As eleições de domingo expressaram a força de Lula e do clima social reformista e de continuidade. Dilma foi eleita com 55,7 milhões de votos ou 56% dos votos válidos (menos de 50% se considerados os nulos e os que não votaram). Confirmou seu favoritismo e ampla aprovação entre a classe trabalhadora que votando nela espera avanços graduais em suas condições de vida como continuidade do que consideram conquistas do governo Lula. Esta eleição significou uma consolidação do lulismo em meio a uma polarização mais ã direita do que no primeiro turno com as intermináveis declarações contra os direitos das mulheres e homossexuais feitas tanto por Serra quanto por Dilma. Nem sequer o resultado eleitoral mais apertado desde 1989 conseguiu fazer sacudir o clima de passividade, tendo esta mesma eleição o recorde de votos nulos ou pessoas que não votaram (mais de 20%), somando mais de 30%.

A oposição não saiu derrotada como se previa, conquistou importantes estados, e teve uma expressiva votação com Serra, 44% dos votos válidos. Dilma terá maiores dificuldades do que previsto semanas antes do primeiro turno por quase todos analistas. Já conta com um importante setor da oposição liderado por Serra, com parte importante da grande mídia, e da CNBB já a lhe marcar terreno desde antes da posse. Também já começam a se acalorar disputas internas na própria base de Dilma com o PMDB cobrando incisivamente por cargos. Estes cenários políticos fortalecem tendências ã politização e possível polarização, onde nenhum dos dois lados é um mal menor, e ã maior instabilidade política, pois Dilma não é Lula nem frente ã burguesia nem frente ao movimento de massas. Porém, ainda joga a favor da burguesia a possibilidade desejada por parte das massas que votaram em Dilma: o retorno de Lula quando necessário.

Elementos de polarização política

Dilma e Lula conseguiram manter sua votação no interior do Norte e Nordeste. O Bolsa Família e outros programas assistenciais continuaram a ser um fator importante, mas apesar desse elemento as massas votaram avaliando o aumento do emprego formal, o consumo e o relativo aumento da renda (estabilidade econômica), levando a que mesmo com Dilma o PT tenha podido manter um padrão de votação “nordestino” em quase todas as grandes concentrações operárias do país, por exemplo: São Bernardo do Campo (SP) 56%, Cubatão (SP) 62%, Duque de Caxias (RJ) 73%, Betim (MG) 65%, Contagem (MG) 64%, São Francisco do Conde (BA) 85%, Camaçari (BA) 68%, Manaus (AM), 79%, entre outras. Dilma teria ganho a eleição sem o Norte e o Nordeste, de forma apertada, contando apenas com a vantagem de Brasília, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Nas capitais do Centro-sul, com exceção do Rio de Janeiro e Brasília, a oposição conservou importantes votações.

Este quadro mostra a influência do crescimento econômico e do reformismo, indicando a penetração do lulismo inclusive no estado de São Paulo onde Serra viu amargar a diferença de 4 milhões de votos que Alckmin abriu para Lula para somente 1,8 milhão frente a Dilma. Os votos de Marina Silva migraram em uma porcentagem maior para Serra do que Dilma, mas dividiram-se e variaram muito substancialmente por região, mostrando a pouca uniformidade de seu voto.

Dois sinais opostos se cruzam: crescimento do lulismo inclusive no Centro-sul e inserção mais expressiva da oposição fora de São Paulo e do Sul. A oposição encolheu no Congresso, mas conquistou dez estados, dentre os principais do país. Este resultado, bem como o fato de Dilma não ser Lula e as turbulentas nuvens da situação econômica mundial turvarem o céu de brigadeiro dos últimos anos, podem contribuir para fortalecer a oposição numa linha por ora incentivada por Serra e grandes mídias como os jornais O Estado de São Paulo e O Globo de não conferir nenhuma lua-de-mel a Dilma. Não está claro se prevalecerá exclusivamente esta linha, havendo sinais também de paciência e tentativa de ganhar setores de classe média e da juventude para apoiar Dilma com o discurso de primeira mulher presidente e das “mulheres ao poder” mesmo depois de tantas declarações contra o direito ao aborto e o casamento igualitário ao sabor das exigências papais.

Um dos principais condicionantes ã fortaleza da oposição é sua falta de direção e os conflitos internos. De uma só vez Serra conseguiu azedar-se com duas figuras importantes – FHC e Aécio –, sem sequer mencioná-los no discurso pós-resultado oficial. Serra declarou-se chefe da oposição e que voltará fazendo política a partir das “trincheiras conquistadas”. FHC já se declarou irritado dizendo “não endossar um PSDB que não defenda sua história” (Folha de S. Paulo, 2/11) e Aécio tem dado mostras de que quer dialogar com partidos que fazem parte da base do governo, buscando ver se consegue influir em alguns setores ou mesmo buscar um vôo próprio. Soma-se a isto as feridas abertas com aliados como o DEM, que ganhou dois estados mas sai muito enfraquecido, podendo gerar problemas futuros para o PSDB e Serra reorganizarem a oposição, deixando aberta a possibilidade de negociações do DEM até mesmo com setores governistas como o PMDB.

Mal menor ou se preparar para uma mudança da situação?

Muitos intelectuais, a maioria do PSOL (todos os parlamentares) e o PCB se dirigiram aos trabalhadores chamando-os a votar criticamente em Dilma como um mal menor. Utilizaram como argumentos um suposto trato menos duro com os movimentos sociais, mas fecharam os olhos para a continuada impunidade dos assassinatos de sem-terra no campo, para os ataques ao direito de greve e para a capitulação do PT e de Dilma diante das pressões reacionárias das igrejas contra o direito ao aborto e aos direitos civis dos homossexuais. Argumentaram que haveria aumento do emprego, renda e do consumo, mas calam-se frente ao crescente endividamento que as famílias brasileiras tem tido e para a persistente precarização do trabalho que ocorre em meio ao crescimento econômico lulista. As principais centrais sindicais como a CUT, Força Sindical e CTB militaram ativamente por Dilma semeando mais ilusões nos avanços graduais. Estas centrais tem garantido um pacto social informal com as patronais e o governo onde conseguem aumentos salariais acima da inflação para as categorias mais tradicionais e organizadas que são sempre inferiores ao crescimento dos lucros e da produtividade do trabalho, enquanto silenciam seus microfones e panfletos diante da precária condição dos terceirizados e temporários. Se não bastasse este retrato do que é o “Brasil que avança” de Dilma e Lula nuvens carregadas da crise econômica mundial tenderão a colocar em questão esta situação precária que a classe trabalhadora ainda vê como avanço.

A evolução da crise e das contradições internas que se acumulam pode abrir distintos cenários e ritmos.No entanto, há alertas importantes e é dever da vanguarda se preparar para mudanças de situação. A recente eleição de uma câmara de deputados com expressiva maioria republicana nos Estados Unidos deve fortalecer medidas protecionistas por parte do governo Obama em meio ã “guerra cambial” em curso aumentando as contradições da economia no Brasil. O país vem acumulando déficits em suas relações comerciais e financeiras com o mundo, como produto do fortalecimento do Real e do elevado consumo interno, das importações e pela remessa de lucros e juros. Este cenário tem acendido luzes amarelas e invadido as páginas dos principais jornais do país. O próprio Lula anuncia que precisará tomar medidas, fazendo “ajustes orçamentários” e alterando ou controlando mais estritamente o câmbio. Dilma, assegura que o pacote de seu mentor não será um pacote de maldades, mas como pode fechar a equação do que ela promete – continuar a política de garantir os imensos lucros capitalistas – sem atacar o funcionalismo ou as massas? Dilma tem prometido que combaterá a inflação, não aumentará impostos, e até mesmo os reduzirá, não cortará serviços essenciais e ainda reduzirá o déficit fiscal superando o “superávit primário” (a economia antes dos juros que vigora desde FHC) para um superávit nominal (ou seja, uma economia ainda maior para sobrar depois de pagar os juros da dívida). Como farão isto sem atacar as massas num cenário internacional que será no mínimo pior que o atual?

Avanço contra a direita, avanço das mulheres?

Intelectuais conhecidos internacionalmente como Marilena Chauí, organizações feministas como a Marcha Mundial de Mulheres, têm declarado que a eleição de uma mulher seria um avanço. No entanto, não menciona que Dilma foi eleita jurando ao Vaticano e a cada igreja evangélica que não apoiará, e inclusive vetará se o congresso aprovar, qualquer lei que descriminaliza o aborto ou avance nos direitos civis dos homossexuais.

Como pode ser um avanço contra a direita um governo que durante as eleições ajudou a consolidar posições fortes do Vaticano e das igrejas evangélicas? Como pode ser um avanço contra a direita se junto de Dilma estão Sarney, Collor e o sempre-situação PMDB que encolheu no Congresso mas ainda é o segundo maior partido e na figura do vice-presidente eleito, Michel Temer, tem exigido mais e mais cargos? É este o avanço?

Não bastasse o fogo da mídia e de setores da oposição que já estão em sua “trincheira” Dilma ainda contará com bastante fogo amigo de suas alianças, uma fonte permanente de instabilidades que mesmo um Lula do alto de sua popularidade teve que arcar. A estabilidade que pode ser conquistada será ás custas de muitos cargos e corrupção. A estabilidade de Dilma diante da campanha da CNBB que já lhe exige mais garantias do que prometeu nas eleições só pode ser construída renegando os direitos e os corpos de mulheres e homossexuais. Chega do silêncio em busca de mal menor. Passou a hora da intelectualidade, organizações democráticas, populares e partidos de esquerda não permitirem a consolidação destas posições de setores reacionários sem o nosso protesto nas ruas pelo direito ao aborto, legal, livre, seguro e gratuito e os direitos civis dos homossexuais.

Por uma alternativa política independente

A precarização do trabalho, os ataques ao direito de greve mesmo em meio ao crescimento econômico, agora com maiores sinais de alerta pela evolução da situação internacional, bem como a reacionária posição conquistada pela direita com suas igrejas ã frente exigem da vanguarda uma intransigente defesa dos direitos dos trabalhadores, das mulheres e homossexuais como parte de uma política independente tanto do lulismo e de Dilma como da não tão derrotada oposição. É preciso superar a confusão que posições como as do PCB e do PSOL semeiam, combatendo decididamente a linha pragmática e de capitulação reacionária do petismo.

Dilma governará como continuidade do período lulista, ou seja, reservando medidas demagógicas e precárias para as massas e os trabalhadores enquanto prioritariamente privilegia os negócios e interesses dos capitalistas nacionais e estrangeiros. Combater essa estratégia burguesa é a alternativa independente que os trabalhadores, em primeiro lugar a vanguarda organizada nos partidos de esquerda independentes do lulismo como o PSTU e PCO, e na CSP-Conlutas, devem buscar construir e organizar com um programa de ação classista, anticapitalista e antiimperialista. Em última instância se acelerarão os tempos em que, diante dos efeitos da crise capitalista mundial, mais cedo ou mais tarde a classe trabalhadora e suas organizações de luta deverão encarar a questão fundamental: os capitalistas pagarão os custos da crise que criaram ou os trabalhadores e o povo pobre arcarão com custos sociais catastróficos. A LER-QI dedica suas forças para forjar uma vanguarda operária e estudantil e intelectuais comprometidos com a classe trabalhadora para que atue nas lutas de hoje se preparando para contribuir ao que mais faz falta na realidade brasileira, um partido revolucionário pautado por uma estratégia de independência política e de classe frente tanto ã oposição como ao lulismo.