IV Conferência da FT-CI
Bolivia: novo movimento operário e o desafio para os trotskistas
08/03/2007
Os avanços qualitativos que tivemos em relacionar as discussões teóricas sobre estratégia revolucionária com os programas e o tipo de partido que propõe as diversas organizações que se reclamam marxistas revolucionárias a nível internacional, assim como as análises sobre a situação internacional em geral, e do movimento operário em particular, serão desenvolvidos nas próximas edições da nossa revista Estrategia Internacional, que resolvimos editar em forma semestral.
Informamos aquí sobre outras duas resoluções importantes da IV Conferência: um chamado internacionalista a levantar uma alternativa verdadeiramente anti-imperialista e pela independência política dos trabalhadores diante do processo venezolano, e o desafio assumido por toda a FT-CI de apoiar todos os esforços da LOR-CI da Bolivia para influenciar de forma decisiva no processo de reorganização da combativa classe operária desse país. Uma sessão da IV Conferência da Fração Trotskista - Quarta Internacional (FT-CI) foi dedicada a discutir a situação da Bolivia.
Este é o país da América Latina onde o processo revolucionário ainda se mantém aberto apesar das enormes expectativas que a amplia maioría dos trabalhadores, camponeses e o povo têm no governo do Evo Morales. Neste marco, um importante setor da classe operária boliviana começou a recompor suas forças tanto social como sindicalmente, isto último alentado pelas próprias expectativas geradas pelo governo do MAS. Entrevistamos a Elio Aduviri, secretário de relações do Sindicato de Trabalhadores de SABSA (Aeroporto Internacional de El Alto) e dirigente da LOR-CI, que nos comenta da situação da classe trabalhadora e dos desafios que se discutiram na Conferência da FT em relação a este país de grande tradição revolucionária.
– Conte-nos qual é a situação da classe trabalhadora na Bolivia
Elio: Em primeiro lugar, o movimento operário boliviano vem de uma importante derrota que se arrasta desde o ano ’85 quando os trabalhadores mineiros, que foram historicamente a vanguarda de nossa classe, foram relocalizados (despedidos massivamente) logo de enormes jornadas de luta, traídos por suas direções. Logo, nos ’90 se impuseram as privatizações de quase todas as empresas públicas gerando mais despidos, destruição da organização sindical e debilidade dos trabalhadores. É por isso que desde 2000 a classe trabaladora não foi protagonista central das diversas jornadas revolucionárias que derrubaram dois governos, mesmo que interviram alguns setores como os combativos mineiros de Huanuni. Este é um setor histórico de nossa classe, que vem de conseguir a reestatização da mina em 2000 impondo o “controle social” e que há alguns meses defendeu essa conquista contra a tentativa de privatização do MAS e dos dirigentes das cooperativas em um infrentamento que deixou mais de uma dúzia de mortos. Graças a essa luta a empresa Huanuni passou de ter pouco mais de 800 assalariados a quase 5.000. Mas isto é só um aspecto. O verdadeiramente novo é que começam a se organizar passo a passo setores de uma nova classe operária, mais jovem e inexperta, mas muito importante, como os da nova indústria ligada ã exportação de madeira, textil e joalharia, centralmente desenvolvida em La Paz e El Alto onde existem fábricas que chegam a concentrar até 3.000 trabalhadores, muitos de 28 a 20 anos. Ao mesmo tempo em Santa Cruz, ligada ã produção agrária e florestal, surgiu uma classe operária da agroindústria.
No Altiplano, o ascenso ao governo de Evo Morales gerou fortes expectativas entre os trabalhadores por tratar-se de um presidente indígena. Mas isto não levou a uma espera passiva para que o governo mude a situação que vivemos os trabalhadores onde os empresários nos humilham, onde o mal trato é cotidiano e nas fábricas, onde os salários apenas chegam a 50 dólares. Ao contrário, está dando-se un processo de organização de novos sindicatos e em muitas fábricas busca-se a forma de organizar-se para mudar a situação. A formação do SITRASABSA do que sou dirigente não é mais que uma expressão deste fenômeno.
– Quais atividades e política vocês vêm desenvolvendo diante deste processo?
Elio: A gente como LOR-CI concentramos nossas forças em El Alto. Abrimos há dois anos a “Casa Operaria e Juvenil” onde se realizam palestras, projeções de filmes, cursos e atividades sociais e culturais. Mas também a partir da fundação do SITRASABSA pudemos chegar a dezenas de fábricas que buscavam se organizar, e a “Casa Operária” converteu-se em uma referência para todos eles. Neste ano ã “Casa Operária” se aproximaram para organizar-se e lutar os trabalhadores de Professores de Educação Informática de El Alto que formaram seu sindicato (SITRASAI), trabalhadores de TOTES (empresa de limpeza ã domicilio, dependências públicas e estabelecimentos), de ASEO URBANO, que são recoletores de lixo que se enfrentaram ã burocracia de seu sindicato, jóvens contratados de AISA (Aguas del Illimani), operários da Taller Externo de El Alto que pertence ã empresa Exbol, primeiro exportador de jóias do país. Neste momento se reunem os trabalhadores da ex fábrica Christies, que mantém um processo pelos despidos que sofreram. Há várias fábricas mais que são muito importantes lutando pelo direito a se organizar, com as quais estamos colaborando.
Este é um processo essencialmente sindical, ao que a Central Operária Boliviana (COB), a Federação de Fabris, as Centrais Operárias Regionais e Departamentais não dão maior importância, quando não o boicotam. Produto das velhas derrotas mas também porque dão as costas a esta nova classe operária é que as centrais sindicais se encontram muito debilitadas na Bolivia. Por exemplo o SITRASABSA é um dos quatro sindicatos de assalariados que tem participação real dentro da COR de El Alto. Além disso, o resto da esquerda, inclusive os que se reivindicam trotskistas, não consideram este fenômeno como algo potencialmente revolucionário onde concentrar suas energías militantes. É notório que, além do MAS, o único local da esquerda em El Alto seja a Casa Operária e Juvenil. Mas, como dizía, trata-se de um processo essencialmente sindical onde existem muitas expectativas e há ilusões em que o MAS do Evo responda ás demandas dos trabalhadores quando saem à luta. Não obstante, quando isto acontece, muitos trabalhadores vêm como os ministros do governo do MAS atúam contra seus interesses e se passa por uma experiência importante.
– Cual é a política para acelerar esta experiência?
Elio: Já diante as eleições do ano 2005 fomos parte da Comissão Política da COB onde se discutia colocar de pé um Instrumento Político dos Trabalhadores (IPT) para que os trabalhadores apresentemos candidatos operários e um programa independente diante do ascenso do MAS. Nós demos esta batalha, mesmo que lamentavelmente os dirigentes da COB não quizeram avançar neste sentido. De ter-se formado um IPT nós tivéssemos batalhado para que adquirisse um programa revolucionário e para que utilizasse a tribuna eleitoral para desenvolver a mobilização nas ruas e fazer pesar a classe operária na vida política nacional.
Experiências deste tipo também formam parte do acervo do proletariado boliviano, como quando em 1947 conformou-se o Bloco Parlamentário Mineiro entre os dirigentes da Federação de trabalhadores mineiros e os trotskistas do POR, que obteve 2 senadores e 8 deputados. Lamentavelmente o POR, que é a corrente que historicamente expressou o trotskismo em nosso país, nega nos fatos essa experiência e transformou em princípio não se apresentar nas eleições. É uma organização que há muito tempo perdeu completamente o rumo, combinando um discurso maximalista com uma prática profundamente sindicalista.
Agora que está a Constituinte, amanhada e pactada com a direita mas na qual as massas depositam suas expectativas, estamos propondo a todos esses trabalhadores que se reorganizam sindicalmente que temos que levantar um programa de reivindicações operárias e camponesas, um listado de reclamos para exigí-lo ã Constituinte e sobre tudo para lutar por ele nas ruas, durante e depois da Constituinte, começando pelo pleno direito ã organização sindical, as terras para os camponeses, salários iguais ã cesta familiar, nacionalização sem pagamento e sob controle operário de todos os recursos naturais, etc. Tentamos assim que a classe operária se organize políticamente e faça uma rica experiência com o governo do MAS e a Constituinte, enquanto continuaremos denunciando fortemente todos os pactos do MAS com a direita. Esta experiência é fundamental para que a classe operária possa dar um passo ã frente em sua independência política.
Apostamos dessa maneira a forjar uma vanguarda operária com a qual possamos formar um grande partido revolucionário dos trabalhadores; esta será a úncia forma de dar uma saída revolucionária ao processo aberto. É uma enorme aposta estratégica a que nos propomos os revolucionários na Bolivia, e é por isto que a IV Conferência da FT-CI discutiu dar grande importância e colocar parte de sua dedicação e recursos para apoiar a LOR-CI neste desafio.
– Quais são as tarefas por diante?
Elio: Em primeiro lugar desenvolver com todas as nossas forças este processo de reorganização operária, ajudando a formar novos sindicatos combativos que em perspectiva sejam classistas. Estão dadas as condições para colocar em pé um novo movimento operário desde as bases que dem nova vida ás organizações históricas dos trabalhadores. Mas nós sabemos que a pesar do desvio que significa o governo do Evo Morales continuamos transitando uma etapar revolucionária. A reação da direita busca ganhar força para enfrentar aos trabalhadores e camponeses. O governo do MAS busca conciliar com a direita, ao mesmo tempo que tenta conter as massas mediante algumas concessões e promessas. É difícil que conquistem este objetivo com viu-se nos enfrentamentes ocorridos em Cochabamba e em Huauni. Antes ou depois os trabalhadores deveremos poder dar uma saída própria, verdadeiramente revolucionária e socialista para o conjunto dos explorados e oprimidos da Bolvia. É necessária uma aliança operária e camponesa que termine com a Bolivia capitalista, única forma de conquistar todas as nossas reivindicações. Isto não será feito pelo MAS e é por isso que os trabalhadores temos que conseguir não somente uma forte organização sindical, mas também é preciso que se forme uma organização política operária que tenha objetivos revolucionários. Já em outros momentos da história de nosso país, os trotskistas bolivianos conseguiram que uma parte da vanguarda operária tomara com próprio um programa revolucionário que dava uma resposta operária para terminar com o domínio dos capitalistas. Foi no ano 1946 e as chamadas “Teses de Pulacayo”, escritas pelos trotskistas onde se colocava a luta pelo poder operário e o socialismo, foram adotadas pelos mineiros e logo pela própria COB. Nós agora queremos ser parte deste processo de reorganização e recomposição operária com o objetivo de colaborar para que nossa classe possa avançar num caminho político revolucionário, não somente sindical.