Brasil - USP
Solidariedade ás vítimas da violência na USP
11/11/2011
Por Pinheiro Salles*
Com indisfarçável indignação, assisti pela TV ás cenas de violência durante a invasão, pela Polícia Militar, do campus da renomada Universidade de São Paulo (USP). Para algumas pessoas, aquilo até pode passar desapercebido, como se tratasse de uma rotineira operação em morros ocupados por traficantes. Mas, para quem tem um compromisso com o aprofundamento das conquistas democráticas, principalmente quem combateu o terrorismo de Estado que humilhou o Brasil entre 1964 e 1985, ali se constatou uma ofensiva contra qualquer respeito ã dignidade humana.
No dia 13 de dezembro próximo, os fascistas incrustados em aparelhos estatais estarão comemorando 43 anos da imposição do famigerado Ato Institucional n.5 (AI-5), que, certamente, Hitler e Mussolini gostariam de assinar. Aquele instrumento discricionário alargou as portas da ditadura militar para a prática dos mais hediondos crimes contra a humanidade. A partir de então, trevas totais se instalaram no país, contribuindo para isso ainda a invasão da heroica Faculdade de Filosofia da Rua Maria Antônia , da USP e de inúmeras outras universidades do Brasil inteiro.
A resistência democrática e socialista teve de buscar mais contundentes alternativas. Cerca de 500 brasileiros foram mortos nessa luta, a maioria na tortura, muitos sendo ainda hoje considerados desaparecidos. Outros sobreviveram e continuam carregando sequelas irreversíveis dos anos nos porões do regime. Aliás, cobra-se hoje, do governo federal, coragem política para não deixar a Comissão da Verdade, aprovada pelo Congresso Nacional, ser um novo engodo para mais macular a nossa história e sepultar a memória das lutas do nosso povo, consolidando a impunidade dos torturadores e dos seus mandantes militares e civis.
Humildemente, dei e dou a minha contribuição para que o Brasil possa consquistar a sua verdadeira independência. Participei da resistência contra a repressão nas ocupações de universidades em São Paulo e em vários outros estados. Não recusei nenhuma forma de luta. Por isso, fui sequestrado no Rio Grande do Sul, torturado, lá, pelo delegado Pedro Carlos Seelig e seus subordinados. E, em São Paulo, pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (major Tibiriçá) e seus comandados. Também, com a mesma ferocidade, pelo delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury e sua equipe do Esquadrão da Morte.
Sobrevivendo, passei nove anos (1970-1979) no cárcere. Em 1975, os presos políticos considerados irrecuperáveis foram depositados no Presídio da Justiça Militar Federal de São Paulo (Barro Branco), tendo como diretor o conhecido torturador Devanir Antônio Castro Queiroz. Acostumados ã resistência, nós resistimos: não aceitaríamos jamais um torturador na direção do estabelecimento onde nos encontrávamos . Então, no segundo dia (4 de março), lá chegou o secretário de Segurança Pública, coronel Antônio Erasmo Dias, de metralhadora a tiracolo. Reuniu-nos em um canto do pátio do presidio e fez as mais aterrorizantes ameaças. Não sabia ele que nós não nos deixaríamos intimidar, mesmo quando ele manifestou sua disposição, aos brados, de metralhar todos nós e desaparecer com os nossos cadáveres.
A invasão do campus da USP, com tantas prisões e provocações, bem parece ser uma homenagem que o governador do estado presta ã memoria de Erasmo Dias e aos demais prepostos dos generais Castelo Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo. Também pode ser um ponto relevante das comemorações dos 43 anos do AI-5, mostrando que o governo federal ainda não teve força suficiente para promover uma definitiva ruptura com o tempo do terror.
Agora, cumpro o dever de manifestar o meu repúdio ao reitor João Grandino Rodas, ã Polícia Militar, ao governador Geraldo Alckmin e a todos os responsáveis, direta ou indiretamente, pela violência praticada na Universidade de São Paulo.
*Pinheiro Salles é bacharel em Direito, jornalista profissional e autor de quatro livros sobre a ditadura militar, dentre outros.
10-11-2011