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Argentina

Um grande ano da Frente de Esquerda

03/01/2016

Um grande ano da Frente de Esquerda

Um balanço do importante salto político da Frente de Esquerda no ano de 2015. Os melhores resultados de todos os estados e a nível nacional, no ano em o que a esquerda fez sua melhor eleição presidencial desde 1983. Os desafios para o ano que começa.

2015 se encerrou como um grande ano para a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores [FIT]. A situação política esteve marcada pelo giro à direita que o próprio governo nacional [com Cristina Kirchner] havia iniciado e que terminou com a vitória de Mauricio Macri no segundo turno. Nestes marcos, a coalizão eleitoral composta pelo PTS, o PO e a Esquerda Socialista, não só conseguiu manter e ampliar o espaço político conquistado em 2011 e consolidado em 2013, senão que mostrou um novo avanço como ator na política nacional.

Quase todas as eleições nacionais e estaduais que aconteceram neste ano foram de caráter executivo (presidenciais, para governador ou para prefeito, combinadas com renovações legislativas). Neste tipo de eleições, os aparatos dos partidos dos empresários jogam todo seu peso, já que põem muita coisa em jogo e são diferentes as características do voto. Historicamente, a esquerda obteve resultados qualitativamente maiores em eleições que eram só de caráter legislativo. Por isso o balanço político e as comparações devem ser feitas com as eleições de 2011 (as últimas executivas), tomando em consideração o avanço e a consolidação conseguidos em 2013. Nestes marcos, os resultados que a FIT obteve que superaram qualitativamente os de 4 anos atrás e estiveram levemente abaixo do obtido em 2013, constituem um balanço mais que positivo com o crescimento e a consolidação nacional da coalizão.

Nas eleições que aconteceram desde janeiro na cidade de Mendoza, até a votação presidencial de outubro, a FIT conseguiu aumentar sua representação nas câmaras municipais, assembleias legislativas estaduais e no Congresso Nacional.

Mas, além disso, depois de ter definido suas principais candidaturas nas PASO [primárias abertas, simultâneas, obrigatórias: um piso impeditivo que exige um mínimo de votos para que uma candidatura participe das eleições gerais], a FIT conseguiu em outubro o melhor resultado para votações executivas presidenciais da esquerda desde o retorno do regime democrático em 1983.

Na disputa presidencial, a fórmula Nicolás del Caño-Myriam Bregman [ambos do PTS, organização-irmã do MRT no Brasil] obteve 3.23% (813 mil votos). Em 2011, a FIT havia obtido 503 mil votos (com a fórmula Jorge Altamira-Christian Castillo). Enquanto que se se soma as diferenças obtidas pelas listas de deputados nacionais de todo o país, a soma chega ao milhão de votos.

No Congresso da Nação, a FIT somou um novo legislador ampliando sua bancada. Néstor Pitrola (PO) reingressou como deputado pelo estado de Buenos Aires, e depois de 18 meses dará lugar à Natalia González (PTS, 21 meses) e Mónica Sclotthauer (IS, 9 meses). Em julho, Pitrola havia dado lugar em sua cadeira à Myriam Bregman (PTS), atual deputada nacional. Soledad Sosa (PO) ocupou o lugar deixado por Nicolás del Caño (PTS). Pablo López (PO) eleito pelo estado de Salta, completa a representação da FIT na Câmara Baixa.

Não se trata de um dado menor. O lugar conquistado na superestrutura política pela esquerda trotskista – que se referencia claramente com posições de independência política da classe trabalhadora – é claramente superior ao que tinham as forças que se identificavam com esta perspectiva nos anos ‘70, anos de ascenso revolucionário em nosso país. Em setembro de ’73, havendo só 4 candidatos (Perón, Balbín, Manrique e Coral), a candidatura deste último pelo PST obteve 180.000 votos, 1,54%. Ver gráfico das eleições desde ’89.

Nos marcos do ajuste em curso e da resistência que ele começa a despertar em alguns setores da classe trabalhadora, este lugar conquistado pela FIT se torna um ponto de apoio para intervir em futuros processos de radicalização política.

Antes de fazer uma análise mais global, vale um breve repasse dos avanços políticos alcançados nas eleições estaduais, uma das imagens mais representativas do crescimento da Frente de Esquerda.

Mendoza

O estado se tornou, sem dúvida, um dos lugares onde a FIT ganhou um importante protagonismo político, já desde 2013 em diante quando Nicolás del Caño (PTS) foi eleito deputado federal.

Neste mesmo ano a Frente de Esquerda conseguiu que Noelia Barbeito se tornasse senadora estadual e se conformou uma bancada de deputados estaduais com três integrantes: Cecilia Soria (PTS), Martín Dalmau (PO) e Héctor Fresina (PO). Ao mesmo tempo, conquistou vereadores em vários municípios do estado.

Em 2015, a FIT seguiu crescendo, consolidando o apoio de amplas camadas de trabalhadores, mulheres e jovens. Desde o início do ano, quando Nicolás del Caño, como candidato a prefeito da cidade de Mendoza, conseguiu 17% dos votos, a porcentagem mais alta em uma eleição para cargos executivos para a esquerda desde o retorno do regime democrático, posicionou a FIT como segunda força na capital e superou a Frente para a Vitória [FpV, força política do kirchnerismo e da presidente daquele momento, Cristina Kirchner].

Posteriormente, nas eleições estaduais, a FIT conquistou um senador e mais um deputado. Com este resultado se transformou em uma força que tem capacidade de veto em uma legislatura estadual com importantes divisões entre as forças políticas patronais.

Nesta mesma eleição estadual, a jovem Noelia Barbeito (PTS) superou os 110 mil votos com sua candidatura a governadora, fazendo uma eleição histórica para um cargo executivo por parte da esquerda no estado. E como candidata a deputada nacional nas eleições gerais de outubro a lista encabeçada por Barbeito obteve cerca de 123 mil votos, ficando a somente 20 mil votos de ser eleita.

Córdoba

O estado mediterrâneo foi outro dos lugares onde a Frente de Esquerda pisou forte em 2015. Nas eleições estaduais de 5 de julho, a FIT realizou uma eleição realmente notável. Conseguiu triplicar sua bancada na assembleia legislativa estadual, obtendo 6.4% dos votos para deputados. Laura Vilches (PTS) renovou sua cadeira e a ela se somaram Eduardo Salas (PO) e Ezequiel Peressinni (IS).

Para o cargo de governador, a fórmula integrada por Liliana Olivero e Hernán Puddu obteve 4.9%, multiplicando por mais de três o obtido em relação à eleição executiva anterior em 2011.

Poucos meses depois, na eleição para prefeito pela capital, a FIT conseguiu 3.32% dos sufrágios, multiplicando a eleição de 2011 e competindo com enormes aparatos políticos em uma campanha onde o eixo era a gestão municipal.

Nas eleições gerais de outubro, para deputados federais, a lista encabeçada por Liliana Olivero (IS), acompanhada por Hernán Puddu (PTS) obteve quase 6% dos votos e lhe faltou pouco para consagrar-se deputada federal.

Jujuy

No estado do norte argentino a Frente de Esquerda ficou como a terceira força nas eleições de 2015, tanto para os cargos executivos como legislativos.

Na eleição para governador conseguiu quase 3% dos votos, ficando só abaixo da FpV e da Frente Cambia Jujuy. Nas eleições de deputados estaduais, só o piso brutalmente proscritivo de 5% do total de votos impediu que Alejandro Vilca, o jovem trabalhador coletor de lixo e dirigente do PTS, se transformasse em deputado estadual pela FIT. A votação da esquerda havia superado 7%.

Apesar disso, Vilca se transformou em uma figura central da política estadual. Precisamente por isso, sua expulsão do SEOM de maneira burocrática por parte de Perro Santillán, despertou um enorme e estendido repúdio.

Salta

Em Salta, outro estado onde aconteceram várias eleições no ano, as listas do Partido Obrero conseguiram bons resultados. O mais destacado foi nas estaduais de abril, onde se conseguiu manter a esquerda como referência na política estadual, e conquistar uma nova banca na assembleia legislativa e algumas outras nas câmaras de vereadores de distintas localidades, apesar de que não pôde manter o lugar de terceira força no estado.

Cidade e estado de Buenos Aires

Na capital do país as eleições do distrito ficaram lá longe no tempo. A vitória de Rodríguez Larreta aconteceu no segundo turno e por muito escassa diferença. Nesta eleição o voto em branco, impulsionado ativamente pela esquerda, conseguiu um importante resultado, mostrando uma oposição aos dois candidatos que hoje, como não podia ser de outra maneira, atuam no mesmo espaço político, um como embaixador nos EUA, outro como chefe de governo da Cidade.

Na votação geral de julho, a FIT fez boa eleição. Somando os votos de Luis Zamora e da Frente de Esquerda, a porcentagem superou 7% para o cargo executivo e foi de mais de 9% se se analisa os cargos legislativos. Com estes resultados a Frente de Esquerda conseguiu somar uma cadeira a mais na assembleia legislativa da Cidade. Assim, faz pouco mais de um mês, Patricio del Corro jurou como deputado, junto a Marcelo Ramal. Por sua parte, AyL [Autodeterminação e Liberdade, de Zamora] também conseguiu um deputado.

No estado de Buenos Aires, onde se encontra a maior concentração operária do país, a FIT também fez uma ótima eleição (e somou um deputado federal) nas gerais de outubro. Obteve 4.46% dos votos na disputa para deputados (e 3.68% na presidencial). Quatro anos atrás (2011) neste distrito havia obtido 2.74% na presidencial. Aqui mantém uma cadeira na assembleia legislativa estadual que Christian Castillo (PTS) ocupou até o final de 2015 e agora Guillermo Kane (PO) ocupa. Nas eleições de outubro, os resultados não foram suficientes para obter uma nova cadeira de deputado estadual.

Neuquén

No estado do sul argentino, as eleições estaduais também aconteceram antes das nacionais. Ali, nos marcos de uma vitória importante do MPN, a FIT ficou em quarto lugar para governador entre oito candidaturas, obtendo 3,36%.

No terreno das eleições legislativas, obteve mais de 4,6%, duplicando assim sua representação na assembleia legislativa, passando a ocupar duas cadeiras. Uma delas será de Raúl Godoy durante 4 anos, dirigente operário do PTS, e a outra por Patricia Jure (PO), que dará lugar, com dois anos, a Angélica Laguna (IS). A FIT foi a única força política, por fora dos três grandes blocos patronais, que conseguiu fazer uma boa eleição e obter representação parlamentária.

Poucos meses depois, nas eleições municipais da capital, a FIT obteve 4,12% para o cargo executivo e 5,95% para vereadores.

Santa Fe

Junto a Tucumán foi um dos estados emblemáticos das práticas fraudulentas em 2015. O Partido Socialista, que governa o estado, cometeu enormes irregularidades tanto nas PASO como nas eleições gerais.

Neste estado, apesar destas manobras, a FIT fez uma muito boa eleição, crescendo substancialmente em relação às eleições anteriores, multiplicando por 4 os votos obtidos pela fórmula da esquerda em 2011 e permitindo que Octavio Crivaro e Virginia Grisolía se transformem em duas figuras emergentes na política estadual.

Isto se colocou em evidência frente às apurações irregulares, quando as denúncias da esquerda tiveram uma importante repercussão.

Grandes avanços

Estes dados e balanços são um aspecto do avanço da esquerda classista na Argentina. Desde antes de sua emergência político-eleitoral, as forças que integram a Frente de Esquerda conquistaram posições e força militante em organizações do movimento operário (o PTS foi vanguarda no setor industrial e de serviços), dos estudantes ou do movimento de mulheres.

Durante um ano em que os partidos tradicionais buscaram levar a atenção e a vida política das grandes maiorias ao terreno eleitoral, a Frente de Esquerda esteve em cada uma das lutas que estes setores levaram adiante. Participando das paralisações gerais convocadas pelas cúpulas sindicais com piquetes e uma política diferenciada, acompanhando duras lutas como a dos motoristas da Linha 60, sendo parte das mobilizações das mulheres que levantaram o grito de #NiUnaMenos, acompanhando a reivindicação dos jovens que denunciam a perseguição policial e as comunidades que enfrentam o saque e a contaminação.

A projeção que teve a emblemática luta de Lear em 2014 e o papel cumprido por Nicolás del Caño (que depois se transformou na principal referência da FIT e da esquerda em geral), também deram seu impulso ao reconhecimento político da FIT.

Lembremos que durante uma participação ativa nesta luta, Del Caño (junto a muitos trabalhadores e deputados como Christian Castillo) foi baleado com balas de borracha pela Gendarmeria [polícia federal controlada pela presidência] a mando de Sergio Berni.

A eleição presidencial de outubro terminou de confirmar o peso que vem ganhando a Frente de Esquerda entre os trabalhadores, as mulheres e a juventude. O milhão de votos que os candidatos da FIT conseguiram, em um cenário de polarização e voto útil, foram um dado contundente para os que falavam de um “fenômeno passageiro”. Com um programa operário e socialista, que denunciava o ajuste e chamava a lutar para que a crise seja paga pelos capitalistas, a Frente de Esquerda foi uma voz inegável na política nacional. Todos os candidatos tiveram que referir-se a Del Caño e à Frente de Esquerda e sua destacada participação no debate presidencial confirmou que as ideias da esquerda eram observadas por milhões.

Foram muitos os feitos e alcances da campanha, mas um fato a se destacar é o amplo agrupamento de artistas (alguns deles muito reconhecidos nacional e internacionalmente) que se conheceu como #ArtistasConElFIT e que foram um grande respaldo para a Frente.

A campanha e os resultados não permitiram somente difundir as ideias socialistas e ampliar as bancadas da FIT no Congresso e nas legislaturas. Além disso serviram para alentar uma nova geração de trabalhadores, jovens e mulheres, a somar-se à militância política com a esquerda revolucionária (em plena campanha, na zona norte chegaram a reunir-se mais de mil operários). Centenas de trabalhadores que só conheciam a luta sindical, foram candidatos e avançaram em sua militância política. Estas novas forças são uma conquista fundamental deste ano político.

Esta campanha de organização militante, foi combinada com um uso audaz e de vanguarda das redes sociais, tanto nas PASO como nas gerais. Como é sabido, as redes no mundo e na Argentina, se transformaram em um meio de comunicação massivo pelo qual uma grande parte da juventude se comunica e inclusive se organiza.

Novos desafios

O governo de Macri confirmou, em umas poucas semanas, o que a Frente de Esquerda denunciava em sua campanha. E a FIT confirmou não só seu prognóstico, mas também sua posição independente.

Quando o governo de Macri impulsionou o chamado a um tipo de “diálogo nacional”, a que se subordinaram todos os ex-candidatos presidenciais, só Nicolás del Caño e a esquerda rechaçaram esta política. Poucas horas depois começava o ajuste que inclui, até o momento, desvalorização, uma brutal transferência de riqueza para as grandes patronais e a perspectiva de um aumento de tarifas em muito pouco tempo. Somemos a isso a repressão aos trabalhadores de Cresta Roja [trabalhadores demitidos da indústria alimentícia].

Para aplicar este plano, o “republicanismo fajuto” escolheu o método do decretaço. O “diálogo” era uma cena para a verdadeira política autoritária e anti-popular do governo. As vozes que repetiam que “no fim das contas Del Caño tinha razão e Macri não queria nenhum diálogo” se multiplicaram.

Mas nestes poucos dias do novo governo, a Frente de Esquerda também atuou como o único pólo de resistência consequente e independente dos governos e das oposições que agora alternaram papéis. Denunciando as medidas do governo em cada Legislatura e no Congresso, participando de cada mobilização progressiva contra os embates do governo e em defesa das liberdades democráticas, sendo parte das primeiras medidas operárias contra o ajuste, como em Cresta Roja, Siderca ou nos trabalhadores estatais. Foram as organizações integrantes da Frente de Esquerda, junto a outras organizações, as que encabeçaram neste 22 de dezembro, a primeira ação unitária contra o ajuste e a repressão. A CTA Autônoma e os movimentos sociais kirchneristas tinham decidido não chamar à manifestação, que se transformou em uma mobilização importante até a Plaza de Mayo.

Em síntese, a FIT fecha um extenso ano eleitoral com uma indubitável renovação e consolidação política. E o faz em um momento de transição na vida política nacional. Ao calor dos grandes debates nacionais que já estamos vendo, e das lutas que suscitarão as medidas do governo e dos empresários, se abre a enorme possibilidade (e necessidade) de fortalecer e consolidar este pólo político e social que permita contar com o poder para enfrentar o ajuste e impor uma saída desde os trabalhadores.

Para fortalecer este crescimento e presença nacional, o PTS vem propondo diversas iniciativas: desde campanhas comuns como a que propôs contra os decretaços e pelo chamado a sessões extraordinárias; passando pelo Encontro de Trabalhadores de 5 de março, até a constituição de interbloques legislativos e a necessidade de, nos marcos dos matizes e diferenças, conseguir a maior coordenação da atividade parlamentária.

Apesar das diferenças que possamos ter entre as organizações que a integramos, a Frente de Esquerda se transformou em uma ferramenta unitária extraordinária para avançar na construção da organização revolucionária necessária aos trabalhadores e aos oprimidos para vencer.

Este é o nosso desafio histórico.

Ver também Um histórico dos resultados da esquerda nas eleições presidenciais

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