Quatro perguntas sobre o projeto de Chavez
04/04/2007
Hugo Chávez alçou sua voz contra Bush desde a tribuna do estádio de Ferro, preparado pelo governo de Kirchner. Seu discurso chegou a milhões mediante a TV e confirmou a alta popularidade que tem o presidente da Venezuela na Argentina e no resto do continente. Chávez chegou a este ascenso popular com um discurso polarizado contra o imperialismo norte-americano e reivindicando, como o fez quinta passada em Ferro e aproveitando a visita de Bush no Uruguai, a tradição das gestas antiimperialistas do continente, desde Sandino até Che Guevara, mescladas com elogios a Juan Domingo Perón. Hugo Chávez capitaliza assim, em parte, o desprestigio de massas do governo dos EUA e a tibieza, quando não diretamente submissão, do resto dos presidentes latino-americanos que se dizem "progressistas".
Entretanto, os mesmos partidários de Kirchner, como o questionador Artemio López da consultoria oficial Equis, reconhecem que Chávez é "o líder latino americano que melhor conseguiu construir a imagem de redentor social, independente da complexa realidade social de seu país e de sua própria gestão". Ou seja, uma coisa é o que Chavez diz, e outra o que faz.
– 1 Como é a distribuição da riqueza nacional na Venezuela?
A realidade é que a pobreza segue atingindo quase 40% da população da Venezuela, nem mais nem menos que a porcentagem média da pobreza do conjunto dos países da América Latina e do Caribe. O desemprego afeta 10,5% dos trabalhadores, mais de um milhão de venezuelanos, e na juventude chega a 23%.
Isto acontece não porque a Venezuela atravessa uma crise econômica, muito pelo contrário. A economia venezuelana cresceu fortemente nos últimos três anos e conta com una reserva fiscal de mais 35.000 milhões de dólares, a mais alta de sua história, graças ao preço do petróleo que exporta e que no ano passado chegou até quase 60 dólares o barril. O surpreendente é que em 2002 os salários dos trabalhadores significavam cerca de33% da riqueza nacional, e em 2005 caíram para 25%. Por outro lado, a renda dos empresários subiu de 38% para 49% do total da riqueza do país. Ou seja, a Venezuela de Chávez teve nos últimos três ou quatro anos uma distribuição regressiva da riqueza nacional. Os empresários passaram de um terço ã metade “do bolo”, e milhões de trabalhadores só tem um quarto. É um “bolo” maior, mas a parte de “leão” do crescimento foi para os bolsos dos exploradores.
Em especial foram favorecidos os empresários do capital estrangeiro, predominantemente norte-americanos. Em segundo lugar, uma patronal ligada aos negócios que realiza o Estado e suas empresas "mistas" com esse capital estrangeiro, um sócio menor, um empresariado chavista. Este é o segredo da "reconstrução da burguesia nacional" fomentada sobre as costas dos trabalhadores.
A única distribuição progressiva da riqueza se realizou principalmente através das chamadas “Missões”, grandes planos assistenciais do Estado que tem diminuído a pobreza sem, no entanto eliminar-la, mas não através de uma política de salários e emprego favorável aos trabalhadores que sofrem os males crônicos do capitalismo, o desemprego e a carestia de vida que é grave na Venezuela com cerca de 17% de inflação, o índice mais alto do continente.
O programa do verdadeiro socialismo é o contrário: a escala móvel dos salários e horas de trabalho. a escala móvel de salário significa que os contratos coletivos do trabalho devem assegurar o aumento automático dos salários correlativamente com a elevação do preço dos artigos de consumo. E a escala móvel das horas de trabalho significa que o trabalho existente é repartido entre todas as mãos disponíveis e é assim como se determina a duração da semana de trabalho, enquanto o salário, com um mínimo estritamente assegurado, segue o movimento dos preços.
– 2 O que faz Chávez com o petróleo e com os recursos estratégicos da economia?
O projeto de Chávez se baseia nas empresas mistas; associações entre o Estado e o capital estrangeiro que segue predominante na Venezuela. O pouco que se fez e que foi apresentado como "nacionalizações", foi, na realidade, a compra a preço de mercado das ações das empresas norte-americanas que há anos vem usufruindo da telefonia e da eletricidade, para o qual Chávez desembolsou 1,5 bilhões de dólares. Se essas ações das empresas imperialistas caem com a crise que atravessam as Bolsas de Valores de todo o mundo, então a Venezuela compartilhará as perdas. As perdas são as únicas coisas que se "socializa" no capitalismo.
Longe do nacionalismo burguês do Século XX, como o Gal. Cárdenas no México que expropriou 17 companhias estrangeiras no ano de 1938 com ressarcimentos praticamente simbólicos e que geraram a inimizade da Inglaterra e outras potencias, Chávez não recebeu mais que elogios dos gerentes do capital estrangeiro. A formação de empresas mistas significa que grandes petroleiras internacionais como a Shell ou a Chevron-Texaco ficam como donas de 49% do petróleo e das instalações das jazidas e campos de onde já vinham operando em convênios com a petroleira estatal PDVSA. O próprio gerente da Shell na Venezuela, Sean Rooney, falou apoiando a criação de empresas mistas: "estar como sócio é muito diferente de estar prestando um serviço".
Por sua parte, a participação do Estado venezuelano nas empresas estratégicas não é identificável com uma melhora para a classe trabalhadora e o povo pobre, senão que está em função de abrir novos e grandes negócios. Desde as relações de Chávez com o Ministro da Vida e seus capitalistas amigos da construção para obras na Venezuela; ou dos negócios do "empresariado argentino" que vão dos grandes como Paolo Roca da Techint até os pequenos piratas como Sergio Taselli; ou do empresário kirchnerista privatizador da Río Turbio e responsável da tragédia minera que planeja vender acessórios argentinos para hospitais da Venezuela, está é a "união latino-americana"?
Contra a aliança entre o capital estrangeiro e nativo que propiciam as "empresas mistas" de Chávez, os trabalhadores necessitam da expropriação sem indenização e sob controle operário dos recursos nacionais. Recentemente, uma importante marcha de milhares de trabalhadores em Caracas apontou esta perspectiva reclamando "nacionalizações sem indenização". Sobre a base da expropriação, a administração operária direta da indústria do petróleo e das principais recursos da economia permitiria destinar todo o necessário para cubrir as demandas vitais de milhões de trabalhadores, camponeses e pobres, e significaria isto sim, uma verdadeira escola de planificação socialista. Mas, pelo contrario, o projeto da "revolução bolivariana" de Chávez, é na verdade o de conservar uma estrutura capitalista semi-colonial, causadora da enorme desigualdade social que subsiste na Venezuela.
– 3 Que ferramenta política propõe Chávez?
Chávez propõe aos trabalhadores compartilhar um mesmo partido com a burguesia nacional, com o agravante de que enquanto essa burguesia obtém seus dividendos como sócia menor do capital estrangeiro, a classe operária não obtém nada se associando a ela. Pelo contrario, um partido comum com "os empresários nacionalistas" como os chama Chávez, significa anular a independência e as energias da única força social capaz de se opor consequentemente ao imperialismo, os mais de 10 milhões de trabalhadores venezuelanos. São estes os que junto ao povo pobre constituiriam o verdadeiro exército que com a mobilização nas ruas derrotou a tentativa de golpe que impulsionou em abril de 2002 o capital estrangeiro e a reação dos ricos da Venezuela. A necessidade da independência dos trabalhadores do projeto de Chávez se desprende, uma vez mais, da própria experiência: só um partido próprio da classe trabalhadora que dirija o conjunto do povo pobre da cidade e do campo pode terminar com as ameaças golpistas dos que hoje permanecem aproveitando o momento de bonança econômica para fazer seus negócios. Nem bem a crise do capitalismo que se anuncia na crise das Bolsas golpeie a Venezuela, a contra-revolução levantará a cabeça novamente. Um partido independente dos trabalhadores mobilizará todas as forças para derrotar definitivamente a reação golpista por seus próprios métodos, criando milícias operárias, ocupando as fábricas e empresas e estabelecendo ali o controle operário, promovendo em aliança com os camponeses pobres a tomada das terras dos latifundiários. Ou melhor, “cortaria a jugular” que alimenta as forças materiais da reação: sua propriedade sobre os grandes meios de produção.
Mas ao contrário, o projeto de Chávez é conciliar com a reação enquanto busca disciplinar a classe operária e todas as suas tendências em um partido único junto ao empresariado nacional que, contra toda a seriedade tem o nome de Partido "Socialista" Unificado da Venezuela (PSUV).
Não só para a Venezuela senão que para todo o continente, é uma necessidade dos trabalhadores conquistar sua independência política como classe, seus próprios partidos, absolutamente delimitados das burguesias latino-americanas. Por de pé poderosas ferramentas políticas que liberem a força da classe mais numerosa e produtiva da sociedade, e que lutamos para que seja por um programa revolucionário no caminho do poder operário, para superar experiências como a do PT do Brasil que surgiu nos anos ‘80 com um programa de reformas e que terminou sendo, com Lula no poder, um dócil instrumento do capitalismo.
– 4 "Socialismo" com empresários?
Hugo Chávez tem dito que seu projeto se define como "o Socialismo do Século XXI". "O socialismo -disse Chávez- é a unica saída porque o capitalismo, que está em crise, é um modo de controle social. É uma ditadura das elites: una minoria se eleva economicamente e uma maioria empobrece. Se há democracia se impõe que a maioria pobre, excluída, vá reclamar seus direitos. A isso, as elites poderosas vão se opor inclusive violentamente. Por isso o capitalismo e a democracia não podem marchar juntos. Mas, assim como não queremos a ditadura do capitalismo, tampouco queremos a ditadura do proletariado que dizia Marx. Queremos democracia, socialismo".
O certo é que a democracia venezuelana -onde acontecem eleições nas quais "a maioria pobre" vota recorrentemente em Chávez, mas que efetivamente quem decide é o presidente que concentra "poderes especiais"- não tem servido para que estas maiorias mudem qualitativamente sua situação em 8 anos de "revolução bolivariana", nem tampouco nos últimos três anos de crescimento econômico. Essa situação não passa só na Venezuela, senão que em todos os países semi-coloniais do continente. O regime capitalista não produz pobreza porque é antagônico com que haja eleições, mas porque uma classe minoritária se apropria da riqueza social. Esta é a verdadeira "ditadura" que impera na América Latina; oposta a de Marx na qual as maiorias exerceriam sua "ditadura" sobre a minoria exploradora -por isso é qualitativamente mais democrática- e no que as massas se dotam de seus próprios órgãos de auto-governo como a Comuna de Paris ou os soviets da Revolução Russa.
Ao contrário, este "socialismo" de Chávez nega a necessidade da abolição da propriedade privada dos grandes meios de produção e financeiro e portanto, de uma série de revoluções triunfantes na região que termine com a dominação e a exploração do capital imperialista e das burguesias nativas.
Um "socialismo com empresários", vale dizer, com os exploradores, é a negação do socialismo. Só um governo operário e camponês, baseado em organismos de democracia direta com liberdade para todas as tendências operárias e revolucionárias, é o único que pode iniciar a verdadeira perspectiva do socialismo; e não o "partido único" do "socialismo com empresários" que esgrime Hugo Chávez. Os aliados dos trabalhadores não podem ser estes governos atuais aos que Chávez chama a encabeçar a "união latino-americana". É a poderosa classe operária do continente junto aos camponeses pobres e as massas os que podem mediante seus próprios governos encaminhar-se para uma genuína unidade em uma Federação de Repúblicas Socialistas da América Latina que supere as fronteiras impostas pelos capitalistas nacionais e o imperialismo. O socialismo é o projeto histórico dos explorados porque se baseia justamente em liquidar toda exploração.