FT-CI

Argentina

O exemplo da luta de Kraft ou a “paz social” dos patrões

27/10/2009

A luta operária da Kraft e as ações solidárias que desencadeou, desatou a reação das classes dominantes contra “o clima de violência social”. A campanha lançada nos meios de comunicação coloca tudo no mesmo saco. Desde o grupo de choque pró- kirchnerismo em Jujuy comandado por Milagros Sala contra o deputado radical Morales, os desaforos de Maradona ou o legítimo escracho dos estudantes de Mendoza ã Embaixada norte-americana, tudo lhes parece válido.

Enquanto aos trabalhadores tenta-se impor a paz social, as internas entre os de cima ganham em virulência e mostram a decomposição do regime político. A disputa pelo controle do aparato repressivo e da segurança da Capital, entre Macri e sua nova polícia Metropolitana versus Aníbal Fernández e sua polícia Federal, abriu o escândalo das denúncias de espionagem que, uns e outros, utilizam permanentemente contra os trabalhadores e o povo.

Acontece que a luta da Kraft acabou conseguindo o milagre de reavivar um morto político: o pacto social que não puderam institucionalizar pela divisão inter-capitalista na licitação aberta com as patronais do campo, agora é esse mecanismo que utilizam para conter o que produziu essa gesta do movimento operário. A Câmara de Comércio dos EUA na Argentina (AmCham) que agrupa 700 multinacionais norte-americanas, reunidas com a Embaixadora ianque e a presidente Cristina Kirchner, saiu condenando os “atos ilícitos como ferramenta de pressão” referindo-se aos métodos da greve e dos piquetes utilizados durante o conflito. No mesmo sentido, pronunciaram-se os industriais da UIA. Obediente, o ministro da Economia Boudou, disse que “o importante é que a empresa continue produzindo num marco de segurança judicial que devem ter as empresas, mas que também deve existir para os trabalhadores.”

Os empresários, o governo e a burocracia sindical da CGT condenam a metodologia da ação direta, buscando bloquear a possibilidade que Terrabusi seja o gatilho de uma onda de conflitos que abra uma nova situação na qual os trabalhadores sejam, definitivamente, protagonistas. A batalha de Terrabusi deu visibilidade nacional a um novo movimento operário que vínhamos assinalando que se expressava desde final de 2008, com a resistência nas montadoras contra as demissões e suspensões, e já havia dado diversas mostras de emergência depois da derrota eleitoral do PJ que debilitou os mecanismos de contenção do governo e da burocracia sindical peronista. Temem que Terrabusi abra a porta da política nacional a um ascenso que vem se gestando desde baixo e que querem impedir.

Correlação de forças

O objetivo da Kraft de descabeçar a organização de base do triunfo eleitoral da direita em 28 de Junho – demonstrou-se por fora da correlação de forças. Como sustentamos, as eleições produziram um resultado que combinou o debilitamento do governo, e de sua agente, a burocracia sindical da CGT, em seu principal bastião do cone-urbano bonaerense, com a fragmentação da oposição burguesa.

E ao mesmo tempo em que a dispersão do voto opositor, majoritariamente alimentado por um giro a direita das classes médias, demonstrava que não havia surgido um pólo forte de uma “restauração neoliberal” porque não havia condições para “uma volta aos 90”, como denunciava o kirchnerismo para polarizar falsamente a eleição. Esta correlação de forças, mal interpretada pela direção empresarial da Kraft, como mostra o chamado a terminar com “o estado assembleário” e o “poder dos delegados” nas empresas por parte de seu advogado assessor, De Diego, o mesmo 29J desde o diário de De Narváez, terminoram indo contra ele. Deu lugar ã primeira grande luta de fábrica em décadas que se transformou em uma demonstração política da classe trabalhadora e obrigou a um retrocesso de um dos principais monopólios que arrastou todas as corporações patronais e até a própria Embaixada norte-americana. O primeiro resultado de dois meses de luta, todavia não concluída, produziu uma derrota política da multinacional ianque e uma debilitação do governo e das burocracias de Daer e Moyano, que se colocaram, de cara, ao isolamento da greve e a repressão. Se os trabalhadores não conseguiram impor a totalidade de suas reivindicações e reincorporar todos os demitidos, não foi por conta de uma correlação de forças desfavorável. Contavam com enorme simpatia popular frente uma patronal deslegitimada na população e um governo em crise. Necessitaram da colaboração da CCC, a maioria da Comissão Interna da Kraft, que aceitou subordinar-se ã chantagem do Ministério do Trabalho e sua imposição da “paz social”.

Direção

A luta de Kraft trouxe a tona a crise da direção da CGT frente a primeira grande batalha do movimento operário industrial. Seu resultado potencializa os processos do sindicalismo de base que vem se desenvolvendo. O dirigente kirchnerista de La Fraternidad, Maturano, disse que “nada substituiu a representatividade que tem o sindicalismo peronista”. Mas, por via das dúvidas, mandou uns capangas para espancar os ferroviários que denunciaram a cúpula do grêmio no filme de Pino Solanas. É de se esperar esse tipo de ataques da camarilha sindical, para os quais devemos estar preparados. Segundo alguns meios de comunicação, o funcionário recentemente renunciado Emilio Pérsico e seu movimento Evita, somar-se-iam ã corrente político-sindical lançada pelo chefe da CGT Hugo Moyano para fazer anteposição ás “agrupações de esquerda e setores sociais que se enfrentam com o Governo, que fortaleceram a comissão interna na Kraft em meio ao conflito pelos demitidos e mostraram os limites da CGT para conter o protesto social (El Cronista, 21-10)”.

Por sua vez, a direção da CTA ficou descolada. Víctor De Genaro começou diminuindo a luta por ser dirigida pela esquerda. Depois, frente sua transcendência, teve que ceder um lugar a Bogado e Hermossila no palco de seu ato pela liberdade sindical e, finalmente, terminou criticando o ministro Tomada por ceder ã multinacional ianque. Em todas as instâncias, enquanto crescia a simpatia nos filiados da CTA pela causa operária, a direção da central alternativa se manteve alheia e sem realizar uma só medida de força solidária.

Nesse espaço perdido pelas direções da CGT e da CTA frente a incipiente entrada em cena do movimento operário, é que se pode crescer a iniciativa impulsionada a partir do Hotel Bauen, na reunião convocada pelo Sindicato Ceramista de Neuquén. A corrente político-sindical lançada pelos ceramistas de Zanon junto a ala esquerda classista de Terrabusi e o Corpo de Delegados do metrô, entre dezenas de delegados de importantes fábricas e grêmios de todo o país, sai a lutar em busca de um pólo classista na classe trabalhadora. O PTS considera um passo importante que chamamos todas as organizações combativas e de esquerda a apoiar. Como informamos nessas páginas, essa nova corrente se propõe, em primeiro lugar, continuar apoiando os conflitos em curso e a coordenação de todas as organizações operárias de base, comissões internas, corpos de delegados e sindicatos anti-burocráticos para a luta. Mas não se limita a um classismo sindical mas também impulsiona a independência política de todas as frações patronais e seus partidos, e a construção de um próprio, como disse a declaração proposta pelos operários de Zanon: “um movimento para construir uma ferramenta política dos trabalhadores”.

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