FT-CI

Kraft-Terrabusi: 6 semanas de um conflito colossal

O que não se disse desta luta histórica?

01/10/2009 LVO 345

Há uma semana atrás dizíamos que a greve de Kraft Terrabusi tinha se convertido em uma causa nacional, qua já sacudiu as estruturas políticas e sindicais, obrigando todos a se posicionarem em relação a esta grande greve operária, a mais importante de um estabelecimento industrial em décadas. Denunciávamos , e os operários também, que o governo de Kristina e Scioli estavam a favor da patronal norte-americana, que, recordemos, é o segundo maior monopólio alimentício do mundo.

Ao mesmo tempo vimos como esta luta despertava crescente apoio popular. Os estudantes bloqueando as ruas de Buenos Aires, re-editavam a velha consigna “operários e estudantes, unidos e adiante!”.

Algo profundo passava-se em nosso país, que vinha-se encubando desde antes das eleições gerais de 28 de junho e que se desenvolveu após a derrota eleitoral do kirchenerismo. Não eram os pequenos e grandes proprietários do campo que protestavam mas as operárias e operários da maior fábrica de uma industria em desenvolvimento, que não tinha sido afetada pela crise capitalista, que se colocavam e lutavam por sua dignidade, sua saúde, em defesa de sua auto- organização de base e contra as demissões e atropelos da patronal. A grande greve de Terrabusi.

Um salto do governo kirchnerista

Quando completavam-se cinco semanas de greve, a patronal- com o visto da justiça e do governo–lançou seu plano repressivo. Por um lado militarizou a fábrica com centenas de policiais, com a cavalaria e a divisão de cães. Decretou um novo lock-out, e avançou a partir das três da manhã, quando gerentes e chefes se retiraram da fábrica e os trabalhadores do turno das 6am foram impedidos de entrar. O turno noturno deliberou e resolveu se retirar se manifestando do lado de fora apioando os demitidos diante de uma possível desocupação. Um setor importante destes permaneceu dentro da fábrica. A ordem de desocupação não demorou em sair. No entanto, nesse mesmo dia havia acontecido uma reunião com o Ministério para supostamente negociar. Terminada a “reunião”, que não consistiu em nada alem de uma farsa, já que sequer a Comissão Interna (ou sequer o sindicato vendido) estiveram presentes. O Ministério do Trabalho da Nação e da Província de Buenos Aires leram diante de todos os meios de comunicação, não uma ata ou uma resolução ministerial mas, a proposta da empresa! Era um escândalo, algo insólito que minutos depois foi esquecida pela brutal repressão que se dsatou para desocupar a planta. No entanto, é aqui que se condensa o papel do Estado capitalista e de suas instituições: o Ministério de Trabalho convoca uma falsa reunião; em meio a isso a justiça chega ã planta com a ordem de desocupação , os dois Ministérios (da Nação e da Província) tornam-se em interlocutores da empresa tentando pintar os trabalhadores como intransigentes; a burocracia sindical da Daer desaparece, e minutos depois a policia bonaerense ataca vorazmente tanto dentro quanto fora da fábrica.

A fábrica foi desocupada, porem, o conflito continua e o custo político para o governo, que dizia que não se utilizaria da repressão, é enorme. A questão se torna ainda pior quando Scioli reconhece que foram os próprios ianques que pediram que esta medida fosse implementada. Nessa sexta feira (além da batalha contra a policia do lado de fora da planta com dezenas de detidos) realizou-se um escrache frente a UIA e diante da eminência de repressão, ocorreu um grande bloqueio da 9 de Julho durante horas, e posteriormente um grande ato pelo centro portenho culminando na Plaza de Mayo.
No sábado, realizou-se uma reunião de organizações solidárias. O anfiteatro estava cheio e foi decidido que na segunda-feira as entidades acompanhariam os trabalhadores da Kraft. A CCC havia decidido realizar paralisações por todo o país, menos na Pan-americana. No entanto, a decisão dos trabalhadores da Kraft, na madrugada de segunda, acompanhados por centenas de estudantes e trabalhadores solidários–entre os quais se destacou notoriamente o contingente do PTS e En Clave ROJA–garantiram uma paralisação de quase cinco horas que teve grande repercussão nos meios de comunicação. Durante a tarde milhares de pessoas se concentraram na Plaza de Mayo em um ato de demonstração de solidariedade e repudio ã repressão.

Nessa mesma tarde, uma instancia de negociação em La Plata foi aberta e os dirigentes da Terrabusi estiveram presentes. No entanto a ata que saiu era apenas uma intimidação ã empresa para que esta pagasse o total dos salários adequados, rever as dezenas de suspensões que acabava de impor, deixar que a Comissão Interna entrasse na planta, e propor a re-incorporação de alguns dos demitidos e a retirada paulatina da polícia.

No entanto, a empresa não acatou com nenhuma das decisões já que sentia-se respaldada pela genuflexão do Estado argentino. Os cinco delegados mais representativos continuam proibidos de entrar na fábrica. Isto é ilegal, já que no artigo 48 da Lei de Associações Sindicais diz expressamente que os delegados “não poderão ser suspensos, ter suas condições trabalhistas modificadas, nem despedidos durante o tempo em que dure o exercício de seu mandato.” Porem, a vice-ministra Rial pretende dividir estes cinco delegados discriminados dizendo que há uma diferença entre os delegados do turno matutino e vespertino–estes estão autorizados a entrar–e é outra coisa o Javier Hermosilla (Poke) do turno da noite, já que este tem um mandato judicial que o impede de entrar na fábrica. No entanto isto não procede já que a medida cautelar ditada contra Hermosilla apenas o suspende para a “prestação de serviços”, mas que de forma alguma isso significa que pode ser “suspenso” de seu direito e dever enquanto representante dos trabalhadores e de suas funções sindicais dentro de seu local de trabalho. A empresa, que não respeita sequer a intimidação do Ministério, e abusando da medida cautelar, continua proibindo a entrada a esses cinco delegados.

No entanto, apesar de descabeçar a direção a fábrica não voltou a funcionar normalmente. Na terça-feira houve uma tentativa de que se realizasse uma assembléia no refeitório, e a polícia tentou prender a única delegada presente. Isto acabou provocando a indignação dos trabalhadores que se recusaram a trabalhar nessas condições. Semeiam o temor. A polícia continua tato dentro quanto nos arredores da fábrica, percorrendo as linhas de produção, assim como o refeitório. Mais uma vez eles colocaram arame farpado no portão principal. Os chefes sentem-se valentes e pressionam para que aumente o ritmo de trabalho, especialmente com os pudins e o pão doce, que estão atrasados. Arrebentaram vários armários de trabalhadores despedidos. No entanto, os trabalhadores estam cada vez mais indignados e querem a volta de seus delegados ã fábrica. Na terça-feira ã noite, realizou-se mais uma vez uma assembléia na qual se ratificou a luta contra os demitidos, em defesa dos delegados e contra a polícia na planta. Na quarta-feira, os companheiros da Terrabusi, encabeçaram a marcha da CTA até o Ministério do Trabalho.

Hoje, 1 de outubro, há uma nova audiência de negociação, agora com o Ministério Federal do Trabalho. O operativo, com negociações longas e espaçadas, pretende deixar de fora momentaneamente–e inclusive definitivamente–a comissão interna e os delegados para que a ditadura patronal se assente.

Freiar a prepotência da patronal é possível. As companheiras e companheiros de Terrabusi, acompanhados pelas organizações solidárias, que a cada dia são mais, deveram tomar medidas para acabar com a intransigência patronal. Esta é uma luta histórica. Somos todos Terrabusi.


Luta de Classes

“A tirania das organizações operárias está se tornando em algo humanamente insuportável. Algo tem de ser feito.” É com essa frase que o grande Jack London acaba seu conto “A Greve Geral”, que escrevera nos primeiros anos do século XX.

“Os sindicatos fora de controle são ainda piores dos que já conhecemos [...] Esta anarquia é a primeira demonstração da desordem social que assola a Argentina.” Comenta de forma reservada o presidente de um grupo europeu ao jornal La Nación , referindo-se ao conflito Kraft-Terrabusi. Existe uma semelhança irrefutável entre as palavras de Mr Debs, o burguês assustado do conto de London, e as declarações realizadas pelas câmaras empresariais de hoje.

O tempo parece ter se desvanecido, triturando as diferenças próprias da estética de cada década e o passo consumado de um século. As câmeras de filmar no interior da planta, o celular e a moto que operário conseguiu compraa a prestações, a tecnologia ou a linguagem, parecem simples acessórios decorados que embrulham os protagonistas de uma época que ainda não chegou a seu fim.

Que força estranha provoca que aquele proletário de cara suja e roupa gasta de que nos fala Jack London reapareça no operário moderno, de cabelos longos e mp3, que enfrenta as demissões em uma multi-nacional da zona norte?

Jorge Sorabilla, empresário têxtil e tesoureiro da UIA, nos outorga a resposta quando coloca que a “desocupação da fábrica se torne em um leading case (exemplo) para dissuadir futuras ocupações de fábricas”.

É na melodia das classes sociais onde o passado e o futuro se encontram. No “algo há de se fazer” repetido. O mesmo que há um século atrás enchia de obstinada preocupação a uma burguesia que acabara de se tornar imperialista e estava disposta a triturar as “greves selvagens”–assim foram denominadas por eles–de um movimento oeprário em crescente extensão, radicalidade e organização.

Na última semana, até o mais desprevenido “cidadão” foi sacudido pela lição dos fatos. Haverá quem tente lhe outorgar outra terminologia, quem a desdenhe ou se emocione com ela. Mas ninguém poderá se subtrair e deixar de tomar partido.

É a LUTA DE CLASSES que mais uma vez se apresenta inconfundivelmente. A que obriga deixar de lado horas de sono para estar presente e a que crispa os nervos da senhora platinada de avançar meio metro em uma estrada bloqueada pela solidariedade genuína.

“Os empresários pressentem que o caso Kraft pode chegar a se tornar no primeiro passo de uma escalada e radicalização dos conflitos sindicais na Argentina”, titula La Nación com seu típico olfato de classe. Sabem que a potencia desta luta é superior a si mesma.

Milhares de operários acompanharam através de suas televisões todo o ocorrido. Com esse simples fato já assimilaram parte da história, uma história que promete te-los como protagonistas.

Porque para além de como for o desenlace de Terrabusi, a LUTA DE CLASSES, manifestada na paralisação estendida, no ódio aos líderes, na defesa massiva dos demitidos e no repúdio aos burocratas, já deixou sua marca.

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