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Brasil

Quem matou Kaique? Basta de violência aos homossexuais e travestis

18/01/2014

Quem matou Kaique? Basta de violência aos homossexuais e travestis

No sábado dia 11/01, Kaique Augusto, 16, jovem negro e homossexual, foi visto pela ultima vez por seus amigos após sair de uma balada gay no centro de São Paulo. Foi somente dia 14/01, após incessantes buscas e idas infrutíferas ao IML, que a família conseguiu encontrar o corpo de Kaique, que esteve todo esse tempo no próprio IML. Kaique havia sido brutalmente espancado, possuía hematomas e marcas de violência no rosto e no corpo, seus dentes haviam sido arrancados e uma barra de ferro havia sido encravada no meio de suas pernas. Nesta mesma semana, dia 15/01, em Uberaba, a travesti Toni Gretchen, de 50 anos, foi assassinada com vários tiros após ameaças de morte e cobranças do pagamento do “pedágio” no ponto de prostituição.

Essas mortes, motivadas claramente por homofobia e transfobia, são parte do aumento da violência contra homossexuais e travestis, que tem ocorrido no país nos últimos anos (durante o governo petista aumentou em 117%, de 2003 a 2010). Nos primeiros 16 dias deste ano, 18 casos de assassinatos de homossexuais foram noticiados pela mídia. Esse aumento da violência contra xs homo e transexuais tem ligação direta com o avanço ideológico reacionário levado ã frente pela bancada parlamentar fundamentalista, que se baseia nos laços profundos do Estado com a Igreja e se legitima com a defesa cristã da “moral e dos bons costumes”. Isso ficou claro tanto na posse de Marco Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos, com o aval do governo federal e da maioria absoluta dos deputados durante 2013, quanto com a vinda do Papa para o Brasil em meio ás mobilizações nacionais da juventude. Todas as medidas dos governos com relação ã diversidade sexual, longe de significarem um fim aos casos de violência contra xs homo e transexuais e um progresso no sentido de uma sociedade mais igualitária e sexualmente livre, tem polarizado a sociedade cada vez mais, e nessa polarização, o lado que o Estado e as suas instituições tomam é sempre oposto ao lado dxs homo e transexuais.

Contra a impunidade dos assassinatos de homo e transexuais no Brasil! Nenhuma confiança no Estado e nas suas instituições!

Com relação ao Kaique, a Polícia Militar abriu B.O. na 2° DP (Bom Retiro), dizendo ter encontrado o corpo sob uma ponte e alegando suicídio, o Delegado da Polícia Civil registrou assim o caso dizendo “não ter detectado nenhum indício que pudesse contrariar essa informação”. Os médicos peritos do IML, ligados ã Polícia Civil, somente confirmaram que o corpo de Kaique estava lá após três tentativas frustradas da família em procurá-lo no próprio IML, e justificam os hematomas no corpo alegando deterioração pelo tempo que lá teria permanecido fora da geladeira (o motivo alegado é superlotação), justificam a desfiguração no rosto com a suposta queda da ponte e dizem desconhecer a existência da barra de ferro transfixada ao corpo (sic!). No caso de Toni, travesti assassinada em Uberaba, todos sabemos que a grande maioria das mulheres e travestis em situação de prostituição são coagidas a pagar ‘tributo’ a policiais militares que rondam as ruas (pontos) para não serem reprimidas, o que eleva essa podre instituição e seus membros também ao título de cafetões e aliciadores.

A serviço dos interesses de quem está tanta enrolação e informações incoerentes sobre a morte de Kaique? O que e quem se quer encobrir? Não podemos ter nenhuma ilusão nas instituições deste Estado, menos ainda na Polícia, seja ela civil ou militar. Seu racismo é evidenciado cotidianamente nas favelas e periferias, contra a juventude pobre e negra, e agora é deixado ainda mais explícito na repressão feroz aos “rolezinhos”. Seu machismo é compreendido por todas as mulheres que por algum motivo tenham precisado ir ás Delegacias da Mulher. E sua homofobia se escancara em cada violência ou assassinato de umx homossexual ou travesti, seja pela participação direta, seja pelo constrangimento, humilhação, omissão e descaso ao tratar de vítimas de homofobia.

Há anos está em tramitação o PLC 122/06 que criminalizaria a homofobia. Muitos homossexuais têm se agarrado a essa luta com a esperança de ser uma via para combater a homofobia em nosso país. Infelizmente, setores da esquerda e dos movimentos sociais defendem essa lei de maneira a criar ilusões de que por aprovações de leis poderíamos acabar com a discriminação no trabalho, nas escolas, e tantos outros espaços públicos A grande questão que deve ser discutida é quais seriam os interesses do Estado em promulgar uma lei que vai contra toda a ordem vigente baseada de forma aberta na opressão e na perseguição aos homossexuais. Temos a experiência da Lei Maria da Penha, e da criminalização do racismo, e vemos diariamente esse próprio Estado e sua justiça legitimarem o feminicídio e o genocídio contra o povo negro, seja culpabilizando a mulher, seja marginalizando o negro. Assim como junho deixou claro para os governantes que não estávamos nas ruas só por 20 centavos, temos que gritar bem alto que não é só pela PLC 122, é pela naturalização da diversidade sexual e pela livre construção de gênero. E que nos colocamos não somente contra a polícia que persegue, mata e tortura nas periferias, mas contra todo esse aparato jurídico (judiciário, executivo e legislativo) que está a serviço de manter os pactos do Estado com as instituições religiosas e contra os trabalhadores e a população pobre, negra e LGBTTI.

Resgatar com a juventude de junho o espírito das travestis e homossexuais de Stonewall

A juventude que saiu ás ruas em junho exigindo seu direito ã cidade, contra as tarifas do transporte, hoje sai ás ruas “de rolezinho” para exigir o seu direito ao lazer, ocupa os centros comerciais e estacionamentos dos shoppings contra a proibição dos bailes funks na periferia e os toques de recolher. Kaique Augusto é parte dessa juventude que quer dar um basta ã segregação imposta em nosso país, que em São Paulo divide a periferia do centro da cidade, que impede a juventude negra de ter acesso ao lazer e ã cultura, que faz dos bairros periféricos grandes bairros-dormitórios, que impede que a juventude possa expressar abertamente sua sexualidade e conhecer o seu corpo e o seu prazer. É contra esse Estado, os seus governos e os partidos do seu regime que a juventude se levanta e exige seus direitos!

Nós, que nos organizamos como “Juventude ás Ruas” estamos presente no Largo do Arouche, neste ato, em solidariedade aos familiares e amigos de Kaique Augusto e tantos outros Kaiques que silenciosamente são assassinados por este Estado. Estamos aqui para exigir investigação e justiça para a família de Kaique, o que só é possível se for organizada por uma comissão, independente do Estado, formada pelos familiares, membros dos Direitos Humanos e organizações políticas de gênero e sexualidade. Estamos aqui para resgatar o que de realmente revolucionário deixou as lições do levante de Stonewall, dxs homo e transexuais contra a violência policial: que foi a organização dxs homo e transexuais para garantir sua defesa; que foi nenhuma confiança nesse Estado; que foi a compreensão que a garantia de fato da liberdade sexual só pode ser alcançada superando o sistema social e econômico do capitalismo, o qual, para existir, se apoia na miséria sexual e, portanto, na repressão sexual dos que não se submetem ã miséria normativa imposta; e, principalmente, que é somente se organizando com a classe trabalhadora, aqueles que têm nas mãos as ferramentas para transformar essa ordem econômica e dar impulso a uma nova organização social, que é possível lutar pela liberdade sexual.

* Investigação e justiça! Por uma Comissão Independente do Estado para averiguar, julgar e punir os responsáveis pela morte de Kaique, Toni e todx homo e transexuais!

* Pela construção de áreas e espaços públicos (praças e clubes) de lazer, cultura e prazer para a juventude!

* Basta de genocídio ao povo negro! Fim da polícia!

* Basta de violência contra homo e transexuais! Educação sexual nas escolas organizada pelos professores, estudantes e agremiações estudantis e sindicais!

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