A embaixada Ianque ou os operários da Kraft
06/10/2009
A greve de Terrabusi marcou um ponto de inflexão na situação política. Já não são apenas brigas entre os de cima, mas também a erupção da classe trabalhadora nessas brechas. Ficará na história porque envolveu ã própria embaixada norte-americana.
Terrabusi abriu as portas no cenário nacional a um ascenso operário que, como viemos mostrando desde estas páginas, iniciou-se no final do ano passado e se pronunciou depois da debilitação do governo nas eleições. Desde as lutas de resistência em algumas automotivas de Córdoba e Santa Fé como IVECO, Renault, Volkswagen e General Motors entre o final de 2008 e o verão de 2009, até a recente greve de 6000 petroleiros de Santa Cruz, passando pela paralisação da UOM que se fez ativa desde baixo até as pequenas metalúrgicas,e as rebeliões salariais das grandes siderúrgicas como Siderca de Campana. Os funcionários estatais e os docentes em várias províncias, desde a rebelião dos municipais de Córdoba até a impressionante greve dos trabalhadores da saúde que está acontecendo em Tucumán.
Mas o impacto da ação operária de Terrabusi se deve a que a persistente luta de cinco semanas e as ações solidárias que desencadeou se baseia na entrada em luta de um dos setores mais dinâmicos do crescimento industrial junto ás automotivas, a alimentação. O peso específico dos operários de Terrabusi é porque sua luta acontece onde predominam os monopólios multinacionais como a Kraft. A greve de Terrabusi demonstrou que os que tem os principais meios da produção nacional congregam por trás de si os meios de poder de juízes, policiais, funcionários do aparato do governo, meios de comunicação e burocratas sindicais que tem estado há anos a seus serviços. Em segundo lugar, os fatos da repressão da 6ª feira, 25/09, abriram uma profunda ferida política no governo e sua relação com a classe trabalhadora. As imagens da polícia montada arremetendo contra uma greve operária ficaram gravadas na memória de milhões. Os Kirchner e o governador Scioli, que haviam baseado sua campanha eleitoral em adoçar os ouvidos dos trabalhadores do cone urbano bonaerense com “a defesa do emprego”, deram permissão ao desalojamento – reclamando pela embaixada dos Estados Unidos como reconheceu Scioli- com gases, paus, balas de borracha e prisões de operários e operárias em luta por seus postos de trabalho. O Ministério do Trabalho apareceu como uma escrivaninha da multinacional. A direção da CGT se desmascarou como servente da patronal ianque. Enquanto que Moyano e Daer condenavam a greve chamando-a de “ultra-esquerda”, na própria base peronista cresciam as expressões de solidariedade que se multiplicaram depois da repressão. Os trabalhadores do Estaleiros Rio Santiago realizaram uma paralisação em repúdio impulsionado pelos delegados da esquerda e a Lista Branca peronista, os votantes do oficialismo nas fábricas da Grande Buenos Aires ou nas grandes automotivas de Córdoba expressavam sua indignação, e até setores de afiliados da oficialista UPCN no INDEC aportaram para o fundo de luta de Terrabusi. Até conseguiu meter-se na agenda da direção da CTA que teve que, depois de cinco semanas de silêncio e paralisia, outorgar-lhes a tribuna aos delegados de Terrabusi em seu ato “pela liberdade sindical”.
A greve de Terrabusi desnuda, de passagem, o verdadeiro papel dos meios de informação de massas. Para romper o cerco da ditadura mediática dos monopólios que, todos promovidos pela Kraft, condenavam o isolamento da greve, os trabalhadores tiveram que cortar a Panamericana e valer-se da ajuda de um setor militante do movimento estudantil que realizou os cortes de ruas da Capital para chamar a atenção da população. As ações contagiaram diversos setores que apelaram ã ação nas ruas, incluindo a volto dos movimentos de desempregados que se solidarizaram com a luta de Terrabusi e saíram a disputar com os intendentes do Cone Urbano sua participação nos planos de moradia anunciados por Cristina Kirchner.
Os monopólios da informação que apoiavam ao vivo e diretamente os piquetes do lock out agrário e o desabastecimento de 2008, agora utilizam a difusão dos cortes para criar um clima de agitação em sua batalha contra o governo e direitizar a “opinião pública” com a consigna de terminar com “o caos” do trânsito. A gesta de Terrabusi e as ações de solidariedade que se desencadearam ajudam a mostram o caráter classista do debate sobre a Lei de Meios entre o governo e a oposição no Congresso.
Os delegados de base e a esquerda
O chefe da Sociedade Rural, Hugo Biolcati, se somou a declaração das corporações patronais da indústria como a UIA e a Copal. “Vemos com preocupação o estouro desse tipo de conflito nas empresas porque há algumas comissões internas que parecem mais poderosas que a própria CGT”, disse frente a mais de 200 empresários que se reuniram em Rosario. Essa preocupação da patronal agrária pela saúde da CGT mostra que para a direita mais rançosa do país se mostra “funcional” encontrar um ponto de apoio nos melhores aliados do governo, os hierarcas sindicais, como Daer ou Moyano.
Acabava de vir a luz algo que já havíamos denunciado em La Verdad Obrera: o porta-voz da empresa Kraft, López Matheu, é um especialista em “liquidar” as organizações de base dos trabalhadores nas empresas dominadas pelos monopólios, como diretivo do Clarín foi encarregado de fazer desaparecer as comissões internas da redação do diário e da fábrica (AGR), apelando ã repressão nos anos de 2000 e 2004 para despedir os delegados e avançar com centenas de demissões e maiores ritmos de exploração. O que mais falta pra demonstrar que o objetivo de López Matheu e da gerência da Kraft é liquidar a organização sindical de base para adaptar as condições de exploração aos novos tempos da crise capitlaista internacional? A causa das demissões não tem que ser buscada na justa rebelião contra a desídia patronal frente a gripe A. o fato de que a maior quantidade de demitidos não está no turno que foi epicentro do protesto, mas sim no turno da noite, onde se concentram os delegados mais combativos demonstra isso. A apelação patronal ã justiça iniciando causas penais contra os delegados é uma clara tentativa de criminalizar a ação sindical de parte de uma patronal disposta a lançar provocações, inventar provas e até comprar fiscais e juízes para alcançar seus fins.
O conflito de Terrabusi condensa uma formidável resistência dos trabalhadores ã vontade dos monopólios de descabeçar as organizações de base do movimento operário, os corpos de delegados e as comissões internas. Mas, por sua vez, essa luta revelou uma nova questão política: quando essas organizações não estão controladas pelos burocratas, permitem a pluralidade de partidos dos delegados eleitos na base do movimento operário, diferente da verticalidade dos sindicatos onde reina a “lista única” como recentemente na união Ferroviária de Pedraza que proscreveu ã oposição classista na ferrovia Roca. O ataque de Moyano e de Daer aos grevistas como “ideologizados” e “politizados” salientou a relação entre a classe trabalhadora e a esquerda. Nas novas comissões, e especialmente nos corpos de delegaods, como no metrô, se expressam todas as correntes sindicais e políticas que participam da luta da classe trabalhadora.
No caso de Terrabusi, na comissão interna e no corpo de mais de 40 delegados de base de seção de todos os turnos confluem, junto a independentes, dirigentes da CCC-PCR e da agrupação classista da alimentação da qual faz parte o PTS. Temos diferenças políticas de fundo, como claramente se expressou no conflito entre o campo e o governo onde a CCC (junto ao MST de Ripoll) se alinhou com as patronais agrárias e a corrente da qual fazemos parte manteve independência dos bandos capitalistas e se referenciou nas bandeiras dos operários de Zanon. Mas compomos uma organização de frente única que representa as distintas tendências que atuam na fábrica e são eleitas pelo voto da base trabalhadora. Contra o que quer impor a embaixada ianque, os operários da Kraft devem triunfar: reincorporação dos demitidos com todos seus delegados dentro.