Um ano do governo de Evo Morales
19/02/2007 Por Eduardo Molina, LOR-CI, de La Paz
Em 22 de janeiro o MAS (Movimento ao Socialismo, partido de Evo Morales) celebrou seu primeiro aniversário no governo em meio a uma ampla confrontação política com a oposição burguesa. O governo visa se consolidar e dar saídas ã situação de crise e incertezas, se empenhando em fechar um acordo com a direita. Em consonância com este propósito, o longo discurso presidencial perante o Congresso de tom nacionalista e indigenista, teve um conteúdo demasiado moderado e não pôde apresentar grandes medidas capazes de abolir a consigna de “revolução democrática e cultural”. Eis que a proclamada nacionalização do gás resultou em um pacto com as transnacionais através dos contratos petroleiros que lhes asseguram “segurança jurídica” e altos lucros em troca de maiores impostos. As promessas de reforma agrária se reduzem ã mera reforma da Lei INRA, que preserva a grande propriedade privada “produtiva”, sem que se exproprie um só hectar de terra em todo o país. A Assembléia Constituinte, freada há seis meses pela direita, está cada vez mais diluída e condicionada pelas garantias que o MAS oferece ã oposição: o vice-presidente García Linera reiterou a proposta de que tudo seja votado por 2/3 até 2 de julho (só então votar-se-ia por maioria absoluta) e que o capítulo de autonomias seja tratado integramente por 2/3 sem limite de tempo.As mudanças no gabinete parecem confirmar este giro conciliador: ministros que desagradam a direita, como Alicia Muñoz (Governo) ou o intelectual indigenista Félix Patzi (Educación) foram substituídos. Apesar da renúncia do empresário cruzenho Salvador Ric (Obras Públicas) saíram ã procura de figuras que “possam construir pontes com o Oriente” (ou seja, com as elites burguesas regionais) em vários postos de primeira e segunda linha. Deste modo, o novo gabinete aparece como menos indigenista e mais como reformista tradicional.Com isso, o MAS, ao mesmo tempo que mantém uma permanente tensão e duros choques com a oposição, busca criar melhores condições para um acordo que solucione a crise.A reação pró-imperialista vem exercendo uma forte pressão, encorajada pela política conciliadora do governo, o que lhe permitiu recuperar terreno e se fortalecer a nível regional sob a bandeira autonomista, ainda que suas expressões partidárias (PODEMOS, MNR, UN) continuam débeis e fragmentadas. Isto se expressa em uma extrema polarização social e política, na qual diversos setores midiáticos, a Igreja e o “establishment” fazem ecoar suas vozes pedindo ao governo e ã oposição por sensatez e moderação: “a democracia corre risco e caso seja afetada, todos perdemos”. Os acontecimentos de Cochabamba lhes dão razão, pois a queda de braço entre o, MAS e o prefeito direitista abriu uma brecha para a intervenção das massas no cenário político que repercutiu por todo o país.
O levante em Cochabamba
A tentativa de Reyes Villa, ex-sócio do genocida Goni[1], de alinhar Cochabamba com o projeto autonomista das oligarquias da “meia lua”[2] (impulsionando um referendum autonomista departamental), provocou o levante dos trabalhadores, camponeses e do povo pobre, com poderosas mobilizações e a ocupação da prefeitura em 12 de janeiro, en-quanto a polícia, após a repressão inicial, se man-teve paralisada pelas diferenças entre o governo e o prefeito. A agres são de tropas de choque ultra-direitistas derivou em uma tentativa de guerra civil local com o saldo de dois mortos e um número considerável de feridos.O MAS atuou logo no início da mobilização para neutralizar a tentativa de Reyes Villa, porém se opôs diretamente ã possibilidade de o mesmo cair sob o embate de massas, pois isso afetaria sua busca de acordos com a direita e com o regime político de conjunto. Por isso, traíram a luta do povo cochabambino, defendendo o cargo de Reyes Villa (que havia escapado) com o argumento de “respeitar ã democracia”, manobrando o cabildo popular (espécie de reunião aberta), chamando a desagregação para esperar uma futura “lei de referendum revogatório” dos mandatos nacionais, estaduais ou municipais a ser negociada no Parlamento com a própria direita. Sem dúvida, o MAS não pôde impedir que setores de vanguarda saíssem de seu controle e tentassem continuar a luta, pressionando o Conselho Departamental para declarar um “governo municipal revolucionário”, fugaz tentativa que dá conta da profunda crise, do vazio local de poder e da radicalização de setores avançados.
El Alto em pé de luta
A repercussão nacional tomou grandes proporções, ganhando a simpatia de outros departamentos[3], expressas na grande marcha convocada pela Central Obrera Departamental (COD) de Oruro com a participação de milhares de mineiros de Huanuni. Sobretudo, alentou a luta em La Paz contra o prefeito neoliberal José Luis Paredes (PODEMOS), encabeçada pelo povo trabalhador de El Alto. A pressão dos dirigentes de base das juntas vicinais altenhas arrancou da direção Federação de Juntas Vecinales (FEJUVE) a convocação a um combativo cabildo. Evo Morales enviou uma mensagem chamando ã calma e ã desmobilização “para não fazer o jogo da direita” e os dirigentes se esforçaram em vão ao impedir que se votassem medidas radicais. O clima era tal que chegaram a contestar que “o governo devia respeitar aos movimentos sociais e lembrá-lo que ocupava o seu cargo graças a Outubro” e foi votado o chamado ã paralisação cívica com mobilização desde segunda-feira, dia 22, até que Paredes seja derrubado. Edgar Patana, da Central Obrera Regional (COR) e Nazario Ramírez, da FEJUVE, aliados ao MAS, se voltaram nu-ma tentativa de desativar o pro-cesso, armaram um novo “am-pliado” burocrá-tico em plena madrugada para retomar o controle, e restringiram o chamado a uma paralisação parcial, garantindo apenas por setores de vanguarda que impusessem paralisações e outras medidas. Sem dúvida, é sintomático que isto se desenvolva na mesma data em que Evo Morales cumpre o seu primeiro ano de governo, pedindo por um clima de calma para celebrar “na democracia”.
Primeiras conclusões
Cochabamba e El Alto expressam a tendência das massas, ainda que salientem expectativas no governo, ao intervir na crise política, ao se mobilizar para derrotar a direita com seus próprios métodos e por esta via, entrar em choque a política conciliadora do MAS. Apesar de sua influência, lhe custa controlar os setores mobilizados e ã deriva destas contradições, uma vanguarda pode acelerar sua experiência política. Sem dúvida, o fracasso da tentativa de expulsão de Reyes Villa e a “desarticulação” temporária do processo em El Alto demonstram que sem a combatividade e espontaneidade não é tangível, já que as decisões ficam nas mãos das cúpulas burocráticas, “correias de transmissão” da política do, MAS, o que reafirma a necessidade da independência das organizações sindicais frente ao governo. A construção de um pólo ou bloco que levante uma política independente do MAS seria um grande passo e permitiria desde já, chamar as organizações de massas que apóiam-no a não se submeter ã política desarticuladora e acordista do governo e confiar apenas na força da mobilização operária, camponesa, originária e popular para derrotar a reação pró-imperialista, o que ajudaria a acelerar a experiência de massas e minar as manobras da burocracia reformista. A vanguarda deve tirar todas as conclusões desta importante experiência.
Uma política para a mobilização e organização independente
No processo de mobilização em La Paz intervimos colocando os seguintes pontos:Impulsionar a mobilização geral em todo o Departamento, buscando sua extensão a nível nacional.:: Que a mesma conflua em uma verdadeira greve geral política, com paralisação cívica e cortes de ruas, até que se expulse “Pepelucho” Paredes e sejam impostas as demandas do povo trabalhador e humilde.:: Unificar as forças operárias, camponesas, originárias e do povo pobre na luta, em uma verdadeira Assembléia Popular departamental, composta por delegados de base de todas as fábricas, juntas vicinais (organizações de bairro), comunidades, com mandato de suas assembléias setoriais (como fizeram as juntas vicinais que concorreram ao ampliado com suas atas de assembléia e propostas de luta), que poderia se reunir no Estádio altenho, funcionando permanentemente para assegurar a luta até a vitória, impedindo que os dirigentes decidam pelas costas da base.:: Cochabamba demonstra que haverá enfrentamento com as tropas de choque fascistas, com a repressão policial e militar. Para proteger a mobilização de qualquer ataque é preciso organizar comitês de autodefesa de massas, como meio de construir milícias operárias e camponesas.:: Quem deve substituir Paredes e Reyes Villa, inimigos jurados do povo trabalhador? Não qualquer funcionário, mas um governo departamental operário e camponês, eleito e responsável frente ã Assembléia Popular departamental.:: Para lutar por este programa, a única forma de assegurar o triunfo da luta é pela concentração da vanguarda em um bloco de luta e organização pela Assembléia popular departamental que trave a luta no seio das organizações de massas, como a COR, a FEJUVE, a Central Obrera Boliviana (COB) entre outras. Chamamos aos sindicatos combativos, aos dirigentes de base combativos das juntas vecinales, aos companheiros e companheiras mais conscientes e decididos a lutar, provindos das comunidades aimaras e do povo pobre, aos grupos da esquerda operária e socialista, a impulsioná-lo desde já.
NOTAS
[1] Ex presidente da Bolívia que foi derrubado pela mobilização das massas em 2003.
[2] Região composta pelos departamentos mais ricos do país, como Santa Cruz.
[3] Nome dado ás províncias na Bolívia.