FRENTE ÀS INUNDAÇÕES NA ARGENTINA
A tormenta é natural, os mortos e o desastre não
06/04/2013
A história da Argentina dos anos kirchneristas bem que poderiam ser contada através dos crimes sociais que se produziram sob seus governos. Cromañón [discoteca de Buenos Aires na região de Once, que deixou 194 mortos e quase 1500 feridos] no final de 2004, o Masacre do Once [choque de trem na Estação Once em Buenos Aires, que deixou 50 mortos e quase 700 feridos] em fevereiro do ano passado ou os mortos pelo temporal, na Semana Santa de exatamente um ano atrás.
A tormenta que acaba de atingir grande parte da Capital e a província de Buenos Aires, com epicentro em La Plata, voltou a mostrar a crise estrutural da Argentina capitalista e deixou desnudado a responsabilidade e o cinismo dos políticos patronais. A gravidade dos acontecimentos derrubou o clima de reconciliação nacional pregado por Cristina Fernández após o abraço com Bergoglio no Vaticano. Nem CFK, nem Scioli [governador da província de Buenos Aires], nem Macri [prefeito de Buenos Aires] moveram um dedo em todos os seus anos de governo para fazer as obras necessárias para diminuir os efeitos da catástrofe. O resultado é, até agora, mais de 50 mortos e centenas de milhares de afetados. Houve, efetivamente, uma crua catástrofe natural, mas convertida pela negligência de empresários e governos em um novo crime social: outra vez as vítimas são o povo trabalhador.
Cínicos
Não terminavam de se informar dos acontecimento na Cidade de Buenos Aires, quando flutuavam não só o lixo nas ruas, quando também flutuavam a imundice dos políticos patronais, oficialistas e opositores. Sua única preocupação era se desligar de responsabilidades e aproveitar os acontecimentos para disputa eleitoral. Macri estava de férias no Brasil e voltou de “urgência” para se colocar ã frente... das câmaras e fazer politicagem sobre a tragédia popular. O governo nacional lançou sua contracampanha quase “festejando” porque Macri estava em problemas, enquanto aumentava o número de mortos e afetados.
O temporal seguiu seu violento caminho para La Plata e arredores, demonstrando que o “aliado” da coalizão governamental, Daniel Scioli, tem a província de Buenos Aires em condições similares ã “direita” macrista da Capital. O prefeito de La Plata, o kirchnerista Pablo Bruera, mentindo descaradamente informando que havia assistido aos evacuados na noite de 2 de abril quando em realidade ainda “descansava”, como Macri, no Brasil.
Cristina Kerchner também considerou que tinha que fazer demagogia e foi até Tolosa a “percorrer os bairros” e recordar aos desamparados que ela tinha perdido seus familiares, que quando ela era pequena entrou “água em casa”. Os vizinhos a enxotaram aos gritos. A fortuna pessoal da Presidenta chega a 8,4 milhões de dólares com 28 propriedades. Cristina teve que passar rapidamente a fazer declarações na TV com promessas e mais promessas. Mas sua resposta concreta, mas que a ajuda que nunca resolve, é a convocatória ao Exército e ã Polícia Nacional para cumprir seu papel de controle para evitar excessos sociais frente ao que chamou de presença de “caras estranhas”. Mesmo Hugo Moyano [presidente da CGT] expressou sua solidariedade. Entretanto, vem estudando a possibilidade de montar uma candidatura na Capital com Lavangna e Macri, ou apoiando Scioli, os responsáveis políticos diretos desse desastre.
Pela tarde chegavam as notícias dos primeiros saques e na Capital começaram a se escutar panelaços e bloqueios de ruas nos bairros mais afetados. Já na noite de 2 de abril se produziram saques e ocupações de casas em Villa Soldati. A notícia foi rapidamente ocultada por todos os meios.
Crescimento para poucos
Em dez anos de crescimento recorde, os que “a juntaram com habilidade” foram os grandes empresários e banqueiros, nacionais e estrangeiros. Milhares de milhões de dólares foram para pagar a dívida externa aos “urubus”, enquanto outros tantos fugiram em remessas para as casas matrizes das multinacionais e das mineradoras que contaminam o meio ambiente e roubam nossas riquezas. A confissão de parte, revelo de provas: nesses 10 anos de crescimento, a infraestrutura do país é igual ou pior que nos ’90, a década do “neoliberal” Carlos Menem. Na Cidade de Buenos Aires a urbanização anárquica, a favor do rápido lucro capitalista, levou ã perda de espaços verdes. A construção de megatorres reduziu drasticamente as terras de absorção para chuvas e para dar maiores benefícios ás empresas se eliminou o pulmón de manzana [áreas verdes entre os edifícios] nesses edifícios. A absorção natural se reduziu sensivelmente. Os cimentos das megatorres atuam como verdadeiros diques de contenção do escoamento subterrâneo natural. Além do que, a pavimentação e repavimentação sucessivas das ruas, para “reduzir custos”, estão por cima da linha estabelecida para o escorrimento da água. La Plata tem os mesmos problemas, construção descontrolada de edifícios sem escoamentos fluviais necessários, a cidade “cresceu enormemente com a mesma infraestrutura de princípios do século vinte” (Clarín 4/4).
Ao mesmo tempo que se seguem destinando subsídios multimilionários ã empresas privatizadas, como os Roggio ou os Cirigliano, os responsáveis de crimes como os de Once. Mas há mais, no dia seguinte ao temporal, a Corte de apelações de Nova York deu andamento ã oferta que o governo fez aos especuladores. O Banco Central acaba de sacar 2,3 bilhões de dólares para pagar a dívida externa aos organismos multilaterais. Quantas vidas poderiam ter salvado se se investisse em infraestrutura? Para os empresários e seus políticos enriquecidos, tudo segue igual em suas casas luxuosas; para o povo trabalhador estes fenômenos “naturais” se convertem em uma tragédia com perda de vidas ou de seus escassos pertences obtidas com toda uma vida de trabalho. A resposta para os danificados é a regimentação das casas e a sempre exígua ajuda social e uma saudação ã bandeira do novo papa argentino que chamou a “manter a esperança”.
Solidariedade de classe e uma classe de solidariedade
Enquanto as inundações mostravam por cima a podridão da politicagem patronal, por baixo se desenvolveu uma enorme solidariedade. Um dos exemplos mais importantes foi protagonizado pelos trabalhadores do metrô, que pararam todas as linhas pela morte de um companheiro que faleceu eletrocutado. Como denunciou o delegado da linha B, Claudio Dellecarbonara: “O companheiro morreu pela negligência e pela falta de interesse da empresa e dos governos”. São centenas de exemplos de solidariedade, de apoio, que nascem nos bairros, nas fábricas, nas escolas, em todo o pais, com os atingidos. A Argentina operária e popular demonstrou uma vez mais que a solidariedade de classe se impôs para enfrentar a situação.
Para uma situação extraordinária, uma solução extraordinária
Os militantes do PTS estamos desde a primeira hora trabalhando na ajuda e acompanhamento das vítimas, colaborando para estender a solidariedade operária, estudantil e popular. É necessário exigir dos sindicatos, aos centros acadêmicos, a todas as organizações operárias e popular, começando pelas CGTs e as CTAs, que se coloquem a disposição dos atingidos. A organização e distribuição da solidariedade deve estar nas mãos das organizações de trabalhadores e vizinhos.
Nenhuma repressão contra os que protestam por respostas a sua precária situação. Que as patronais paguem os dias não trabalhados aos trabalhadores afetados e o Estado nacional, provincial e do governo da Cidade indenizem de imediato e sem condições ás famílias golpeadas pelo temporal, outorgando um subsídio para reparar as perdas. Empresas como Kraft, Nestlé, Kimberley, P&G, cadeias de supermercados como Carrefour, Coto, Jumbo, deveriam estar entregando alimentos, colchões, cobertores, água mineral, fraudas, para atender ás necessidades imediatas. E se estas empresas e cadeias de hipermercados não o fazem “por bem”, é preciso lutar para que se confisquem as mercadorias necessárias até resolver o drama que sofrem as famílias do povo.
É preciso implementar já um plano nacional de obras públicas controlado pelas organizações operárias para fazer os empreendimentos que fizeram falta para prevenir estes desastres. Os recursos para tomar estas medidas poderiam ser conseguidos rapidamente. O dinheiro deve sair do não pagamento da dívida externa e impostos extraordinários aos grandes capitalistas. É preciso terminar com os monopólios imobiliários que constroem anarquicamente guiados pelos seus lucros, sem levar em conta a infraestrutura necessária para evitar estas catástrofes.
Contra todos estes políticos patronais que mostram seu desrespeito pela vida operária e popular, os trabalhadores devemos desenvolver nossa própria alternativa política. Impulsionar a construção de uma esquerda dos trabalhadores, partindo de fortalecer a Frente de Esquerda, é uma necessidade que esta nova catástrofe põe na ordem do dia.