América Latina
Em defesa das conquistas da revolução cubana
23/04/2010
A Revolução Cubana foi a primeira e até agora a única revolução socialista triunfante em nosso continente. A derrota da ditadura de Fulgêncio Batista, a expropriação da burguesia e dos latifundiários, foram um acontecimento extraordinário que inspirou uma geração de lutadores operários e populares a lutar contra o imperialismo e pela revolução social. Nós, da LER-QI, que internacionalmente somos parte da Fração Trotskista, defendemos Cuba incondicionalmente frente ao bloqueio imperialista e defendemos as conquistas da revolução. Porém, assinalamos com toda clareza nosso combate ao regime bonapartista do castrismo. Frente ã nova ofensiva imperialista sobre Cuba, e os avanços nas medidas restauracionistas da burocracia castrista, é preciso abrir o debate na esquerda sobre quais as tarefas que estão colocadas para os revolucionários latino-americanos. Esse debate, que já começou, mostra duas posições equivocadas. Uma que confunde a defesa das conquistas da revolução com a defesa da casta governante do PC, levantada pelas organizações stalinistas e populistas. A outra, que nega qualquer existência do menor traço de conquista da revolução a ser defendido. Esta última posição toma o regime bonapartista como eixo de sua política e afirma que o capitalismo em Cuba já teria sido restaurado. Nessa posição extrema se encontra a LIT (PSTU), que incrivelmente caracteriza Cuba como uma “ditadura capitalista”.
Cuba hoje
A revolução cubana de 1959 derrubou uma ditadura expulsando o capital estrangeiro e expropriando a burguesia, o que levou a um grande avanço social e instaurou o único estado soberano e independente do imperialismo. A expropriação da burguesia permitiu o que a própria imprensa burguesa teve que reconhecer: as grandes conquistas da revolução no terreno da saúde e da educação. Cuba erradicou o analfabetismo e praticamente a mortalidade infantil. Para se ter uma idéia, em 2007, a taxa de mortalidade em Cuba foi de 5,3 x mil, enquanto na Venezuela de Chávez foi de 22,02 x mil. A revolução deu um grande impulso ã saúde pública: em 1958, havia um médico para cada 1.100 habitantes; em 2007, era um médico para cada 159 pessoas que recebiam atenção personalizada. O índice de analfabetismo é o mais baixo de America Latina: 1,7%. Sendo que Cuba alcançou essas conquistas apesar do criminoso bloqueio econômico de 50 anos por parte dos EUA. Em 1992, diante da crise interna após o fim da URSS, foram anunciadas concessões ao capital com o “Plano do Período Especial” de abertura ás empresas mistas e aos investimentos estrangeiros. Boa parte da esquerda afirmou que Cuba já tinha voltado a ser um país capitalista. É verdade que a burocracia castrista avançou nas medidas restauracionistas. Porém, o processo de reversão econômico e social não é para nada comparável com o acontecido no Leste Europeu, na Rússia e até mesmo na China. Para os marxistas é chave definir com clareza quando uma série de mudanças quantitativas se transforma numa qualidade distinta. Por exemplo, não é um dado menor que a economia permaneça em grande parte como propriedade estatal, com 73,07% das empresas, somando entre elas cooperativas de trabalhadores e empresas diretamente estatais, onde se encontram 60,95% [1] dos trabalhadores.A taxa de desemprego foi por muito tempo apenas 1,5% e, mesmo hoje quando a ilha sofre com a crise capitalista, este índice é muito inferior ao dos EUA, que chega a 10%, ou 17% se consideramos os subempregados. Se já existem concessões do usufruto da terra, o que de fato favorece forças sociais pró-capitalistas, sua propriedade continua sendo estatal. Isso faz com que não exista uma burguesia latifundiária e direito ã herança. Isso mostra como o que resta das conquistas da revolução coloca a população cubana em melhores condições que muitos países capitalistas, e nem falar se comparamos com os vizinhos do Haiti ou de Honduras. São conquistas próprias de um estado operário deformado, por mais que esteja em avançada decomposição, mas que devem ser defendidas pelos revolucionários. Isto é o que a LIT não pode explicar, porque as concessões ao capital estrangeiro e a reintrodução de certas medidas de mercado ainda não mudaram as relações sociais nas quais se baseia essencialmente o Estado. Caracterizar Cuba como uma ‘ditadura capitalista’, como faz a LIT, é deixar de batalhar pela defesa das conquistas revolucionárias existentes. Nós, da LER-QI, defendemos para Cuba um programa que combina tarefas de revolução política, que derrube a burocracia castrista e instaure os organismos de autodeterminação das massas, e a restituição das conquistas sociais corroídas pela burocracia. Esta é a via de defender e ampliar as conquistas revolucionárias de 1959.
LIT: “liberdades democráticas, inclusive para burgueses”
A LIT coloca que: “Na época que era um Estado operário burocrático, já havia um intenso debate sobre Cuba na esquerda. (...) Naquele momento, não defendíamos as liberdades para os burgueses ou pequeno-burgueses que buscavam restaurar o capitalismo. Exigíamos democracia operária, mas não estávamos a favor de dar liberdades ás frações políticas que queriam o retorno do imperialismo ou conspiravam para derrubar o Estado operário, como os ‘gusanos’ de Miami. A realidade, porém, mudou: Cuba não é mais um Estado operário com um regime burocrático, mas um Estado capitalista governado por uma ditadura. Hoje, o centro de nosso programa de reivindicações para Cuba é de luta frontal contra a ditadura e pela defesa das mais amplas liberdades democráticas (sindicais, civis e políticas). (...) Frente ás ditaduras burguesas, lutamos pelas liberdades para diferentes setores sociais. Por exemplo, na Argentina, entre 1976 a 1982, ou Brasil, em 1964 a 1984, tinham setores burgueses opositores aos regimes ditatoriais. (...) Nessas situações, lutamos pelas mais amplas liberdades democráticas para todas as correntes opositoras, incluídas as burguesas, para permitir que o povo se organize e mobilize contra esses regimes”. Estas linhas são vergonhosas e contêm um sem número de inverdades, levando a uma política extremamente perigosa. Este programa que pretende restaurar uma “democraciaparlamentar” em Cuba significa conceder “liberdade” para as empresas capitalistas explorarem os trabalhadores e afogarem o povo cubano na mais profunda miséria. Significa conceder o direito de retorno da burguesia gusana exilada em Miami. Significa dar “liberdade política” para que esta burguesia exilada, serviçal do imperialismo, abra as portas do país para que Cuba se transforme em uma semicolônia dos EUA, que avançará sobre a ilha da maneira mais cruel; para que esta burguesia se organize para impedir qualquer protagonismo da classe trabalhadora e do povo cubano.Assim, ao pedirem “liberdade política inclusive para os opositores burgueses”, no afã de defender a democracia no regime, a LIT prova uma vez mais não entender como deve se dar o combate pelas demandas democráticas mais fundamentais: a independência nacional, econômica e política que esta ilha no Caribe conquistou em relação ao imperialismo norteamericano, questão que Obama busca por todas as vias reverter. O programa defendido pela LIT Obama poderia assinar sem problemas. Nessa política mora um perigo alarmante, pois estará a serviço, nas mãos da oposição burguesa, da destruição de tudo o que resta das conquistas da revolução, sendo um ataque ao povo cubano pelo imperialismo por meio de uma reação democrática burguesa.
Um programa revolucionário
Partamos de assinalar que, desde a revolução, Cuba se constituiu como uma sociedade em transição em que o capital local e estrangeiro foram expropriados e se nacionalizaram os principais meios de produção. Como explicava Trotsky para a URSS, estas sociedades de transição têm um caráter dual, combinando elementos que são a base para a transição ao socialismo e elementos que pressionam no sentido capitalista. Por isso, mesmo, em seu seio atuam permanentemente forças sociais que empurram ã restauração das relações capitalistas, entre eles a própria burocracia que, ao não ser uma “nova classe” social, tende a se transformar em burguesia, ou seja, proprietária dos médios de produção. No caso de Cuba, a direção guerrilheira de Fidel Castro instituiu um estado operário que ao não estar baseado nos organismos de autodeterminação dos trabalhadores assumiu um caráter deformado, concretizado no regime bonapartista que segue existindo e que está decompondo as conquistas da revolução. Nossa política parte do reconhecimento desta contradição para defender um programa que ao mesmo tempo em que defende as conquistas da revolução, luta para acabar com os privilégios da burocracia castrista. A defesa de Cuba não pode ficar nas mãos das correntes stalinistas que defendem a burocracia castrista que levará ã restauração. Mas tampouco é uma alternativa revolucionária o programa dos trotskistas que defendem a democracia em geral. Pelo contrario, contra a estratégia da “revolução democrática” (da LIT), colocamos a necessidade de um programa que comece pela luta contra o imperialismo e seu bloqueio ã Ilha, que contenha a defesa da propriedade nacionalizada e as conquistas que ainda se mantém da revolução. Defendemos as liberdades democráticas que signifiquem liberdade de organização dos trabalhadores,e a legalização dos partidos que defendam as conquistas da revolução. Junto a um programa que responda aos problemas concretos para as massas cubanas, defendendo a constituição de conselhos operários de produtores e consumidores que dirijam a planificação da economia, a manutenção da propriedade estatal, a restauração do monopólio do comércio exterior pelo Estado, pela reversão da Política de Plano Especial. Isso não pode se dar por fora de um combate da classe trabalhadora e do povo cubano para acabar com os privilégios da burocracia castrista, para reverter sua política. Os trabalhadores e o povo cubano necessitam se unir aos seus irmãos latinoamericanos e aos trabalhadores norte-americanos. Mas, para todas essas tarefas é fundamental colocar de pé em Cuba um partido revolucionário quartainternacionalista que seja uma alternativa a todas as variantes populistas, nacionalistas ou centristas, que só podem levar ã derrota. Desde a LER-QI consideramos uma tarefa fundamental dos revolucionários latino-americanos a defesa das conquistas da única revolução social triunfante, e neste Primeiro de Maio lançaremos uma campanha ativa internacionalista.
NOTASADICIONALES
[1] Dados retirados do Anuário Estatístico de Cuba, 2008. ONE