários movimentos sociais (ver outro artigo sobre esse tema nesse site). E foi aprovada no Senado uma Lei que caracteriza a corrupção como “crime hediondo”, apesar de que os próprios juristas atestam que isso pouco mudará a situação estrutural de impunidade reinante.
Tudo isso expressa a força das mobilizações iniciadas pela juventude em torno do elevado custo dos transportes que se irradiou em todo o país ganhando apoio popular e estimulando uma mobilização social surpreendente. Os políticos, rechaçados pelas massas, agora, mansos e espertos, tentam, com suas medidas e promessas aparecer como quem “escuta as vozes das ruas”. Na verdade, pretendem amortecer o choque e desviar as atenções, atendendo parcialmente algumas questões sociais, para retomar o poder de iniciativa ao mesmo tempo em que esperam “livrar a cara” evitando que a bronca popular avance para questionamentos efetivos dos seus negócios capitalistas em causa própria, deixando o país e a maioria da população imersa no descalabro dos serviços públicos, aumento do custo de vida e opressão de todo tipo.
O vai e vem da Constituinte “Exclusiva” proposta por Dilma e o PT
Porém, a questão que mais se colocou no centro dos debates foi o movimento de Dilma em pronunciamento realizado em 24 de junho de afirmar que proporia ao Congresso um plebiscito para aprovar a convocatória de uma Constituinte “exclusiva” sobre a “reforma política”, criticada pela sua própria base de apoio, e evidentemente pela oposição. Para além do fato de uma Constituinte “exclusiva” ser uma medida antidemocrática e enganadora que trataria apenas de alguns temas previamente definidos e restritos a pautas de interesse do governo e do PT, a gritaria que tomou conta do Congresso se deve ao fato de que uma manobra desse tipo em meio a uma situação de mobilização popular e ampla politização nacional poderia ser um tiro que sairia pela culatra, aumentando a instabilidade política. Esta proposta é antidemocrática porque, primeiro, usurpa as “vozes das ruas” e permite aos políticos rechaçados determinar o quê o povo deve tratar, canalizando todo o debate aberto nacionalmente pelas mobilizações para pequenas mudanças controladas e cosméticas no regime de modo a “maquiar” os aspectos mais monstruosos de autopreservação e privilégios da casta de políticos parasitas que governam o país. O povo nas ruas quer “tratar” dos serviços públicos, da corrupção, dos recursos e prioridades nacionais, enfim, de questões como “quem” detém, controla, administra e distribui a riqueza nacional produzida pelo trabalho da maioria da população, mas os políticos, autoritariamente, querem restringir a vontade popular ao que lhes interessa.
Alguns analistas avaliam que este movimento de Dilma buscava na verdade colocar a presidente como a maior receptora da “voz das ruas”, enquanto o Congresso ficaria como o responsável por colocar limites ás mudanças propostas numa tentativa de autopreservação que paralisasse as mobilizações e permitisse retomar o controle da situação. Seja como for, se esse tivesse sido o objetivo de Dilma, o balanço é que ela não obteve mais que críticas, inclusive do próprio Lula, que qualificou a manobra como “barbeiragem”, evidentemente só agora, depois que essa não deu certo, posto que na crise do mensalào o próprio Lula fez essa mesma proposta. Assim, seu retrocesso da já antidemocrática proposta de Assembleia Constituinte “exclusiva” é uma demonstração da covardia do governo frente ás mobilizações e da impossibilidade de costurar interesses tão diferenciados entre os diversos partidos e frações burguesas.
Frente a isso, a Assembleia Constituinte “exclusiva” foi substituída pelo governo petista por uma proposta de plebiscito que versaria sobre alguns temas relacionados ã reforma política, que o governo já vinha tentando arquitetar. Dentre os temas estariam o financiamento das campanhas políticas (público, privado ou misto), e qual o modelo de voto (distrital, proporcional ou misto), fim das coligações eleitorais, entre outras que poderiam ser negociadas com os partidos do regime. Entretanto, a própria base partidária do governo demonstra que está longe de lhe dar um xeque em branco. Diante da proposta de plebiscito, dez dos principais partidos da base aliada ao PT declararam seu apoio a essa tentativa de desvio, mas sugeriram a inclusão de uma consulta sobre a impossibilidade de reeleição e extensão do mandato presidencial para cinco anos, entre outras “perguntas”. Ainda que todos tenham declarado que isso não visa alterar as regras para as eleições de 2014, quando Dilma tentará sua reeleição, a simples sugestão dessa consulta como parte do plebiscito gerou mal-estar entre o governo e a base aliada, que indica a tendência ao aprofundamento da emergência de contradições neste bloco. Outro debate não solucionado é a partir de quando as resoluções do pretenso plebiscito passariam a vigorar, se antes ou depois das eleições do ano que vem.
Os políticos dizem “ouvir as vozes das ruas”, mas na verdade pretendem garantir seus interesses, evitar ao máximo os riscos de seu poder, fonte de privilégios inexplicáveis e negociatas vergonhosas em favor dos capitalistas e contra os interesses da Nação, dos trabalhadores e do povo. Ainda que isso não esteja definido, bem como a própria realização de tal plebiscito, já que a oposição burguesa declara que só aceita um referendo e não há acordo na própria base governista a respeito de como “organizar” a “consulta popular”, o que está claro é que essa manobra é uma tentativa da casta política nacional de fechar esse momento de mobilização e politização. Trata-se de uma tentativa de autorreforma do regime, ã qual precisamos opor uma política efetiva, usurpando a vontade popular de por fim aos mecanismos políticos de corrupção, negociatas e privilégios que primam no Legislativo, mas também no Executivo e no Judiciário (ainda que para a população esta instituição seja falsamente vista como “menos corrupta”). Devemos contrapor a esta manobra “dos de cima” uma resposta efetiva aos mais profundos anseios da juventude, dos trabalhadores e do povo por mudanças reais, tanto políticas como sociais. A vontade popular expressa nas ruas deve ser organizada pela esquerda, organizações sindicais, populares e estudantis com total independência dos partidos políticos patronais e deste regime podre que é o responsável direto das mazelas que afligem a maioria da população enquanto uma minoria parasitária – capitalistas e políticos patronais – vivem como “nobres”.
Os políticos burgueses e corruptos não podem transformar o regime em benefício do povo
A questão mais importante do porque o plebiscito não pode servir aos interesses da maioria da população é que não podemos depender ou acreditar que os próprios políticos burgueses e corruptos seriam os responsáveis por promover as mudanças que necessitarmos. As questões que comporão o plebiscito serão determinadas pela mesma casta política nacional de acordo com seus objetivos próprios, que fariam a população optar entre os interesses de uma ala composta pelo governo e outra composta pela oposição burguesa. Tudo isso em nome de desviar qualquer transformação de fundo e calar “a voz das ruas” que Dilma e os políticos dizem ouvir, mas que não veem a hora de diluir. Questões que realmente são candentes, e levaram a imensa maioria ás ruas, como a necessidade do transporte, educação e saúde públicos, gratuitos e de qualidade ficariam de fora. Não é coincidência. Trata-se de transformações que os políticos da burguesia, sejam do governo ou oposição, não podem resolver, pois, na verdade, não são serventes do povo, mas “funcionários” dos grandes monopólios capitalistas nacionais e internacionais que lucram bilhões enquanto os serviços públicos são degradantes e caros para a maioria da população.
A redução dos aumentos das tarifas de transporte a instituição em algumas cidades de passe livre para os estudantes são medidas mínimas que na verdade significaram, para os governantes, “dar alguns anéis para não perder os dedos”, mas de fato o transporte continua caríssimo, de péssima qualidade e fonte de expropriação pelos patrões que monopolizam o setor e os políticos – municipais, estaduais e federal. Essas medidas, da parte do governo, não reduziram um centavo dos exorbitantes lucros e subsídios dos patrões, o que significa que a população continuará arcando com o custo de um serviço público privatizado, inseguro e de péssima qualidade. As mobilizações devem seguir, se organizar e fortalecer para lutar pela causa primeira da crise dos transportes – a privatização, os subsídios – para impor a única medida verdadeiramente capaz de garantir transporte de qualidade, seguro, passe livre e até mesmo gratuito, sem qualquer subsídio aos empresários: a estatização dos transportes (ônibus, metrô, trens), sem indenização, sob controle de comitês de trabalhadores e usuários, e a instituição de impostos progressivos ás grandes fortunas e ao faturamento das empresas.
Todos os políticos do Executivo, Legislativo e Judiciário querem enganar o povo. Nem plebiscito nem referendo: por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana
Contra as propostas enganadoras (reforma política, Constituinte Exclusiva, plebiscito ou referendo) que os políticos preparam para fazer parecer que “ouvem as ruas”, mas na verdade buscam “mudar para deixar como está” (altos salários, Executivo, Legislativo e Judiciário serviçais dos empresários e monopólios), todas as correntes, partidos e organizações classistas, combativas, antigovernistas e anticapitalistas que atuam no interior desse processo deveriam formar um Pólo Classista e Democrático (com representantes eleitos nas escolas, universidades, bairros, movimentos sociais, sindicatos) que exija dos sindicatos, da CUT e demais centrais sindicais, do MST e da UNE que rompam com o governo, assumam a luta pelas reivindicações expressas nas mobilizações, unificando os trabalhadores com a juventude e os setores em luta, para impor a convocação de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana que discuta e imponha a vontade popular sobre todos os problemas e reivindicações que afligem a maioria da população: nacionalização do sistema financeiro, da terra, dos serviços públicos e das empresas estratégicas, emprego, salário, direitos trabalhistas, civis e sociais, não pagamento da dívida pública e a ruptura com os tratados com os grandes monopólios capitalistas e países imperialistas que saqueiam nossas riquezas e recursos. Uma Assembleia verdadeiramente democrática com deputados eleitos proporcionalmente segundo a população de cada lugar, considerando o país um único distrito, onde grupos possam se associar e lançar candidatos sem se restringir aos partidos legais (contestados publicamente), com mandatos revogáveis e sem os escandalosos privilégios da casta política atual do Executivo, Legislativo e Judiciário, decretando que nenhum deputado, juiz e alto funcionário do poder ganhe mais do que um professor.