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Declaração da JIR (Venezuela)

Frente ao discurso de Chávez na Assembléia Geral da ONU

07/10/2005 Quarta-feira, 21 de setembro de 2005.

Frente ao discurso de Chávez na Assembléia Geral da ONU

Declaração da JIR (Venezuela)

Como era de esperar o discurso pronunciado por Chávez ante a sexagésima Assembléia Geral da ONU suscitou muita simpatia entre os trabalhadores e setores de massas, simpatia acordada por aqueles que derrotaram uma e outra vez com a mobilização os planos da burguesia opositora e do imperialismo. Obviamente, o mínimo que poderia sentir alguém que se diga antiimperialista é um sentimento de solidariedade ante as denúncias feitas. Chávez denunciou o golpe de abril e a greve-sabotagem patronal e petroleira como “faturados” em Washington, bem como a invasão ao Iraque e a atitude criminosa do governo de Bush em relação ao Katrina. Estas denúncias não são novas, mas quiçá tê-las feito no próprio território dos Estados Unidos, é o que fez que se percebam como parte de uma atitude decidida e valente.

Também afirmou Chávez que a atual ONU “não serve”, declarando “nulo e ilegal” o documento aprovado nessa Assembléia, que são afirmações que procuram deslegitimar o atual modo de funcionamento da ONU, servil aos ditames de Washington. No entanto, é necessário ver os conteúdos e alcances reais da retórica feita por Chávez.

Uma das primeiras coisas que devemos ter em conta é que as propostas de Chávez são tão resaltantes frente ao alto grau do servilismo e da submissão dos governos dos países semicoloniais da região, iincluindo os que se dizem “progressistas”, como Lula, Kirchner e Tabaré, e não por algum conteúdo revolucionário. Podemos lembrar outros casos de intervenções mais contundentes na ONU, em outros tempos, como as de Ernesto “Che” Guevara ou Fidel Castro nos primórdios da revolução.

Passando agora ao conteúdo de fato, insistimos de que devemos analisar com cabeça fria as propostas, ainda mais quando a política internacional não está separada da nacional, senão que é a continuação da mesma. Chávez disse que “as Nações Unidas esgotaram seu modelo, e não se trata simplesmente de proceder a uma reforma, o século XXI necessita de mudanças profundas que só são possíveis com uma refundação desta organização (...) A gravidade dos problemas convoca transformações profundas, as meras reformas não bastam para recuperar o que esperam os povos do mundo...”.

Claro que não se trata de reformas. Mas as “mudanças profundas” das quias nos fala Chávez, são propostas precisamente de reformas, demasiadamente limitadas, e não apontam a mudanças transcendentais. Desde o mesmo momento em que afirma que o objetivo é “refundar” a ONU, se mostra o caráter limitado de sua proposta. As quatro propostas para isto foram: “a expansão do Conselho de Segurança tanto em suas categorias como nas não permanentes, dando entrada a novos países desenvolvidos e a países em desenvolvimento como membros permanentes; a melhora dos métodos de trabalho...; a supressão imediata do veto nas decisões do Conselho de Segurança; o fortalecimento do papel do Secretário Geral...”.

Deixando a um lado o da melhora “dos métodos de trabalho”, que é o menos transcendente, podemos fazer-nos algumas perguntas. No que se beneficiam as massas trabalhadoras com mais países “desenvolvidos” no Conselho de Segurança? Talvez algum governo dos países capitalistas avançados tem algum interesse comum com seus próprios trabalhadores ou com os do resto do mundo? A incorporação de países “em desenvolvimento” também não leva a mudar-lhe o caráter reacionário e imperialista ao Conselho de Segurança. Ou talvez há algum governo dos países capitalistas semicoloniais que não aplique os planos imperialistas ás maiorias trabalhadoras e pobres?

Especificamente, tanto Índia como Brasil vêm reivindiando estes postos. Mas é justamente o governo capitalista de Lula um dos que mais aplica na América-latina os planos de fome e miséria contra os trabalhadores, governando com a burguesia brasileira, uma das mais exploradoras da região. É também o governo do Brasil quem tem tropas no Haiti, encabeçando as tropas latino-americanas, junto ás chilenas e argentinas, que legitimam e fazem parte da intervenção imperialista.

O que tem de revolucionário propor o fortalecimento do Secretário Geral? Fortalecer o papel de um sujeito eleito pelos governos burgueses do mundo, já é por si mesmo uma proposta nada revolucionária. Mas além disso, precisamente o atual Secretário Geral, Kofi Annan, é uma peça do imperialismo, que mal critica um ou outro aspecto parcial da política de Bush, sem opor-se determinadamente, como não pode ser de outra forma. Não deixemos de recordar que seu filho apareceu imerso em corrupção no programa “Petróleo por Alimentos para Iraque” da ONU.

Não foram com a aprovação do Conselho de Segurança e do Secretário Geral como se decidiram as invasões imperialistas a Iugoslávia e Afeganistão? Talvez não aprovaram estas duas instâncias, com a cumplicidade dos governos servis da região, a ocupação imperialista em Haiti?

Finalmente, a reivindicação que vêm fazendo muitos países capitalistas desenvolvidos que ficaram fora da partilha mundial depois da segunda guerra, e governos dos países semicoloniais, de eliminar o direito de veto, não implica nenhuma mudança real na situação da luta pela libertação nacional dos povos e da luta das massas trabalhadoras por sua emancipação. O imperialismo estadunidense não precisou seu direito a veto ou da aprovação do Conselho de Segurança para invadir a Iraque. Nenhum dos demais membros do Conselho de Segurança se opôs seriamente ã invasão.

Talvez se se amplie o Conselho de Segurança para outros governos capitalistas desenvolvidos e semicoloniais, e se elimina o direito a veto, teremos sim uma ONU ao serviço dos povos do mundo? Talvez isso evitará uma invasão imperialista como a do Iraque? Se nem sequer se opuseram seriamente aos governos imperialistas da França e da Alemanha, que podemos esperar dos governantes das semicolonias, sempre submissos ao imperialismo e que são incapazes sequer de a dar um discurso similar ao de Chávez.

Não se trata de “refundar” a ONU, senão de acabar com ela. A ONU é uma das instituições mais reacionárias que existe, é o organismo supranacional da qual se dotaram as burguesias mais fortes do mundo para levar adiante sua partilha e dominação internacional. É, como disse Lenin a respeito de sua predecessora, Liga das Nações, “uma gruta de bandidos”. É ali que se planejam as “missões de paz” com seus capacetes azuis para “estabilizar” e “pacificar” situações de “desordem” em alguma região ou país e todos os planos de intervenção imperialista. Ainda quando a política guerrerista e unilateral de Bush, tenha decidido prescindir da aprovação ou não desta instituição para sua invasão Iraque, não muda o caráter imperialista da mesma.

É evidente que as propostas de Chávez não implicam em nenhuma mudança transcendental na maneira de levar a política internacional, insistimos, desde o mesmo momento em que propõe “refundar” essa instituição. Mas isso não é nada novo nem ocasional. Já nos dias prévios ã invasão ianque ao Iraque, Chávez, assim como Lula, somava-se ã política de Chirac e Schröeder de exigir que a decisão passasse pela ONU.

E nós questionávamos naquele tempo, se por acaso a ONU aprova as bombas cairão menos forte, as balas matarão menos, não será também uma invasão imperialista? É que Chávez repetiu várias vezes, e o retomou nas últimas semanas, que desejaria que as relações com os EUA fossem com eram nos tempos de Clinton. Mas foi justamente sob o governo de Clinton que se deu a invasão a Iugoslávia em conjunto com as potências imperialistas da Europa. Ainda que se elimine o direito a veto, ou que se ampliem os membros do Conselho de Segurança, isso não mudará o caráter reacionário e imperialista dessa instituição.

Vê-se como a política do governo, não é antiimperialista em geral, já que não questiona ás potências imperialistas da Europa, tão predatórias e intervencionistas, como se demonstra atualmente no Afeganistão, no Haiti e nos territórios da ex Iugoslávia, só para mencionar alguns pontos do planeta mais conhecidos. Mas também não é contra todo o imperialismo norte-americano em seu conjunto pois este anti-imperialismo se limita ao antibushismo. Isto não só pelos compromissos com suas companhias petroleiras, senão porque além disso faz questão de ter “boas relações” com os governantes “democratas” como Clinton ou Kerry (com quem flertou antes das eleições nos EUA) que em nada mudam o caráter imperialista e de rapina dos capitalistas ianques.

Além destes aspectos Chávez propôs “retomar” o exposto na proposta aprovada na Assembléia Geral da ONU de 14 de dezembro de 1974, referida a uma Nova Ordem Econômica Internacional, que propunha o “direito dos Estados a nacionalizar as propriedades e recursos naturais que se encontrassem em mãos estrangeiras”, bem como um ordem mundial baseado na cooperação “entre todos os Estados quaisquer que sejam seus sistemas econômicos e sociais”.

Num mundo onde há uma desigualdade real entre países imperialistas que dominam a economia e a política mundial e países semicoloniais oprimidos, não pode ter nenhuma "igualdade de nações" como formalmente declara a ONU e que propõe Chávez. Sem negar a importância que tem a nacionalização, devemos dizer que isto entra claramente dentro de uma lógica do capitalismo das camarilhas capitalistas nacionais em conluio com as multinacionais, e não dos trabalhadores. Obrigando ao mesmo tempo a indenizar em caso de provável nacionalização, sob pena de intervenção imperialista se não se faz o ressarcimento. Assim, o funcionamento segue sendo ã serviço de economias capitalistas. Por isso, a chave é a luta conseqüente contra a ordem imperialista mundial.

Por tudo isto, ainda quando esse tipo de discurso faça com que os trabalhadores e setores populares que apóiam a Chávez se emocionem e se animem contra o imperialismo, devemos ver com sobriedade as coisas. Como dissemos, esta política reformista para a ONU, que não muda em nada seu caráter capitalista e imperialista, é a continuação de sua política nacional.

Em muitos discursos referindo-se a questões nacionais, Chávez também falou “forte” produzindo muitas emoções entre os trabalhadores, mas toda essa emoção, toda essa energia do povo trabalhador, é desviada por Chávez em seu projeto reformista para o país, em seu programa de conciliação de classes. Toda a retórica está em função de uma política concreta, que nada mais é do que preservar as propriedades da burguesia, fazer negócios e acordos com esta, dar-lhe créditos aos desempregados para que conformem cooperativas e microempresas, e aplicar planos de assistência social, isto é, nenhuma mudança revolucionária nas relações de propriedade nem na distribuição das riquezas.

Bem como a situação das massas trabalhadoras venezuelanas exige medidas realmente revolucionárias, também as demandam as relações internacionais. Em nosso país só uma revolução social, isto é, uma revolução operária e popular que desaproprie a burguesia e expulse o imperialismo, que socialize os meios de produção e mudança, para que as maiorias trabalhadoras sejamos quem planifiquemos a economia, pode marcar uma mudança de rumo em nossas vidas, em caminho à libertação do jugo imperialista e a nossa emancipação da exploração capitalista.

Esta é a única maneira de acabar com instituições reacionárias como a ONU, instaurando governos operários, camponeses e do povo pobre, que, como continuação dessa política “nacional”, tenham como “política internacional” a revolução socialista internacional, para ir confluindo em federações de governos revolucionários. Só por essa via é possível a criação de uma “nova ordem econômica internacional”, baseada num planejamento econômico e racional de acordo com as necessidades das maiorias, numa sociedade organizada pelos próprios produtores diretos, os trabalhadores. Décadas de governos e propostas reformistas em nível internacional e de cada um dos países, demonstraram que não alteram em nada o fundo das relações de dominação mundial e de classe.

Caracas, 19 de setembro de 2005
Juventude de Esquerda Revolucionária (JIR) (Fração Trotskista - Quarta Internacional)

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