Bolívia: Para derrotar a direita, mobilização nacional
É possível derrotar a ofensiva autonomista!
13/09/2008
As oligarquias da “meia lua” lançaram há um mês uma escalada de lockouts regionais, bloqueios e provocações sob o pretexto de “resistência civil”, “autonomia” e “recuperação do IDH”.
Nestes últimos dias esta ofensiva tomou proporções de uma onda utltra-reacioná ria estendida desde Pando até Tarija, com seu epicentro em Santa Cruz, em uma espécie de “auto-golpes regionais”orquestrad os por setores cívicos para impor seus desígnios e assegurar uma relação de forças mais favorável. A vanguarda desta ofensiva são os bandos fascistas e grupos de choque da União Juvenil Cruzenhista e seus similares em Tarija, Pando e etc. Estes grupos, uma matilha raivosa da reação, se nutrem dos jovens universitários filhos da oligarquia e dos bandos de lúmpens organizados e financiados pelos “cívicos”. Amparados na impunidade pelos empresários e autoridades locais tomaram dezenas de prédios do estado nacional, instalações hidrocarburíferas, meios de comunicação, agredindo selvagemente mulheres, indígenas, gente simples do povo ou dirigentes masistas.
O massacre de Cobija de 11 de setembro, no qual uma mobilização pacífica de camponeses e indígenas foi atacada a tiros por grupos de choque autonomistas com o saldo de pelo menos 8 mortos e 30 feridos, é o maior expoente dos métodos e objetivos da extrema direita.
Os objetivos da ofensiva “cívica”
Com estes métodos buscam bloquear o caminho ã tentativa governamental de destravar a aprovação da nova Constituição Política do Estado (CPE) com um chamado ás urnas em 25 de janeiro de 2009, iniciativa que o governo quer tratar e pactuar no Parlamento.
Como sabem que é difícil lhes impor seus objetivos em nível nacional - de fato não estão podendo passar dos limites da “meia lua”, a direita é débil no Ocidente e não parecem contar com suficiente apoio entre os militares - os autonomistas pretendem, como mínimo, dar um salto na imposição de “autonomias de fato”, cavando uma profunda trincheira em defesa de seus interesses e posições regionais, para o caso de não poder frear o projeto masista em nível nacional, e assegurar suas terras e privilégios.
Suas ações buscam também desarticular o aparato do estado nacional nas regiões, “capturando” oficinas nacionais e instituições como mostram a auto-nomeação como “governador” do prefeito Costas ou a tentativa de fazer designações ilegais de “autoridades” nas instituições nacionais tomadas e saqueadas.
E como mostram as ofensivas fascistas ao Plan 3000 [1] em Santa Cruz ao Mercado Camponês em Tarija ou o massacre de Pando, com o terror buscam atemorizar os setores populares que se resistem ás imposições oligárquicas ou simpatizam com o MAS para se assegurar o controle da “retaguarda departamental” , controle social e político que vem se deteriorando mas que se desesperam por reafirmar por qualquer meio.
Ainda que o governo tenha reiterado sua disposição a “compatibilizar” a nova constituição e os estatutos autonômicos que a direita quer impor, na raiz da fúria autonomista está temor de não poder impedir que a nova CPE fixe um limite ã propriedade privada da terra. Isto nem de longe liquida o latifúndio, mas afeta os interesses dos grandes clàs empresariais e latifundiários do Oriente, para os quais a livre e ilimitada posse de terras ás custas dos camponeses e dos povos originários e do direito ã super-exploraçã o, inclusive em condições semi-escravas da mão-de-obra são condição essencial de sua acumulação. E mais que o nome CPE o que temem mais é que as massas oprimidas e que nada possuem do oriente queiram tornar efetivas suas demandas de terra e território.
A política do MAS
O governo, que vem fazendo todo tipo de concessões e ofertas de diálogo ã direita, está obrigado a manter certa firmeza nesta ocasião, pois ceder ás exigências autonomistas equivaleria praticamente ã rendição incondicional, quando ao se ter legitimado com 67% dos votos em nível nacional no referendo de 10 de agosto, o mínimo que pode esperar é habilitar a consulta sobre a CPE.
Por isso endureceu seu discurso, denunciando como um “golpe cívico-prefeitural” ao movimento ratificou o “pessoal político” do gabinete (De la Quintana, Rada e outros), na recente mudança de ministros, apesar da campanha da oposição e dos meios, e expulsou o embaixador Goldberg em um ato elementar de salvaguarda da soberania nacional, ao evidenciar os laços e contatos deste com os prefeitos e cívicos autonomistas.
O governo tem apostado nas Forças Armadas e na Polícia Nacional para reter algo de controle sobre as regiões insubordinadas e conter os ataques ás instituições, ainda que como tem demonstrado os fatos, os uniformizados até agora sempre retrocedem frente ao ataque dos grupos fascistas ainda que tenham sido pouco numerosos. Em alguns lugares como Guayaramerin diferentemente deixaram via livre ã ocupação das oficinas nacionais.
Por trás disso, os mandos militares e o governo se ufanam de que tenham atuado até agora com “responsabilidade” e “inteligência” para “não cair nas provocações”. No fundo é uma política funcional a necessidade de não por a prova a coesão das instituições armadas num enfrentamento com as burguesias locais - que poderia levar a dividi-las dado os múltiplos laços da oficialidade com cívicos das regiões - e preservá-las como garantidoras da ordem burguesa e árbitros em última instância se a crise se revela incontrolável. As últimas declarações do comandante das Forças Armadas, General Trigo, anunciando que “não vamos tolerar mais a ação de grupos radicais e violentos que só estão levando ao enfrentamento entre os bolivianos” ao mesmo tempo que “ao senhor Presidente a Venezuela Hugo Chávez e a comunidade internacional, lhes dizemos que as forças armadas rechaçam enfaticamente intromissões externas de qualquer índole, venham de onde venham”, podem demonstrar que diante das dimensões da crise nacional as forças armadas começam a se posicionar mais abertamente nesse sentido.
De todas as formas, a atitude do governo de “serena firmeza” frente ã ofensiva autonomista encobre que a estratégia do MAS segue sendo a de conciliar com esses mesmos representantes dos empresários e latifundiários, aos quais chama de “golpistas e fascistas”. O objetivo do governo não é vencer a reação, mas convencê-la a voltar a mesa de negociações. Por isso, para além de algumas frases isoladas, Evo e seus colaboradores mais próximos querem evitar que o movimento de massas saia ás ruas ã enfrentar os autonomistas com seus próprios métodos. De fato, estão “deixando correr” algumas iniciativas que surgem desde baixo (como os bloqueios em San Juian, Yapacami e Cochabamba), mas não querem um ascenso dos movimentos sociais que dificulte sua estratégia conciliadora.
O movimento de massas começa a enfrentar os reacionários
Diante dos ataques fascistas e racistas setores mais organizados do movimento de massas no oriente, estão resistindo valentemente, como mostram os enfrentamentos em Santa Cruz ou na defesa do mercado camponês em Tarija. Os setores que estão na linha do fogo, como as organizações de colonizadores de San Julian e Yapacami também saíram a contra-atacar os cívicos crucenhos. No Chapari os cocaleiros iniciaram bloqueios.
Em La Paz e todo ocidente, cresce a inquietação entre os trabalhadores, camponeses e o povo. Os “ponchos rojos” de Omasuyos reiteraram sua disposição a se mobilizar. Em EL Alto centenas de jovens saíram para protestar contra o Banco Mercantil Santa Cruz e outras empresas privadas identificadas com a reação.
Lamentavelmente as direções se disciplinam a política do governo freando a disposição de luta que cresce nas bases, e até agora a principal medida que anunciaram é...uma marcha de Caracollo ã La Paz para semana que vem, uma pacífica demonstração quando na verdade o que é necessário é uma grande mobilização nacional com paralisações e bloqueios para cercar de solidariedade nossos irmãos do Plan 3000, Pando, Tarija, San Juian e etc e iniciar o contra-ataque até derrotar a reação autonomista. Entretanto, Pedro Montes e a cúpula da COB (Central Obrera Boliviana) estão cumprindo um papel vergonhoso, deixando o movimento operário completamente desarmado diante da crise, quando deveriam fazer uma convocatória urgente ã ação.
Só a força dos trabalhadores, camponeses, povos originários e os setores populares das cidades podem derrotar a reação autonomista e seus grupos fascistas!
Outra vez o diálogo?
Bastou que prefeito de Tarija, Mario Cossio, na manhã do dia 12 de setembro anunciasse a disposição dos prefeitos a dialogar para que o governo convidasse a reabrir negociações para o mesmo dia em La Paz.
Por trás desta enésima tentativa de diálogo está a forte opressão da “comunidade internacional” e dos setores da classe dominante que temem que a crise adquira dimensões incontroláveis.
O governo do Brasil já pressionou para enviar Marco Aurélio Garcia como possível mediador, preocupado pelo risco para o abastecimento de gás boliviano. O governo argentino e outros vizinhos estão fazendo gestos no mesmo sentido.
A ONU se “ofereceu” para facilitar o diálogo” com uma representante do organismo, atuando evidentemente por conta do imperialismo.
A Igreja, as instituições da “sociedade civil”, a imprensa, etc, somam sua voz ao coro que pede diálogo. E o governo se mostra como o mais disposto a sentar e negociar, entretanto, o que pode sair do diálogo? Enquanto insinuam voltar a negociar, os autonomistas seguem protagonizando ações e novas agressões. A única forma de chegar ao acordo com os cívicos seria aceitar suas exigências fundamentais e reconhecer o que avançaram nas “autonomias de fato” durante essas violentas semanas, mas isso só pode ser feito ã custa de sacrificar as mais elementares expectativas dos trabalhadores e do povo. Além do mais, o diálogo e o atual acordo com os prefeitos, longe de isolar a direita golpista como espera o MAS, só servirá para legalizar suas agressões, fazendo a direita redobrar suas forças e tornar a ofensiva mais encorajados. ..como aconteceu até agora nestes dois anos de tentativas de conciliação.
Há que passar ã ação! Mobilização nacional e autodefesa das massas!
Ainda que todos chamem ã calma e ao diálogo, a crise segue aberta e os autonomistas continuam avançando e agredindo em todo território da “meia lua”. Apoiamos a legítima autodefesa que começam a exercer setores populares em Santa Cruz, Tarija, etc. A ofensiva autonomista e o que vem acontecendo na “meia lua” colocaram na ordem do dia e como tarefa mais urgente a de colocar de pé em todas as organizações de massas, comitês de Autodefesa e centralizá-los em milícias operárias e camponesas em nível nacional. Distintas vozes começam a se levantar, inclusive em setores que apóiam o MAS, anunciando sua disposição de mobilizarem- se em direção ã Santa Cruz, ou pedindo a Evo que entregue armas. Ao invés de acreditar nos chamados oficiais em confiar nas Forças Armadas e na polícia para que detenha os grupos fascistas, tarefa que não podem e nem querem levar a cabo conseqüentemente, os movimentos sociais que querem defender o que consideram seu governo têm que exigir de Evo armas e treinamento eficaz e que se abram os quartéis para eles!
As organizações camponesas e indígenas, como as federações de cocaleiros de Yungas e o Chapare, as organizações do Bloco do Oriente, a CSUTCB, as juntas vicinais populares, etc junto ã COB e demais organizações operárias e populares têm que confiar só em suas forças e seus métodos de luta para enfrentar e derrotar a reação. Para isso lhes dizemos: não se subordinem ã política de desmobilização do governo, exijam que suas direções impulsionem a imediata mobilização nacional unitária, com paralisação do trabalho, bloqueio de estradas e concentrações populares em todo o país, para enfrentar e derrotar as oligarquias, acabando com o latifúndio, impondo a demanda de terra e território para nossos irmãos camponeses e indígenas e mobilizando os trabalhadores petroleiros, da agroindústria, etc, para que tomem em suas mãos as empresas dos burgueses e as coloquem a serviço dos trabalhadores e do povo como empresas nacionalizadas.
Se houvesse um claro chamado ã ação, centenas de milhares responderiam e se poderia bater a reação pró-imperialista. Há que por em pé uma grande frente-única de massas para a luta e a COB deve se pronunciar já e chamar a coordenar; este seria também o caminho para começar a preparar política e praticamente uma Assembléia Popular que concentre as forças operárias, camponesas, indígenas e populares na luta para derrotar a reação e impor as demandas operárias, camponesas, indígenas e populares.
Os trabalhadores e estudantes socialistas revolucionários que formamos a LOR-CI participaremos sem condições de toda ação progressiva para enfrentar a direita com os métodos da mobilização de massas. Nos colocamos a disposição da mais ampla unidade de ação compreendendo suas expectativas nas promessas do MAS, mas sem conceder o menor apoio político ao governo e mantendo todas as nossas críticas a sua ação ã serviço da colaboração de classes com a burguesia, que só tem servido e serve para encorajar a reação e postergar as reivindicações dos trabalhadores e do povo.
Reiteramos nosso chamado aos trabalhadores mineiros de Huanuni, ao magistério urbano de La Paz e a outros sindicatos combativos, ã juventude que quer enfrentar a direita, ã esquerda que se reclama operária e socialista, a impulsionar sem mais demora estas tarefas em fábricas, minas, bairros, comunidades e centros de estudo.
Bolívia, novamente na encruzilhada do tabuleiro sul-americano
A crise boliviana está novamente no primeiro plano dos meios internacionais e tem se convertido em um foco convulsivo de uma situação sul-americana que começa a se tornar mais tensa por “turbulências” econômicas e políticas e na qual a tentativa das classes dominantes de girar o cenário político mais ã direita, apoiando-se no desenvolvimento de “novas direitas” como o autonomismo, termina provocando mais instabilidade e polarização social e política.
Na situação boliviana joga seu papel um setor da ultra-direita norte-americana, que se vê em retirada com o fim da administração Bush, e apoiando ao movimento autonomista encontra uma forma de ter alguns êxitos na região, como mostrariam os encontros entre Costas e Goldberg, é um ato elementar de autodefesa por parte do governo e do governo venezuelano, que se solidarizou com a Bolívia, expulsando também o embaixador norte-americano em Caracas e retirando o seu de Washington até que haja uma nova administração na Casa Branca. Entretanto, o respaldo da OEA a Evo e a “preocupação” de Lula e outros vizinhos tentam conter a crise na Bolívia evitando maiores riscos para a ordem regional, onde até agora tem primado as políticas de contenção e mediação como remédio ante os processos mais convulsivos.
O desenlace dos atuais sucessos na Bolívia terá fortes repercussões em nível regional. De fato, a ofensiva autonomista e pró-imperialista no Oriente boliviano afeta os interesses mais elementares dos povos de toda região. A solidariedade continental com o povo boliviano e contra as ações da direita é urgente! Façamos um chamado aos trabalhadores e aos povos de toda América Latina e do mundo!
La Paz, 12 de setembro de 2008
LOR-CI
LIGA OBRERA REVOLUCIONARIA POR LA CUARTA INTERNACIONAL
NOTASADICIONALES
[1] Plan 3000 é um enorme assentamento de trabalhadores pobres aimaras e quechuas no meio de Santa Cruz. São os que mais resistem ã ofenisva da juventude cruzenhista e nos últimos días travaram um imenso combate.