3ra declaração da Fração Trotskista - Quarta Internacional
Primeiro triunfo na França
04/05/2006
O governo teve que ceder ante o movimento de massas derrubando o CPE. Abre-se uma nova etapa da luta e da crise da V República.
Primeiro triunfo na França! Há que ir por mais!
Depois de ter tentado ser “inflexível” o governo francês teve que retirar o CPE. Os quase dois meses de ocupações de universidades, as manifestações de milhões, bloqueios de fábricas ou aeroportos, obrigaram o governo a entregar algo para tentar aplacar o movimento. Ainda no dia de hoje existem importantes universidades bloqueadas (como as parisienses, as de Renner ou Toulouse). É que um movimento tão importante não pode ser desmontado de um dia para o outro, já que a dinâmica que o desatou foi o questionamento da exploração das grandes massas. Milhões nas ruas diziam “Não ã escravidão”, “O CPE é para os patrões”, e ainda que parcialmente obtiveram triunfo. A juventude e os trabalhadores da França estão moralizados. Isto pode empurrar aos trabalhadores a lutar por suas demandas mais sentidas, questão que seguramente contará com a simpatia dos estudantes. Uma nova geração militante, que fez uma grande experiência de luta entra na cena política.
Por mais que tentem dissimular, os que perderam são o trio Chirac-Villepin-Sarkozy. Nenhum deles ganhou. Se enrolaram durante o conflito, e não puderam sequer satisfazer sua base. Chirac e De Villepin, que diziam ser a “ala social”, terminaram sendo vistos pelos estudantes e trabalhadores como os mais autoritários, antes de fazer o ridículo com a retirada do CPE. Assim mesmo, o ministro Sarkozy que fazia papel de “durão”, foi na verdade o primeiro a pedir que se retirasse o CPE para que a situação não escapasse ao controle. Mas o mais importante é a lição que deixa: que se pode torcer o braço de um governo imperialista com a luta. Se o governo e seu partido (o UMP) vinham de perder três eleições consecutivas e longe de mudar o rumo o aprofundam, desta vez as mobilizações, greves e ocupações obrigaram a que retrocedessem com uma “Lei da República”. Se o governo não queria ceder não era fundamentalmente em defesa do CPE, pese a que necessitam quanto antes legalizar uma maior exploração aos trabalhadores. O principal era “preservar a autoridade do Estado”, demonstrar que a “rua não governa”, mas não tiveram a força para fazê-lo. Se o governo está débil, os trabalhadores estão em melhores condições para lutar por suas reivindicações.
O fato de que o governo francês tenha se visto obrigado a retirar o CPE tem um grande valor em nível internacional, já que a França é um dos principais países imperialistas, e pilar da União Européia. O mito do “modelo social francês” supostamente mais protetor dos trabalhadores comparado ao “modelo anglo-saxão” ou “americano” perdeu todo o seu “prestígio”, já que milhões nas ruas repudiaram ã exploração ã francesa. Assim como o governo belicista de Bush se vê pressionado pelas mobilizações de imigrantes, o governo francês que se gabava de não participar na guerra do Iraque (mas sim em dezenas de intervenções imperialistas em toso o mundo, começando pelo Afeganistão e Costa do Marfim) está pressionado pela luta dos estudantes e dos trabalhadores. O prestígio do imperialismo francês foi lançado no mesmo cesto de lixo do CPE. Desde sempre a França tem inspirado os revolucionários de todo mundo. A luta francesa de hoje também é inspiradora, já que mostra que mesmo aos governos mais poderosos do mundo se pode fazer recuar.
O PS se limitou a reclamar na Assembléia Nacional a retirada do CPE, e implorava a retirada para “evitar males maiores”. Hoje François Hollande diz que “Eu não vejo mais que razões há para ter confiança nas perspectivas eleitorais” (Le Monde, 12/4). Nem falar de lutar pela retirada do conjunto da “Lei de Igualdade de Oportunidades”. Entretanto, segundo uma pesquisa publicada no Liberátion de 10/4 “63% dos franceses pensa que o PS não tem melhores idéias que a direita para solucionar o problema do emprego”. Este movimento, pese a estar encabeçado pelos estudantes, está centrado na luta contra a flexibilização trabalhista. A ex-esquerda plural não representou nenhuma alternativa ã direita neste sentido durante o governo de Jospin. Um eventual novo governo da esquerda plural em 2007 deverá enfrentar provavelmente um renovado e moralizado movimento de massas.
O PCF grita “Vitória” em um comunicado. Nele diz que “a formidável mobilização inter-gerações, a unidade dos sindicatos, das organizações da juventude e dos liceístas fizeram recuar o governo” (www.pcf.fr 10/4). Entretanto, a realidade foi exatamente o contrário. Os sindicatos haviam convocado a uma “jornada de ação” sem greve para o dia 7 de março, um mês depois da grande mobilização de fevereiro. Neste período os estudantes, pacientemente, foram ocupando a imensa maioria das universidades, dentre elas a Sorbonne. Criou-se a Coordenadora Nacional de Estudantes, organismo democrático na qual havia a representação por assembléia e com mandato, que foi a que de fato organizou a luta. A “unidade sindical”, ainda com os minoritários sindicatos estudantis UNEF, CE e FIDL foi para tentar conter de alguma maneira um movimento poderoso, radical e que conta com a legitimidade de estar organizado desde as bases. Não é “graças” ã “unidade sindical” que o movimento pode infligir-lhe uma primeira derrota ao governo. Esta foi imposta por um impressionante movimento de milhões, ao que tentaram canalizar. O PCF considera que já se chegou ao máximo, nem pensa em continuar a luta contra o conjunto da “Lei de Igualdade de Oportunidades”, nem contra o CNE, adere ao “diálogo social” lançado pelo desvalorizado De Villepin (...)
A CGT, principal central sindical francesa, também fala de vitória enquanto se senta ã mesa de negociações com o governo. O fato de que em 04 de abril tenham se mobilizado três milhões de pessoas pela segunda vez em sete dias, somado ao fato de que no setor privado (particularmente em mineraria, energia e metalúrgicos) subiu o número de grevistas, deixava em evidência que a luta da juventude contra a flexibilização trabalhista tinha uma enorme simpatia ativa de parte dos trabalhadores. Como é evidente, os contratos precários para jovens atacam ao conjunto da classe trabalhadora (...) A luta podia ir mais além e podia triunfar. A “Lei de Igualdade de Oportunidades” e o CNE seguem em vigor. Ao mesmo tempo, a luta contra a privatização de Gaz de France é desviada pela burocracia sindical para que não se mescle com a juventude. Nas ruas se condenava o governo, que demonstrou que é impotente para governar. Se reivindicava a greve geral: em centenas de assembléias de trabalhadores, de delegações sindicais e de assembléias estudantis se votou esta moção. Se o governo não caiu, deve-se agradecer ã burocracia sindical.
A situação agonizante do regime da V República
Os partidos atuais são a continuidade dos partidos que dirigiram França desde a II Guerra Mundial até agora. A sociedade francesa se havia organizado com os partidos conservadores gaullistas de um lado, os social-democratas e o Partido Comunista Francês do outro. Os stalinistas, além de dirigir a CGT, que era um sindicato verdadeiramente implantado na classe operária, podia contar com o “prestígio” da URSS que havia ganhado a guerra dos nazis; eram uma burocracia fortíssima. Tudo isso se dava no marco de que a França era uma potência colonial e que se vivia o “boom do pós-guerra” que lhes permitia das certas concessões aos trabalhadores: a tudo isso se chamava o “modelo social francês”. Hoje tudo isso já não existe. França já não é uma potência colonial nem há um crescimento econômico como na época do pós-guerra. O stalinismo teve seu final sem glória há mais de 15 anos.
Hoje vivemos em outro país. No plano internacional a unificação alemã lhe quitou seu papel dirigente que gozou na pós-guerra, e o projeto europeísta está em crise. Todos os partidos são uma pálida sombra do que eram, a ligação com as massas é ínfima. Nas presidenciais de 2002 Le Pen chegou ao segundo turno (deixando fora o PS) e a “extrema esquerda” superou 10%. O PCF só obteve 3%. Nas eleições pelo Projeto de Constituição da União Européia tanto a UMP, como a UDF e o PS chamaram a votar SIM, e o NÃO ganhou com 55% demonstrando a diminuta autoridade que tem estes partidos sobre as massas. Os sindicatos, outrora todo-poderosos, hoje são uma miríade de pequenas organizações; os trabalhadores em sua imensa maioria não estão sindicalizados e o PS e o PC deixaram há algum tempo de ser os partidos hegemônicos entre os trabalhadores. As colônias atuais são muito pequenas (...) e a metrópoles tem em suas cidades milhões de imigrantes ou filhos de imigrantes, que com justa razão se sentem marginalizados na França atual (como se expressou de forma distorcida na revolta das periferias). O “modelo social francês” não existe mais nem tem bases materiais para se recriar no meio da feroz competição inter-monopolista pelo mercado mundial.
Este regime vinha proporcionando derrotas aos trabalhadores em sua decadência. A impotente luta contra o CPE mudou esta tendência. Entramos em uma nova etapa na qual as decadentes instituições da burguesia francesa estão na defensiva frente a um movimento de massas moralizado que demonstrou que pode ir muito mais longe.
O governo tenta tomar ar. A “oposição” socialista volta a tentar levar adiante uma campanha eleitoral “normal”. Mas o poder cedido e os trabalhadores e estudantes o sabem. Se pode ir por mais. Se o governo não foi derrotado em toda linha, se deve a que as direções sindicais evitaram a perspectiva da greve geral. A principal maneira para golpear aos capitalistas é em seu coração: os lucros. Se o governo resistiu tanto foi porque a maquinaria capitalista seguia funcionando, as greves que houve foram espontâneas, isoladas, sustentadas somente pelos delegados de base. Os principais sindicatos (CGT, FO, CFDT) não fizeram nenhum chamado claro ã greve, e muito menos ã greve geral . Se os dirigentes sindicais brindaram com champanhe, não foi só pela derrubada do CPE, senão porque se liberaram da pressão de ir em direção a medidas de luta maiores, já que se isto continuasse e se negassem a avançar teriam tido que se enfrentar com sua própria base e com os estudantes radicalizados. O regime UMP-UDF-PS-PCF-Verdes não dá para mais, a vanguarda operária deve colocar uma alternativa de classe ã agonia da V República.
Não esperar 2007! Desenvolver e fortalecer as organizações democráticas dos trabalhadores e estudantes. Preparar a greve geral até derrotar o governo
Tanto a direita como a “esquerda plural” não tem a intenção de satisfazer as demandas: há que as impor com a luta. Os mesmos sindicatos têm demonstrado que não aspiram mais que a “paz social” e que querem uma mudança de governo em 2007. A tarefa do dia é se organizar desde baixo. A luta desses meses deixa deixa uma grande organização para o combate: a Coordenadora Nacional de Estudantes (...) Há que estendê-la ao conjunto dos universitários e liceístas, deve se transformar em um organismo permanente para a luta. Os trabalhadores podem e devem se organizar da mesma maneira. Primeiro nas coordenadoras locais, após regionais e nacionais.
As centenas de organizações de base que votaram a greve geral podem e devem se organizar já. Desde aí se pode lançar um chamado ao conjunto dos trabalhadores para impor a greve geral aos burocratas sindicais. Se há uma organização decidida os trabalhadores respondem. Os que se reivindicam revolucionários e estão dentro dos sindicatos têm a obrigação de criar correntes classistas com este programa e torná-lo público, para ser uma referência do conjunto da classe operária. Só com a greve geral se pode terminar com Chirac-Villepin-Sarkozy e todos os políticos e instituições anti-operárias e podres da V República. Há que preparar a greve geral desde já em todos os lugares de trabalho e estudo.
Só o desenvolvimento desta perspectiva pode derrotar o governo dos capitalistas e abrir passagem para o único governo que pode resolver os problemas profundos da França operária e popular: um governo dos trabalhadores e do povo, baseado nas organizações operárias e populares, que poderá impor o conjunto de suas reivindicações.
- Por um plano operário contra a desocupação, a carestia de vida e a super-exploração
Os principais problemas que moveram os franceses nestes dois meses seguem em pé: a exploração e o desemprego. Há que propor um programa ã altura das circunstâncias. Há que lutar por:
– Repartição das horas de trabalho entre ocupados e desocupados, por semanas de trabalho de não mais de 30 horas com salário que cubra as necessidades de uma família (...)
– Nacionalização sob controle das organizações de trabalhadores e de usuários de todos os serviços públicos, água, eletricidade, gás, transporte, etc...).
Um grande plano nacional de moradias nacional, pago com impostos ás grandes fortunas, para que ninguém fique na rua e haja habitações dignas para todos.
– Acesso ã educação em todos os níveis (primário, secundário e universitário) para todos e por bolsas substanciais para os filhos das famílias operárias. Para lutar contra o elitismo do sistema escolar, que exclui e envia a “escolas profissionalizantes” em particular aos filhos dos imigrantes mais pobres, há que lutar por um co-governo de professores-trabalhadores e estudantes e que sejam eles que discutam os planos de estudo (...)
– Para unificar os trabalhadores há que lutar pela legalização imediata de todos os imigrantes. A direita os estigmatiza como responsáveis pela decadência da França, enquanto a “esquerda governamental” manteve intactas as leis anti-imigrantes acordadas ba União Européia (...) Se os trabalhadores franceses não põem ã cabeça da luta contra o racismo, necessariamente haverá uma tendência a uma política dos setores religiosos ou comunitário que favorecerá o “divide e reinarás” promovido pela burguesia francesa. A esquerda revolucionária deve se colocar ã cabeça deste combate para evitar o panorama de uma guerra de pobres contra pobres. Iguais direitos para os imigrantes já! Basta de racismo!
Por uma alternativa revolucionária
A chamada extrema esquerda não esteve ã altura dos acontecimentos. A LCR chamava ã “greve geral” mas jamais fez uma moção para impô-la aos burocratas sindicais. LO Se limitou a seguir as centrais sindicais. Mas ambos têm milhares de abnegados militantes operários e estudantis. Eles têm a capacidade de criar uma importante corrente pela greve geral em centenas de fábricas, oficinas e escolas e isto seria um grande ponto de apoio para as reivindicações dos trabalhadores. Se a situação não é melhor para os trabalhadores se deve a que os burocratas sindicais impediram a greve geral, e se a burocracia hoje não sente a pressão de uma grande corrente operária radicalizada é responsabilidade fundamental da “extrema esquerda”. Devem mudar de rumo. Como já dissemos na declaração da FT-CI de 5/4/2006: “É necessário um bloco imediato dos partidos e tendências que se reclamam trotskistas na França, para atuar em frente-única mediante ã crise (não só contra o governo, senão contra a capitulação dos sindicatos e da “esquerda plural”) na perspectiva de abrir a discussão sobre o programa e os métodos para construir um grande partido revolucionário trotskista francês”.
Hoje nos encontramos ante um novo período de luta: a situação para os trabalhadores e o povo está mais favorável. O regime mostrou sua debilidade: há que ir por mais. Mas não se pode perder tempo, a numerosa extrema direita francesa se encontra prevenida, e não é possível detê-la votando em um “respeitável burguês” como Chirac. Aos partidos da burguesia (‘moderados” ou extremista) se derrota com a organização do conjunto da classe trabalhadora. Esta é a tarefa do momento.