Polêmica com o PSTU
Não é possível uma polícia democrática
06/12/2010
Durante os últimos anos nossa Liga tem debatido e combatido a teoria, o programa e os métodos do PSTU a respeito da polícia e dos órgãos repressivos. Esse não é um debate sem importância, principalmente quando vivemos diante da degradação das democracias burguesas, avanço de medidas bonapartistas, incremento da repressão e dos órgãos de controle e coerção social.
É verdade que cada vez mais, diante da falta de perspectiva de emprego e mobilidade social, jovens procuram a polícia como emprego estável. Porém, esse elemento social concreto não altera o conteúdo do aparelho repressivo. Os órgãos policiais, de repressão e coerção não são organismos independentes ou neutros, não atuam por fora do Estado e do regime burguês. As leis, os regulamentos e as ações desses órgãos estão determinados pelo ordenamento estatal. Como o Estado é um comitê executivo para aplicar e defender os negócios e interesses dos capitalistas (classe dominante) – o PSTU também concorda conosco nisso – não pode haver polícia, exército, justiça ou burocracia estatal que não esteja subjugado aos interesses dominantes. No entanto, seu programa é de reforma do aparelho armado do Estado.
A tentativa de dar sustentação teórica a uma proposta de reforma da polícia
Nos últimos meses o PSTU tem mostrado uma nova formulação teórica sobre a questão da polícia. Agora até fala em “dissolução da polícia”, como sempre nós vínhamos defendendo. Quando este partido prega a dissolução da polícia é para reformar a polícia.
O programa “radical” do PSTU defende a necessidade de “acabar com as polícias atuais, investigar e prender toda sua banda podre, e criar outra. A nova polícia teria que se organizar de forma radicalmente diferente da atual. Deve desaparecer a diferença entre polícia civil e militar, que não serve de nada, e assegurar todas as liberdades sindicais e políticas a seus participantes [...] seus comandantes ou delegados sejam eleitos pela população da região onde atuam. Ao contrário dos que se escandalizem com a proposta, a eleição de delegados locais é realizada em muitos países, inclusive nos EUA. É uma forma democrática de comprometer esses comandantes com a população local.”
O PSTU tenta encontrar uma solução teórica e programática baseada na tradição revolucionária . É uma sofisticação, por certo, mas não resolve o problema porque pretende aplicar ao Brasil, numa situação não revolucionária, sem luta de classes, com as massas confiando nos governantes e no reformismo social, um programa que foi utilizado para uma situação de revolução e contra-revolução, uma luta de classes aberta, como na Comuna de Paris (1871). Como lição da Comuna vimos que a polícia foi dissolvida e a população se apossou das armas, e os comandantes e oficiais passaram a ser eleitos pela massa armada (não por “eleitores” pacíficos indo ás urnas). A Comuna era um processo revolucionário, de duplo poder, onde as massas se insurgiram e se armaram contra o Estado, e como a polícia existente era constituída de camponeses e operários mas tinha em seus comandos contra-revolucionários serviçais do Estado, a elegibilidade total dos cargos de mando estava ajustada ã estratégia de armamento do proletariado e dissolução do aparelho repressivo estatal. Nada a ver com a realidade brasileira (ou mundial) pois as massas nem estão em luta aberta contra o poder burguês nem armadas. Ao contrário, há relativo apoio popular para as polícias e forças armadas.
A estratégia dos marxistas revolucionários, extraída da Comuna, não é a reforma e democratização da polícia, mas a sua dissolução e constituição de um novo poder armado das massas. A eleição dos comandantes não era uma formalidade para “limpar” a polícia dos “maus” policiais . O que o PSTU propõe é exatamente isso: dissolver “essa” polícia corrupta e violenta para criar uma “nova”. E usa como modelo dessa nova polícia reformada e democratizada a racista e reacionária polícia dos Estados Unidos . Se hoje houvesse eleição para a polícia resultaria em mais poder e autoridade aos policiais e comandantes que pregam linha dura, tolerância zero e todo tipo de medidas autoritárias.
Em meio a um clima de criminalização da pobreza e dos que lutam, a direção do PSTU busca uma proposta não reacionária para o problema da violência urbana e da polícia mas termina apresentando uma quimera, um sonho, uma utopia irrealizável porque a realidade, infelizmente, não combina com os desejos deste partido.
A insegurança leva a criar “fantasmas” e “monstros”. O que se costuma chamar de marginal e bandido tem sido a bola da vez quando se pensa em violência urbana. Esses seriam os principais culpados pela situação. Não há policiais, políticos, empresários, doleiros, receptadores e governantes por trás do tráfico, do contrabando de armas, da pirataria, do roubo de carros e joalherias. Os barões do crime seguem impunes. Prisão, violência e morte só para os “bandidos”, os que se pode ver nas favelas, morros e ruas.
A direção do PSTU, ao se deixar contaminar com este clima de criminalização e “marginalidade”, acaba tratando a correta proposta radical de direito ã autodefesa para a população como uma solução “contra os bandidos”. Não fala nada sobre a necessária autodefesa diante da violência policial, dos grupos que propõem acabar com as greves e os sindicatos e daqueles que atacam mulheres, homossexuais e nordestinos. Apesar de que hoje o direito ã autodefesa ainda seja uma proposta a ser divulgada e explicada pacientemente (propaganda), trata-se de ligar os comitês de autodefesa aos sindicatos e organizações de luta dos trabalhadores, para que sejam expressão organizada e centralizada da classe trabalhadora tomando a questão da defesa de suas organizações e das massas em suas mãos. Isso exige que os trabalhadores e as massas deixem de confiar na polícia, de vê-la como “trabalhadores”. Os trabalhadores não chegarão a essa conclusão sozinhos, os revolucionários cumprem grande papel nisso. Porém, o PSTU, em seus sindicatos e na CSP-Conlutas, continua defendendo a polícia, inclusive aceitando a filiação das associações policiais na central sindical. Ou seja, o PSTU trabalha contra a possibilidade de que os trabalhadores aprendam a enxergar o verdadeiro papel da polícia, premissa para concluir pela autodefesa independente.
Lutar contra o capitalismo e defender as liberdades, os direitos humanos, democráticos e civis
Corretamente o PSTU afirma que a violência urbana e a repressão estatal são produto da existência do capitalismo, um sistema de exploração das massas e apropriação dos lucros e benefícios do trabalho por uma minoria cada vez mais parasitária que para se manter dominando necessita corromper todas as instituições e incrementar os operativos de coerção e repressão social, montando uma espécie de biombo para que as massas superexploradas e oprimidas não se rebelem diante da opulência dos ricos e a miséria do povo. Lutamos contra o capitalismo, suas mazelas e falsas ilusões, explicando para as massas que não há saída progressiva sem derrubar esse sistema e seu aparelho estatal, sem avançar para tomar o poder político.
Apesar disso, não concordamos com o PSTU que coloca em plano secundário a defesa das liberdades e direitos democráticos, incluindo os direitos humanos. Este partido critica os reformistas porque “não propõem uma mudança global na política econômica, tampouco do Estado. Por isso ficam na defensiva em uma discussão programática em relação ã violência. No máximo esboçam uma política de direitos humanos (contra a selvageria da polícia na repressão) que, apesar de sua importância, não acaba com a origem do problema.” Esta posição, além de embelezar os reformistas porque nem isto fazem de fato, mostra como, ao contrário de Lênin, o PSTU dá pouca importância as questões de direitos humanos. O revolucionário russo dizia que o proletariado deve carregar ã frente a bandeira dos direitos democráticos de toda a sociedade e não apenas as bandeiras operárias e socialistas, porque a burguesia não mais pode suprir essas necessidades progressivas e está nas mãos do proletariado consciente e organizado em partido revolucionário constituir a democracia mais ampla e generosa, uma democracia de massas.
Para o PSTU as questões democráticas, como os direitos humanos dos presos (mesmo que sejam os “bandidos”). são secundárias ou de menor importância. Para os revolucionários não é de menor importância estar ã frente da defesa dos direitos humanos, civis e democráticos, pois esta batalha é central e estratégica para desmascarar a democracia dos ricos e ajudar as massas a avançar em sua consciência de que os males do capitalismo não encontrarão cura dizimando as vítimas desse sistema, ou numa luta de pobres contra pobres. Os políticos, juízes, governantes, policiais e empresários criminosos e corruptos tem garantidos todos os direitos democráticos, civis e humanos. Aos considerados “bandidos” tudo é negado e está autorizado eliminá-los. Esta é a realidade concreta. E os revolucionários não podem se deixar contaminar por ela. O inimigo principal é a burguesia, seu Estado e suas instituições.
O PSTU, que se vangloria de ser um partido “que fala para as massas” e que dirige sindicatos e está em importantes organizações, mostra na prática como não tem as questões democráticas como eixo estratégico do combate anticapitalista. Se não fosse assim, este partido já teria criado (ou proposto) um grande organização de direitos humanos que dispusesse advogados, assistentes sociais, psicólogos, sociólogos e outros especialistas para denunciar a violência policial, as perseguições homofóbicas, machistas, racistas e xenófobas, a criminalização dos lutadores sociais e sindicais, militantes de esquerda, jovens, negros e negras que não encontram amparo na esquerda. O exemplo dos companheiros do PTS da Argentina, que estão ã frente do Ceprodh em aliança com forças de outros partidos, organizações e independentes, comprova que a esquerda tem um papel de primeira ordem na defesa dos direitos democráticos, civis e humanos, ao lado da classe trabalhadora e do povo pobre, suas organizações e lutas.