Paquistao
O assassinato de Benazir Bhutto debilita um aliado chave dos EEUU
11/01/2008
A notícia do assassinato de Benazir Bhutto no dia 27 de dezembro se difundiu como um barril de pólvora pelo país, quase mais rapidamente que os primeiros comunicados das agências de imprensa internacional. Quando souberam dos disparos mortais contra a ex Premiê e lider do Partido do Povo Paquistanês (PPP), favorita dos eleições que iriam ocorrer no dia 8 de janeiro, os principais jornais do mundo destacaram a dor vivida pela desaparição da que, apesar de seus dois desastrosos mandatos, continuava representando para dezenas de milhões de trabalhadores e camponeses pobres, a seu pai, Zulfikar Ali Bhutto, presidente populista de esquerda entre 1971 e 1977 que terminou derrubado por um golpe de Estado militar direitista e dois anos mais tarde enforcado pelo general Zia Al Huq. Além dos quatro dias de enfrentamentos em bairros operários e aldeias com as forças repressivas da ditadura, um profundo mal estar se apoderava também das chancelarias ocidentais, porém por outros motivos. A Secretaria de Estado norte-americano não reagiu imediatamente com um comunicado, como de costume. Na realidade, com o assassinato de Bhutto desaparecia a melhor carta do imperialismo, ou pra dizer com as palavras do The Economist, se destruia o plano promovido por Londres e principalmente por Washington de organizar eleições em janeiro nas quais o PPP havia conseguido um importante resultado, outorgando-lhe o posto de Premiê a Bhutto, dando-lhe “um rosto democrático ã ditadura militar” de Musharraf (The Economist, 5-11/01/08).
Um regime em dificuldades
Custava cada vez mais a Musharraf gestionar a situação política e social do país. Por mais que o general-presidente, que chegou ao poder em 1999 com um golpe de Estado apoiado pelo imperialismo, tenha endurecido o regime, a situação parecia estar escapando-lhe das mãos. Considerando a proximidade geográfica do país com o Afeganistão, um dos eixos da guerra global e permanente da Casa Branca, se entende melhor porque os diplomatas ocidentais se empenharam tanto em organizar um pacto em torno das eleições de janeiro entre as Forças Armadas de Musharraf e o PPP de Bhutto.
Desde um ponto de vista econômico, é preciso reconhecer que Musharraf soube levar a cabo uma importante agenda de liberalizações e privatizações com o consenso da cúpula das Forças Armadas que controlam setores chave da economia. Estas reformas combinadas com a bonança econômica que representa para o país a guerra no Afeganistão, em termos de impacto comercial e fluxos de dinheiro ianque destinado ã “luta contra o terror”, levaram o país a conhecer uma taxa de crescimento extraordinária... para os capitalistas. Enquanto isso, uma fração cada vez mais importante do país caía na miséria enquanto via com grande hostilidade a guerra e a ocupação imperialista do vizinho Afeganistão, uma guerra que logo teria repercussões no país e não somente nas zonas tribais fronteiriças nas quais intervém, apesar de Musharraf negar, comando especiais estrangeiros.
Apesar dos massivos investimentos norte-americanos para fins de ajudar militar [1], o exército paquistanês não pôde ou não quis derrotar uma fração jihadista do islamismo político que ameaça a estabilidade do país. É que para setores do exército, o verdadeiro poder no Paquistão, muitos destes militantes islà¢micos são um capital para a política exterior do regime, não somente no Afeganistão onde já no passado ajudaram a orquestrar o regime talibã, mas também em Cachemira, região pertencente ã Índia porém disputada entre ambos países e que produziu no passado várias guerras. Neste marco, apesar do país não conhecer nenhuma mobilização operária ou camponesa de grande magnitude, um enorme descontentamento é perceptível entre a população. Esse ódio social se expressou em lutas parciais durante 2006 e 2007, porém principalmente através da mobilização nacional dos advogados que atuou como uma caixa de ressonância das contradições sociais e políticas do país, contra o autoritarismo do regime. Diante da perda desta base social progressista, o regime, pressionado pelo imperialismo e para aliar-se com a oposição burguesa, realizou um duro massacre dos militantes islamistas, com quem o regime ameaça permanentemente romper todo vínculo. Ultimamente, no Noroeste, jihadistas se apoderaram de todo o vale do Swat, sem que o exército pudesse contra-atacar.
O assassinato de Bhutto agrava a crise do regime
Neste contexto Bhutto parecia ser a opção mais acertada para assegurar um mínimo de estabilidade ao país e sustentar a fortemente debilitada ditadura de Musharraf. Este ficava com a presidência, entregando seu posto de chefe das Forças Armadas, enquanto que Bhutto e o PPP (no marco de uma coalizão de governo, no caso de não conseguir a maioria absoluta nas eleições previstas originalmente para janeiro) aportavam garantias sociais e políticas para evitar que a profunda crise do país desembocasse num caos aberto.
É certo que não se podia comparar o prestígio de Bhutto em 2008 com a popularidade que gozava quando chegou ao poder pela primeira vez em 1988. Acusações de corrupção, uma gestão econômica desastrosa para as massas, a implementação de medidas neoliberais durante seus dois mandatos haviam carcomido seu crédito político. Entretanto, Bhutto parecia ser a única líder de alcance nacional pelo único partido de base social nacional, o PPP, capaz de evitar um possível cenário catastrófico com importantes repercussões não somente para a região mas para a mesma estratégia dos Estados Unidos na zona.
Desde um ponto de vista militar, Bhutto assegurava poder levar adiante uma depuração dos elementos mais descontrolados das Forças Armadas, relançar a impopular ofensiva contra o terrorismo nas zonas fronteiriças, permitindo inclusive as forças estrangeiras intervir diretamente no território nacional. Desde um ponto de vista político e social, sob um discurso vagamente democrático (que nem sequer questionava a ditadura militar) e promessas de mudança, Bhutto ã cabeça de um governo do PPP representava um dique de contenção, contra as tensões sociais do campo e das cidades, como canalização das reivindicações democráticas das massas e da classe média, tanto como um símbolo de unidade diante das tendências centrífugas das quatro provincias paquistanesas.
Não somente com sua morte aquele programa de pacto com a ditadura vai por ares mas também deixa as claras que o principal aliado de Washington na região não controla um setor importante de uma das chaves da ofensiva guerreirista imperialista para a zona: as Forças Armadas e os serviços de inteligência paquistanês. Por mais que o negue Musharraf, já que seria um reconhecimento de seu próprio fracasso, está mais que claro que o atentado contra Bhutto, como o atentado de Karachi de outubro passado ao regresso da ex Premiê depois de um exílio duradouro, levam a marca dos serviços de inteligência. Formados pela CIA contra o regime pró soviético de Kabul no final dos anos 1970, o contexto atual de crise de hegemonia norte-americana e de tensões internacionais deixa uma margem de manobra enorme a todo um setor militar que se foi separando de Musharraf, o chantagea e trata de atuar em função de seus próprios interesses (controle de boa parte do aparato econômico, privilégios, etc.) de se alinhar-se sistematicamente com a política externa da Casa Branca.
Uma situação muito complicada para os EUA
A situação é muito complicada para Musharraf e seu amo da Casa Branca. Um triunfo contundente do PPP nas eleições postergadas para fevereiro, inesperadamente dinamizado pela onda de fervor pró-bhuttista, ou uma nova maioria em coalizão com a Liga Muçulmana do ex Premiê Nawaz Sharif, podem significar um perigo de morte para sua já débil presidência. Pior ainda, se este tenta, como faz há alguns meses, recorrer ao estado de sítio e burlar o resultador das urnas, esta provocação poderia desatar uma enorme mobilização de massas contra a ditadura.
Porém ainda uma cohabitação pacífica entre Musharraf e o PPP não resolve os problemas de fundo para a burguesia paquistanesa e seus mandantes imperialistas. Ninguém parece capaz de encarnar uma liderança social e politíca semelhante a de Benazir Bhutto, nem seu velho opositor e hoje em dia potencial aliado do PPP Nawaz Sharrif, menos ainda seu viúvo, o impopular Asif Zardari, enquanto que na cúpula do PPP os velhos caciques tratam de aproveitar-se simbolicamente dos restos mortais da filha de Zulfikar Ali Bhutto para reivindicar sua liderança no interior do partido.
Somente a classe trabalhadora pode dar uma saída progressiva Ao difundir-se a notícia da morte de Bhutto, depois dos primeiros instantes de profundo espanto, o povo paquistanês, os trabalhadores das principais concentrações urbanas do país, saíram ás ruas para manifestar seu ódio á ditadura. Expressaram sua raiva social e política assaltando as prisões e libertando os presos, queimando bancos, postos eleitorais e estações de trem. Durante quatro dias, apesar das ordens dadas por Musharraf de “disparar para matar” contra qualquer manifestante ou suspeito, se enfrentaram com as forças de repressão.
Em nenhum momento a direção do PPP, que segue gozando de certa popularidade e tem um papel chave na direção dos principais sindicatos, nem tampouco as direções gremiais chamaram a organizar nacionalmente uma greve geral contra Musharraf, as forças de segurança responsáveis pela morte de Bhutto e derrubar o apodrecido regime paquistanês. A única saída progressiva para o país depende da capacidade de recomposição da numerosa e historicamente combativa classe trabalhadora paquistanesa na estreita aliança com os pobres da cidade e do campo. Esta recomposição se dará não somente contra a ditadura e os partidos mais abertamente reacionários, mas também contra os que combinam certa demagogia social com um programa oscurantista. Se dará também contra o mesmo PPP que com Bhutto como Premiê, o pacto com Musharraf e a política atual da direção do partido depois do assassinato de seu líder demonstrou ser um obstáculo frente a qualquer tentativa de mudança progressiva para o país.
Traduzido por Diana Assunção
NOTASADICIONALES
[1] Se calcula que os EUA outorgou pelo menos 10 bilhões de dólares em ajuda militar para o governo de Musharraf.