ECONOMIA INTERNACIONAL
China e Estados Unidos: dois que movem o mundo
20/01/2016
Incertezas da transição chinesa e contradições da economia norteamericana. O significado das oscilações do yuan. Cartas que já estão na mesa. Há uma nova etapa da crise mundial. China e Estados Unidos: dois que movem o mundo.
Faz menos de uma semana que a ebulição bursátil se apoderou novamente da China. A movimentação nas bolsas de Shangai e Shenzhen, uma desvalorização inicial do yuan - logo corrigida - e os temores pela diminuição do crescimento no país que aportou em 35% do crescimento mundial entre 2010 e 2015 (OCDE), atuaram como ponta de lança de uma tempestade. As bolsas ocidentais iniciaram o ano com a pior abertura de sua história e por mais que seus pares chineses tenham recobrado forças na sexta, Wall Street - como disse o jornalista argentino Siaba Serrate - "não foi capaz de copiar seus passos. Voltou a se afundar - 1% - denotando que a preocupação que começou no Extremo Oriente fincou rápidas raízes locais". E que não se trata apenas da China que, por sua vez, voltou a sofrer um dia difícil na última segunda-feira, arrastando as bolsas europeias, enquanto ontem Wall Street sofreu uma nova queda de 2%. Outro componente chave que dá um tom obscuro à situação econômica mundial é sua aparente tendência de continuar com leves aumentos progressivos no próximo período. Política que se desprende das profundas contradições da recuperação da economia dos Estados Unidos.
A mistura da convulsiva e incerta transição chinesa e os limites das políticas monetárias expansivas (QE) norteamericanas se retroalimentam e expressam uma combinação inversa dos que foram os dois fatores fundamentais que contiveram a Grande Recessão após a queda de Lehman.
Incertezas de uma transição
A desaceleração da Economia chinesa se encontra estreitamente vinculada aos limites de um modelo essencialmente exportador de mercadorias e de promoção de investimento interno e à difícil necessidade de trocá-lo por outro associado ao desenvolvimento do mercado interno, dos serviços e da exportação de capitais. De fato, a China sofreu durante o ano de 2015 a primeira contração do volume total de comércio com o resto do mundo referente ao ano anterior, desde a crise de 2008-9, incluindo uma queda das exportações de 1,8% (El País, 13-1-16). Esse limite demonstra nitidamente o excesso de acumulação de capital no território chinês e o excesso derivado de produção de mercadorias (como cimento, aço, barcos, equipamentos pesados), numa situação internacional de crescimento débil que tende a se estagnar. Porém, a transição chinesa desde um "modelo" a outro está muito longe de representar uma questão técnica ou de economia pura. Envolve, pelo contrário e necessariamente, questões que têm a ver com a intenção e necessidade da China de transformar-se em algo a mais que na segunda economia mundial por volume de produção.
Os obstáculos concretos e as contradições que enfrenta essa transição representam os fundamentos tanto da desaceleração e incerteza a respeito do crescimento dos próximos anos, como das oscilações do yuan e as convulsões bursáteis. Nesses obstáculos e contradições se inserem, como fatores muito importantes, os movimentos e o estado da economia mundial que é afetada e afeta, por sua vez, a economia chinesa. De fato, tanto as intenções declaradas dos Estados Unidos de elevar as taxas de juros - manifestadas com distinta intensidade desde o ano de 2013 - como seu recente aumento efetivo, vêm maximizando e acelerando as contradições e dificuldades daquela transição. Martin Wolf aponta que os investidores globais retiraram mais de 52 bilhões de dólares dos fundos de renda variável e fixa dos chamados "mercados emergentes" no último trimestre de 2015. Valor que representa o maior fluxo de saída trimestral da história e tem a China e a Rússia como principais vítimas (Financial Times, 12-01-16). Por sua vez, a queda de fluxos de capital líquido no conjunto de países denominados "emergentes" marcou em todo 2015 seu maior declive em 30 anos. Declive que mostra um movimento inverso e de forte contraste com o crescimento do endividamento do setor privado desses países que disparou de 1,7 bilhões de dólares em 2008 até 4,3 bilhões em 2015. Sendo a China o paradigma do crescimento da dívida privada, que, entre 2007 e 2014, cresceu em 70% em referência ao PIB.
É evidente que o processo de reversão do fluxo de capitais aos Estados Unidos tem responsabilidade sobre as quedas bursáteis que começaram em agosto e recobraram vigor nos últimos dias. Ainda que o mercado bursátil mantenha-se como um lugar marginal na China - um terço do PIB comparado aos aproximadamente 100% dos países centrais -, seu estímulo por parte do governo desde fins de 2014 resultou numa tentativa de substituir a bolha imobiliária - que se desenvolveu entre 2009 e 2014 -, incrementar o poder aquisitivo de um setor importante da população e sustentar, por sua vez, o crescimento da economia. Contudo, a bolha que começou a desinflar-se em agosto do ano passado e se aprofundou nos primeiros dias do ano corrente - ajudada pela aceleração da reversão do fluxo de capitais aos países centrais -, está estabelecendo sérios problemas na cadeia de pagamentos e alentando os temores de que a economia chinesa fracasse no processo de transição.
O destino do yuan
As oscilações do yuan (ou renminbi) derivam tanto das dificuldades próprias da transição apontadas mais acima como da sensibilidade da moeda às pressões do capital internacional. Um yuan mais forte estaria necessariamente associado à possibilidade de sua transformação em uma das principais moedas de reserva do mundo e consolidaria as intenções chinesas de transformar o país em exportador de capitais. De fato foram produzidos avanços importantes no sentido de sua incorporação à gama de moedas do FMI que se efetivaria em outubro, a criação de um mercado de títulos off shore ou a fundação do Banco de Investimentos em Infraestrutura com a adesão de mais de 60 países. Entretanto, tanto a desvalorização de agosto - que alcançou ao redor de 4,5% - como a recente desvalorização - posteriormente revertida, resultam em outros tantos sintomas das dificuldades chinesas de transformar sua moeda em uma das principais de referência internacional.
À medida que a China não consegue transformar seu modelo de acumulação de capital em um de tipo de mercado interno, a desvalorização do yuan e o controle da moeda por parte do governo persiste como eventual mecanismo defensivo que poderia ser usado para melhorar a competitividade de sua economia em temos externos. Por sua vez, as intenções mais liberalizantes de Xi Jinping entram em colisão com a reversão do fluxo de capitais aos países centrais e as consequentes desvalorizações monetárias em uma série de países - como Brasil, Indonésia, Malásia, Rússia, África do Sul e Turquia, cujas moedas caíram a mínimos frente ao dólar - que debilitam ainda mais a já reduzida competitividade chinesa. Essa situação tira da China tempo e margem para realizar manobras relativas às dificuldades da transição e torna mais arriscada qualquer política de liberalização do yuan. Questão esta que atua como um limite estrito à conversão del renminbi em moeda de reserva internacional.
O papel dos Estados Unidos e a Reserva Federal
A economia norteamericana se encontra sujeita a um movimento contraditório. Por um lado, resulta atualmente no país central que ostenta o maior crescimento econômico, questão que lhe permite absorver grande parte do desemprego gerado pela Grande Recessão. Já por outro, o nível de crescimento encontra-se pobre frente aos enormes estímulos monetários implementados e assim extremamente dependente daqueles estímulos. Enquanto variáveis como o investimento e a produtividade se mantêm em níveis de crescimento particularmente baixos, o mercado bursátil mostra novos máximos históricos. Fundamentalmente, o risco financeiro junto à dificuldade de reeditar medidas monetárias para responder a um eventual aprofundamento da crise são os fatores que preocupam a Reserva Federal norteamericana e que impulsionaram a subida das taxas de juros, com um plano de novos aumentos para o ano em curso.
No entanto e como era de se esperar, a medida aprofundou o giro de capitais ao centro, contribuindo para a revalorização do dólar, a desvalorização do resto das moedas e para aprofundar as debilidades chinesas. Os preços das matérias-prima e o petróleo continuam em queda impulsionada pelos triplo impacto do menor crescimento chinês, a revalorização do dólar e a ameaça de uma maior debilidade da economia mundial. Questão que, por sua vez, realimenta as debilidades dos chamados "mercados emergentes". Concomitantemente, o fortalecimento do dólar impulsiona para baixo as exportações norteamericanas repercutindo na indústria, o flanco mais débil da recuperação. Foi justamente a queda do indicador adiantado de PMI (uma medida que se considera que aproxima muito bem o prognóstico de crescimento) tanto dos Estados Unidos como da China, um dos fatores que incitaram as instabilidades desses últimos dias. É muito provável que, se a situação se agudiza muito, a Reserva Federal abandone sua política de incremento de taxas - já há vozes que indicam cautela.
Mas, por um lado, terá que ver se a Fed chega a tempo para evitar um novo desastre e, por outro, em grande parte a sorte já está lançada. Uma coisa era a transição chinesa em uma economia mundial débil, porém relativamente estável, e outra coisa será a dita transição em um contexto crescentemente crítico. Os fatores que contribuíram para espantar o fantasma da Grande Recessão desde o ano de 2010 estão encontrando seus limites e tudo indica que a economia mundial se encaminha para um etapa claramente mais crítica.