ELEIÇÕES ARGENTINAS
A Frente de Esquerda e dos Trabalhadores fez uma eleição histórica
06/11/2013
Derrota do governo e perspectivas de crise política
Os resultados das eleições confirmaram a derrota anunciada do kirchnerismo. A Frente para la Victoria (FpV) perdeu nos principais distritos do país e, sobretudo na Província de Buenos Aires onde a Frente Renovador (FR) de Sergio Massa o superou por 12 pontos. Entretanto, o governo conseguiu recuperar algo do perdido nas PASO, garantindo uma maioria exígua (se apela a “aliados”) em ambas as câmaras. Comparado com os comícios nacionais de 2011 onde CFK obteve 54% a queda foi grande (21 pontos), mas em relação a importante derrota nas legislativas de 2009 após o lock-out agrário, onde ficaram sem quórum, a possibilidade de manter poder no Congresso poderia ser vista como uma arma com a qual tentaram sustentar a governabilidade até as eleições presidenciais. Apesar de tudo, a crise do kirchnerismo é grande, inclusive diferentemente de 2009 não tem sucessor caro como naquele momento o próprio Nestor ou Cristina Kirchner. Ademais, a FPV está dividida internamente e nada indica que não haja novos desprendimentos.
A vitória de Massa favorece um setor que, provindo centralmente do oficialismo busca jogar um papel pelo Fora FpV com uma linha de maior mão dura e uma maior afinidade com o establishment favorável a um ajuste mais direto contra os trabalhadores. Mas a liderança de Massa se circunscreve ã província de Buenos Aires e necessita de projeção nacional para ser presidenciável quando são muitos os “caciques” que disputam a cabeça de uma restauração conservadora. Um primeiro sintoma dos desafios que deverá afrontar o massismo foi a ruptura dos deputados do PRO com a Frente Renovadora ao dia anterior ás eleições e quando Mauricio Macri se candidatou publicamente para presidente em 2015.
O outro setor favorecido da eleição foi o “pan-radicalismo” do qual surgem como presidenciáveis o “socialista” amigo da UCR, Hermes Binner, que ganhou em Santa Fé, o radical direitista Julio Cobos, que fez uma boa eleição na Capital. Seguramente, não sem contradições, disputarão a liderança de uma oposição de direita não peronista.
Transição incerta
O grande problema para garantir uma transição ordenada para 2015, objetivo que compartilham FpV, as grandes patronais e a oposição burguesa é o recrudescimento da interna na coalizão do mesmo governo. O debilitado kirchnerismo terá que optar entre apoiar um candidato surgido dos governadores pejotistas próximos ao FpV ou tentar condicionar a quem seja eleito pelo PJ. Por outro lado, já há um novo enfrentamento com Daniel Scioli, a quem os K buscam converter no bode expiatório da derrota. O vice-governador da província de Buenos Aires, Gabriel Mariotto acusou Sciolli e Insaurralde de terem feito uma campanha “vazia”.
Além da luta aberta isso dá conta de uma crise adicional. A campanha “vazia” delata que os K terminaram de sacrificar sua imagem progressista tomando de cheio a agenda da direita com eixo na segurança e propondo a volta de um novo ciclo de endividamento com os organismos de crédito internacionais.
Mas na coalizão de governo não só tem crise o kirchnerismo. Também podem entrar na disputa os poderes “territoriais” de governadores e intendentes, nervo motor do peronismo governante. A “liga dos governadores” do PJ, aliada ao FpV busca evitar a sangria e fechar o passo ã Massa, enquanto este se propõe a criar uma “liga de intendentes” nacional para estender sua figura para além da Província de Buenos Aires.
Outro pilar histórico do peronismo em crise é a burocracia sindical. Dividida em seus favores a distintos partidos patronais e desprestigiada antes as bases, seu papel político hoje é quase nulo. Resta ver se a CGT de Caló no próximo período manterá sua lealdade ao kirchnerismo ou dará passos a unidade com o moyanismo passando para a oposição.
Em meio do fim de ciclo kirchnerista uma crise política da coalizão de governo pode determinar o futuro da política nacional. O panorama é mais incerto se temos em conta as contradições do “modelo” econômico: o governo foi incapaz de parar a sangria de reservas e deter a inflação. Sua orientação iniciada com o acordo com o CIADI e o Banco Mundial defenderá cedo ou tarde um ajuste contra os trabalhadores. Frente a todas estas “coalizões” burguesas tem debilidade para propor-se como alternativa clara de poder. Neste contexto, a intervenção da Corte Suprema, declarando constitucional a Lei de Meios, lhe assenta um duro revés a outro ator importante da oposição: o grupo Clarín.
O avanço da esquerda classista
Neste fim de ciclo kirchnerista, para os trabalhadores se trata de postular uma posição política própria, independente dos partidos da burguesia e preparar-se ante qualquer tentativa de descarregar a crise sobre suas costas. Neste sentido, o dado relevante dos comícios de 27 de outubro, de transcendência histórica, foi a grande eleição da FIT que obteve uma bancada de deputados no Congresso. Até o direitista La Nacion nas palavras de seu colunista Carlos Pagni, reconhece que a perspectiva de um ajuste encontra um limite no voto da Frente de Izquierda (29/10). Desde a sua formação em 2011 a Frente de Izquierda deu um salto histórico. Em 27 de outubro conquistamos três deputados nacionais, ademais para derrotar a fraude em Córdoba e que devolvam a bancada que corresponde ás forças da FIT, assim como lutando no escrutínio definitivo pelas duas bancadas de Jujuy.
Num país em que a classe trabalhadora vem de uma tradição majoritariamente peronista a extraordinária eleição da FIT mostra uma mudança na subjetividade política de faixas importantíssimas da classe trabalhadora e da juventude. Diferentemente de outras “frentes de esquerda” esta é uma coalizão da esquerda classista que não vai detrás de nenhum setor patronal. A “Nueva Izquierda” que soube se aliar ao Proyecto Sur hoje vai colada em Victor De Gennaro da CTA na Província de Buenos Aires, que ficou reduzida ã sua mínima expressão, como aqueles que como Zamora só aparecem para as eleições.
Os resultados obtidos pela FIT fortalecem e multiplicam as forças dos que lutam por defender a todos e cada um dos setores oprimidos, pelas conquistas da classe operária, dos direitos das mulheres trabalhadoras, dos LGBTTIs, pelas liberdades democráticas. A bancada da FIT em Neuquén já demonstrou como referência da forte mobilização de rechaço entreguista com a Chevron, com um projeto de lei elaborado no debate com os trabalhadores estatais para acabar com o emprego precário no Estado provincial e nestes dias com a apresentação de um projeto pelo boleto gratuito para os estudantes. As bancadas obtidas no Congresso, nas legislaturas provinciais e nos conselhos deliberativos serão postos a serviço da luta de classes e da perspectiva estratégica de construir um grande partido revolucionário da classe trabalhadora.