India
Os atentados de Mumbai abrem uma Caixa de Pandora regional
06/12/2008
O crescimento do terrorismo islà¢mico na Índia tem origens internas apesar de o governo indiano sempre acusar de todo atentado a Islamabade, capital do Paquistão. Pelo contrário, é conseqüência do comunalismo hindu que a classe dominante indiana promove: uma espécie de "sectarismo" não só religioso, mas de discriminação étnica, como se mostra no ascenço do partido hindu suprematista e de direita, o Bharatiia Janata (BJP pelas siglas em inglês) que governou a índia de 1996 a 2004 e hoje é a principal força de oposição ao governo do partido do Congresso Nacional que governou o país desde a sua independência.
Os 140 milhões de muçulmanos (a segunda agrupação religiosa do país, 14% dos 1,1 bilhões de habitantes) sofrem uma discriminação sistemática e hostilidade policial, constituem o estamento mais baixo da sociedade indiana assustadoramente pobre e fortemente desigual. É isto que se pretende ocultar na busca por bodes-expiató rios no Paquistão. Como explica um artigo do Financial Times: "Ainda que um ’submundo’ dominado por muçulmanos cumpre um papel em facilitar e levar adiante atentados terroristas, isto é só uma parte da história. Apesar de quatro anos de importante crescimento, há ainda centenas de milhões de pessoas vivendo na maior das misérias, que praticamente não possuem nenhum direito em uma sociedade que, por outro lado, gerou um setor que tem enriquecido e ganhado confiança nos últimos anos. De todos os grupos que têm se beneficiado deste crescimento espetacular, sem contar aos chamados ’dalits’ [literalmente ’oprimidos’, é uma casta social baixa da Ásia do sul, também conhecida como os ’intocáveis’] e os tribais, nada os fez andarem tão mal como os muçulmanos. (...) Os sociólogos descrevem a relação dos muçulmanos da Índia com o resto da sociedade indiana como ’inclusão de uma classe alta e exclusão das massas’. Enquanto que uma pequena elite prospera em uma nova Índia, uma enorme quantidade de muçulmanos, em muitos casos originalmente provenientes de uma casta baixa convertidos do hinduismo, sofrem marginalização de maneira freqüente. Um informe do governo sobre as condições socioeconômicas da comunidade apontou que os muçulmanos da Índia se enfrentam constantemente com os estereótipos que os estigmatizam como ’anti-nacionais’ , ’antipatrióticos’ ou ’pertencentes ao Paquistão’ e portanto ou se resguardam ou são forçados a se resguardarem nos guetos. As pistas de suas identidade como a burka, a barba e o salacot (chapéu usado nas Filipinas que protege do Sol) são motivo de preconceito e hostilidade racial. Os homens que usam barba são cotidianamente levados para interrogatório, e que as mulheres que usam hijab possuem muitos problemas para encontrarem trabalho" ("Radicals threaten India’s global ambitions", 27/11). Neste cenário, muitos setores marginalizados que se radicalizam enxergam no terrorismo islà¢mico uma saída aos seus padecimentos.
Uma caixa de Pandora Regional
O atentado colocou o governo de Nova Deli, capital da Índia, frente a uma pressão insuportável que o obriga a reagir fortemente ao Paquistão, abandonando a política de moderação dos últimos anos nas relações entre os dois países, se não quiser cair nos próximos dias ou meses. É que a proximidade das eleições, a debilidade que vinha sofrendo, conseqüência da diminuição do crescimento pela crise econômica mundial, a ruptura da histórica aliança fundamental na coalizão de governo, o PC, devido ao pacto nuclear entreguista firmado com o imperialismo norte-americano e fundamentalmente as acusações do BJP de seu "manejo suave" com os problemas de segurança, o tem deixado com pouca margem de manobra frente ã responsabilidade que o atentado criou. O BJP publicou uma série de avisos de uma página nos principais diários do país que acusam o partido governante do fracasso na defesa da nação. Em um dos avisos com o fundo de sangue se lê: "O terrorismo brutal golpeia a vontade. Governo débil. Incapaz e sem vontade. Lute contra o terror. Vote BJP". Por sua vez, como já o fez no passado este partido direitista, pode recorrer a campos de trabalho contra a população muçulmana que avivará o caos inter-comunal para aumentar ainda mais a pressão.
Esta situação repercute no governo Paquistanês, o elo mais débil da região. Este está atravessando uma forte crise econômica que o obrigou a pedir uma ajuda de emergência ao FMI em troca de um duro ajuste e uma crescente tensão entre o novo governo civil e as Forças Armadas, o verdadeiro agente de poder no Paquistão. Neste marco, a possibilidade de um novo conflito com a Índia levou neste fim de semana o governo paquistanês a enviar ã imprensa uma mensagem aos EUA e ã UE de que iria deixar as fronteiras com o Afeganistão desprotegidas para enviar tropas ã fronteira com a Índia. Isto seria um duro contratempo para Washington. É que um pilar principal do plano do general Petraeus (o mesmo que dirigiu o aumento de tropas no Iraque) e Omaba poderia ir ao colapso. A expectativa dos EUA de uma maior cooperação paquistanesa na fronteira com o Afeganistão desapareceria conjuntamente com as tropas. Isto liberaria os talebãs dos que foram os limites impostos pelo exército paquistanês e aumentariam sua capacidade de combate, enquanto que a motivação de alguns dos talebãs de entrar em conversação - como sugeriu o atual presidente do Afeganistão, Hamid Karzai- iria por água abaixo. As forças norte-americanas, já sobreextendidas ao limite máximo, enfrentariam uma situação cada vez mais difícil, enquanto a pressão ã Al Qaeda nas áreas tribais seria menor.
Este potencial cenário de pesadelo para Obama ao início de sua presidência é o que explica que Washington, em diferença aos últimos tempos quando utilizava a crise na Índia como um jogo de alicates para exigir-lhe mais ações ao regime do Paquistão, agora é chamado a pôr panos frios sobre as ameaças belicosas da Índia, como mostra a desesperada viagem de Condoleezza Rice, a atual secretária de Estado.
A magnitude do atentado e a possibilidade de que se repita, no marco da pressão da direita hindu, deixa pouca margem de manobra a Nova Deli para que EUA convença seus dirigentes de não responder ã situação, a menos que obtenha firmes garantias do Paquistão de tomar medidas como o desmantelamento dos serviços de inteligência (ISI), algo impensável.
Como vemos, o atentado abrigou uma Caixa de Pandora na região que pode desequilibrar ainda mais a forte debilidade interna do governo paquistanês e os esforços do atual e futuro governo dos EUA na guerra "contra o terrorismo".
Não a uma nova guerra reacionária entre Índia e Paquistão
O sul da Ásia está atravessado por fortes antagonismos e conflitos de classe. Os mesmos têm suas raízes na dominação colonial do subcontinente indiano, na traição e desvios das emergentes burguesias da Índia e Paquistão dos movimentos antiimperialistas que convulsionaram a região na primeira metade do século passado. Assim se demonstrou desde o começo de sua vida independente com a participação da Índia britânica em uma Índia predominantemente hindu e um Paquistão predominantemente muçulmano, que tem gerado varias guerras e enfrentamentos comunais com quase 2 milhões de mortos, além das migrações a um ou outro lado da fronteira. É a expressão mais patente da incapacidade da burguesia em resolver as tarefas democráticas elementares como a unidade dos povos do subcontinente, a liquidação do latifúndio, a abolição do sistema de castas, por sua dependência do imperialismo e o temor em desatar de vez a revolução proletária que questione seu domínio.
O resultado histórico disso é que o sul da Ásia é hoje uma das regiões mais pobres da Terra.
Enquanto que o Paquistão se afunda na miséria, a Índia tentou nos últimos tempos, aproveitando a vasta quantidade de jovens educados que falam a língua inglesa, salvar-se como base de outsourcing (terceirização e exportação) no ramo de serviços na divisão mundial do trabalho, hoje questionada pela crise mundial, enquanto o setor agrícola do qual depende a maioria da população caía em estancamento, levando a milhares de camponeses desesperados ao suicídio e dando novo ímpeto ás direções guerrilheiras (maoístas). Neste marco, incapazes de dar uma saída progressiva ás aspirações das massas, a burguesia de ambos os países tem utilizado a hostilidade ao "inimigo externo" como válvula de escape social a suas crescentes contradições. No Paquistão, os EUA apostaram diretamente neste processo, armando seu exército e alimentando sucessivas ditaduras militares , em especial depois da invasão soviética ao Afeganistão em 1979, na qual entreviu com o Paquistão como seu aliado regional. Na Índia, a crise histórica do nacionalista burguês Partido do Congresso, em seu momento guia do Movimento de Não Aliados na periferia capitalista nos anos posteriores ã Segunda Guerra Mundial, se expressa no giro neoliberal deste desde os anos 1990 e mais agudamente no forte crescimento do hinduismo suprematista do BJP, uma força política totalmente marginal durante as três primeiras décadas da independência da Índia. Com este pano de fundo, uma nova guerra entre os dois países só tenderia um caráter reacionário e deve ser rechaçada pela classe operária de ambos os países.
Só uma intervenção independente da classe operária paquistanesa e do proletariado indiano como dirigentes da nação explorada e oprimida podem oferecer uma saída progressiva ás massas da região, expulsando o imperialismo da região, a começar pelo Afeganistão.