“Novo” pacote de Obama:
Dinheiro por lixo
29/03/2009
Nos últimos dias o governo de Obama anunciou seu novo plano de salvamento do sistema financeiro norte-americano. Como resposta, as bolsas mundiais cresceram com o Dow Jones acumulando altas de 6%, as bolsas européias 3%, e a Bovespa em 5,8% para nos dias seguintes caírem novamente. O programa acarretará um peso brutal no bolso dos contribuintes norte-americanos, e um aumento dos desequilíbrios econômicos da já golpeada economia norte-americana. Na verdade, trata-se da transferência de imensos recursos públicos para tentar equilibrar o mercado financeiro a partir de uma política que continua tratando o problema como se fosse de liquidez, ou seja, de falta de dinheiro, e não de insolvência, que provém do fato de que estes ativos tóxicos geraram dívidas e movimentaram mecanismos financeiros incobráveis e impagáveis. Soma-se ao plano, agora analisado com ceticismo por alguns analistas burgueses importantes, a crise aberta em torno do pagamento de US$ 165 milhões de dólares de bônus aos executivos da seguradora AIG, que recebeu centenas de milhões de dólares do governo para evitar a falência.
Recursos públicos para mercado financeiro e impressão de dinheiro pela FED
O pacote anunciado por Obama e seu secretário do tesouro, Timothy Geithner, apesar de todas as tentativas de surgir como algo novo é uma reedição do elaborado no final de 2008 após o estouro da crise nos EUA pelo então secretário do tesouro de Bush, Henry Paulson. Atendendo pelo pomposo nome de Plano de Investimento Público-Privado, criou-se uma complicada engenharia para vender a idéia de que haveria algo de participação privada no resgate ao sistema financeiro. Na verdade, nada mais é que uma velha reedição do projeto de trocar “dinheiro público por lixo”, nas acertadas palavras de Paul Krugman, a partir da absorção dos ativos tóxicos com verba pública apresentado por Henry Paulson, que não foi aprovado naquela circunstância por conta da debilidade e descrédito generalizado a que o governo Bush estava submetido no final do seu mandato.
O governo norte-americano agora tenta apresentar a “participação privada” também como uma forma de atenuar o possível desgaste popular com novos pagamentos aos bancos e ao sistema financeiro, e um elemento capaz de amenizar os riscos de destinar bilhões para salvar ativos tóxicos, cujo volume e alcance são completamente desconhecidos. Mas é publicamente conhecido que o fundo do pacote Obama-Geithner é que garantirão o grosso de quaisquer perdas dos investidores privados que se arrisquem na empreitada, não alterando em nada a política de transferência do bolso do contribuinte para o mercado financeiro já desenhada anteriormente pelo governo Bush.
Assim, é do dinheiro público que virá 95% da garantia dos riscos e do custo de 1 trilhão de dólares que serão emitidos pelo Banco Central para salvar o sistema financeiro. Quando um investidor ou uma agência comprarem ativos tóxicos em leilões que serão promovidos pelo governo poderão fazê-lo com dinheiro obtido por um empréstimo subsidiado pelo governo para arcar com 90% do valor em que o ativo será arrematado. Para totalizar o restante o investidor com 5% do seu bolso e o governo com mais 5% proveniente do TARP (Programa de Ajuda a Ativos Problemáticos, por sua sigla em inglês, antigo projeto de Henry Paulson aprovado em outubro do ano passado e cujas verbas serão destinadas ao plano atual). Se o ativo continuar caindo, o investidor privado poderá simplesmente abandoná-lo a qualquer momento e sem quaisquer condições, e a perda fica contabilizada aos cofres estatais. Esta seria uma política para valorizar os ativos que atualmente estão no chão, mas não é preciso ser nenhum expert em economia para saber que isso é muito difícil de dar certo, pois a desvalorização dos ativos se deu justamente por todos saberem que grande parte deles não vale realmente nada.
O economista burguês Paul Krugman ressalta que “O elemento comum dos dois planos (De Henry Paulson e este) é a insistência em que os ativos ruins na verdade valem muito mais que qualquer um está disposto a pagar por eles. Então o plano é usar os fundos do contribuinte para empurrar os preços dos ativos ruins para cima, até níveis "justos". Mas o esquema oferece uma aposta de mão única: se o valor dos ativos subir, os investidores lucrarão, mas, se cair, os investidores poderão se livrar da dívida”. E completa: “Mas o verdadeiro problema desse plano é que ele não vai funcionar. Sim, os ativos problemáticos podem estar um pouco subvalorizados. Mas o fato é que os executivos financeiros literalmente apostaram seus bancos na ideia de que não havia uma bolha habitacional e que os níveis inéditos de endividamento familiar não eram um problema. Eles perderam essa aposta. E nenhuma quantia de magia financeira -pois é isso que representa o plano Geithner- vai mudar esse fato” [1].
Ou seja, esta é uma outra maneira de dizer que o problema não é de liquidez, mas justamente de que os bancos e o sistema financeiro de conjunto cresceram sobre bases fictícias, insustentáveis e mais importante, por ora irrecuperáveis da economia. Assim, o que temos diante de nós é mais um cassino através do qual se o plano falhar quem arca é o governo, e mais verdadeiramente a população norte-americana que segue tendo que enfrentar um índice de desemprego oficial já bate a casa dos 8,1%, e se contrariando as expectativas conseguir algum um resultado positivo, quem acumulará os lucros obtidos são os investidores privados e suas agências, pois revenderão os ativos adquiridos por muito mais que o 5% desembolsado por eles.
Por fim, para financiar esta política e tentar reavivar o sistema financeiro, o Banco Central dos EUA (FED por suas siglas em inglês) aprovou a impressão de US$ 1 trilhão. Isso pode levar a um efeito óbvio de aumentar as tendências ã inflação, apesar de no imediato primar a dinâmica deflacionária, aumentar o endividamento dos EUA e não aquecer a demanda já que grande parte deste capital pode terminar retido pelos bancos, aumentando os desequilíbrios econômicos em médio prazo. Do ponto de vista da posição dos EUA este efeito também pode se dar. Sobretudo em um momento no qual a China, outrora grande financiadora dos títulos norte-americanos, expressa cada vez mais temores da capacidade dos EUA em honrar suas dívidas, e já começa a defender que se façam reservas em uma nova divisa internacional que não o dólar, controlada pelo FMI, o que demonstra um crescente questionamento chinês em arcar com os desequilíbrios gerados pelo dólar internacionalmente.
Tensão política para Obama e milhões para executivos da AIG
“Emergiu nos EUA uma hostilidade explosiva ao setor financeiro. O Congresso debate taxar os bônus de executivos. E o procurador-geral de Nova York quer que sejam revelados os nomes. Isso equivale a um convite ao linchamento”. Com esta constatação desesperada Martin Wolf do Financial Times resume o clima que se apoderou dos EUA após o anúncio do pagamento de US$ 165 milhões em bônus a executivos da AIG. O pagamento, que se transformou num escândalo nacional, se deu semanas após Obama ter retrocedido em 04 de março de um projeto segundo o qual se determinaria a limitação obrigatória os salários dos altos executivos das entidades que receberam ajuda estatal. Dizendo acatar indicação do FED e do Departamento do Tesouro sob o argumento de que isso poderia “desestimular as instituições a buscar ajuda estatal” [2], Obama reviu a medida e suas declarações anteriores e não interveio nem no tema dos salários, nem dos bônus. Em seguida explodiu o escândalo da AIG, e o secretário do tesouro, Timothy Geithner estava novamente no olho do furacão. Alegando desconhecer o pagamento foi considerado incompetente, e no caso de que soubesse foi considerado cúmplice do enriquecimento dos executivos, sentido corretamente por um setor cada vez maior de norte-americanos como ilícito em meio a crise que impõe ás massas e ã classe trabalhadora norte-americana cada vez mais misérias.
Estes são alguns dos primeiros sinais de desgaste que o governo Obama pode ter, marcando a transição para um novo momento no qual este tenha mais dificuldades para seguir mantendo viva a lua de mel que imperou no cenário político norte-americano após as eleições. Somado ao plano de “revitalização” financeira custeada pelo estado, Obama pode passar a ser visto por mais setores não apenas como o primeiro presidente negro dos EUA e símbolo de “mudança”, mas como um presidente que protege os mais ricos dentre os ricos. Novamente Martin Wollf: “Se o esquema funcionar, alguns fundos terão retornos extraordinários. Temo que isso sirva para convencer muitos americanos de que o governo é uma quadrilha que opera a favor de Wall Street. Agora imaginem o que pode acontecer caso, após a conclusão dos "testes de estresse" dos grandes bancos, o governo decida -surpresa! surpresa!- que é preciso oferecer mais capital. Como convencer o Congresso a desembolsar os recursos necessários? A provisão de dinheiro público aos bancos é inaceitável para o público, e o controle pelo governo dos bancos é inaceitável para os banqueiros, que continuam influentes. Parecemos estar vivendo um impasse” [3].
É preciso que este impasse seja rompido pelos trabalhadores e pelas massas norte-americanas. Torna-se mais explícito que Obama garante os interesses da burguesia imperialista, independente das ilusões que outros planos mais neokeynesianos possam despertar. E que uma saída progressiva a esta crise só pode vir arrancando os lucros dos capitalistas de suas mãos, e não destinando as reservas públicas ás mãos destes, como Obama faz hoje.