ANALISE
Está vindo um novo levante revolucionário na Tunísia?
22/05/2015
Há semanas a situação na Tunísia vem se tornando tensa. No dia 13 de maio as greves de juízes e professores primários paralisaram os tribunais e as escolas de todo o país. Quase 67 mil professores pararam para reivindicar melhorias salariais e de condições de trabalho. No mês passado os professores do ensino secundário já haviam paralisado.
Por sua parte, a greve selvagem de cinco dias iniciada sem aviso pelos operadores de trem de Sfax – cidade industrial – paralisou o sistema ferroviário no país, e está temporariamente suspensa até 1° de junho, segundo um comunicado dos grevistas em 18 de maio, após um acordo com o sindicato majoritário União Geral dos Trabalhadores Tunisianos (UGTT). Os operadores de trem ameaçaram se somar ã greve em caso de que suas reivindicações, como a revisão do salário base, colocar em dia o 13° salário e retomar as promoções durante o ano, não sejam atendidas.
No momento os sindicatos bloqueiam a produção de fosfatos, uma das principais fontes de riqueza do país. Também os funcionários da Transtu (principal operador de transporte urbano) declararam greve para os dias 26, 27 e 28 de maio; greve dos agentes de praças de pedágio Mornag, prevista para os dias 30 e 31; greve dos centros de formação profissional dias 26 e 27 e a greve dos agentes e funcionários do Ministério do Interior desde o dia 19 até hoje.
Com essas paralisações, são 474 ações de protestos registradas no último mês na Tunísia, conforme as estatísticas publicadas na semana passada pelo Foro Tunisiano de Direitos Sociais e Econômicos. Todos esses movimentos são a expressão do mal-estar social que os sucessivos governos não resolveram.
“Dignidade” e “Trabalho”
Em Metlaoui, Om Lrayes, Mdhila e Redayf, cidades da região de minas do sul do país, paralisadas a partir de hoje por uma greve geral, centenas de moradores saíram ás ruas exigindo trabalho e protestando contra o elevado desemprego.
Esta ação é uma continuidade e evolução da campanha lançada na semana passada com a instalação de acampamentos de protestos com cartazes exigindo “dignidade” e “trabalho”. Um desses, irônico, anuncia: “Compramos e vendemos diplomas universitários”, mostrando o desespero até de graduados na universidade quatro anos depois da revolução que derrubou o ditador Ben Ali.
O desespero desses grupos sociais continua aumentando, revelando a desilusão com a falsa “transição ã democracia” negociada pelo regime e comemorada por todos os países imperialistas como o único exemplo de mudanças exitosas nessa região.
“Esgotamos todas as nossas opções”, disse Zied Salem, há nove anos formado em Matemática, mas obrigado a fazer contrabando para sobreviver, até que o governo reprimisse essa atividade. “Depois da revolução até sonhamos, mas agora roubaram nosso sonho.” Salem afirmou que os líderes democraticamente eleitos na Tunísia correm o risco de sofrerem o mesmo destino do ditador Zine El-Abidine Ben Ali, que caiu na revolução de 2011.
“Se não nos garantem trabalho rapidamente suas vidas serão mais difíceis. Vamos nos rebelar e expulsá-los, como Ben Ali”, afirmou Salem, acampado em frente aos escritórios da empresa de fosfato.
Não nos esqueçamos que o processo revolucionário na Tunísia e no mundo árabe teve seu primeiro despertar com a imolação de Mohamed Buazizi, em dezembro de 2010. Este jovem de 26 anos protestou queimando-se contra as arbitrariedades das autoridades locais. Vendedor ambulante de frutas e verduras, um funcionário público havia confiscado sua banca e o humilhou em público. Privado do seu meio de vida e de sua dignidade, o desespero de Buazizi se traduziu numa reação dramática.
Uma crise de autoridade do Estado
Esta contestação social crescente está revelando as dificuldades do governo em conter o descontentamento econômico e social, em momentos que a contração econômica pesa muito. Por um lado, os aumentos salariais concedidos aos professores secundários e aos funcionários públicos impõem ao Estado se endividar ainda mais para cumpri-los; de outro lado, essas concessões estimulam outras categorias sociais, dando vida a um processo que não tem perspectiva de ser contido.
O mais grave para a burguesia é que se manifesta uma crise de autoridade do Estado. É o que indica o jornal El Watan da Argélia, descrevendo a atitude do governo diante dos grevistas: “...o governo decretou na última sexta-feira uma ordem de volta ao trabalho destes empregados [os operadores de trem], deixando-os sujeitos a processos penais se mantiverem esta greve esta greve não reconhecida pela poderosa central sindical UGTT. ‘A continuidade da greve, apesar da ordem de retorno dos empregados e o não reconhecimento do movimento pela UGTT, refletem as dificuldades que o Estado enfrenta para impor sua autoridade’, disse o secretário geral do partido Al Massar, Samir Taieb.”
As mesmas dúvidas para o Estado se apresentam na região mineira de Gafsa, agora em sua terceira semana de fechamento total das empresas de mineração de fostato e de ácido fosfórico, que são a principal riqueza da mineração no país. O chefe de governo Habib Essid anunciou na última sexta-feira várias medidas sociais e econômicas para a população da zona de mineração visando a superar o desemprego, a pobreza e a marginalização que afetam esta região. “O problema, segundo Samir Taieb, é que as promessas já foram feitas pelos três governos que assumiram depois de Ben Ali, sem jamais serem cumpridas”.
A oposição começa a se preocupar: “Se o governo não toma medidas concretas nas próximas duas semanas a situação pode se complicar ainda mais e talvez não possamos controlá-la”, disse Ammar Amroussia, líder do partido Frente Popular.
Um duro teste para o regime gatopardista (1) tunisiano: o papel da UGTT
Como assinalamos, a Tunísia foi o berço da primavera árabe e, junto com o Egito, o país no qual a classe operária interveio como força mais ou menos organizada. Após a queda de Ben Ali, em janeiro de 2011, se abriu uma etapa de grande instabilidade política, protestos e greves que deu fim ao governo transitório formado por figuras do velho regime.
Em outubro daquele ano se realizaram eleições para a Assembleia Constituinte, que resultou num mapa político muito fragmentado, com uma relativa vantagem para o partido islamista Ennahda que formou um governo provisório junto com os três partidos majoritários laicos. Porém, a situação continuou muito instável com uma crescente polarização entre partidos laicos e islamistas, no contexto de uma continuada deterioração das condições de vida das amplas massas populares.
Em 2013 foi assassinado o dirigente operário de esquerda Chokri Belaid. Este crime político disparou uma onda de protestos, incluindo uma greve geral, e acelerou o enfrentamento entre setores laicos e islamistas. A abdicação do poder dos islamistas permitiu uma saída política na qual foi fundamental o papel da UGTT.
A nova constituição só pode ser aprovada em 2014. Nas eleições de outubro do ano passado triunfou um partido burguês liberal laico que destronou do poder o Ennahda. Finalmente, em princípio de 2015 se formou um governo de coalisão entre laicos e islamistas moderados, encabeçado por um antigo funcionário do destituído Ben Alí.
Este novo governo é quem hoje se encontra diante de um duro teste social, envolto numa situação econômica que só tem piorado. Não sabemos ainda se os elementos que descrevemos vão conduzir a uma explosão revolucionária. Mas que o governo, há poucos meses de ter assumido, já esteja contestado por tal mobilização mostra mais uma vez a vitalidade das massas e do movimento operário tunisiano, apesar dos duros golpes e das desilusões.
O fundamental é que nos próximos rounds possa ser formada uma ala revolucionária que supere a direção da UGTT, essa enorme e poderosa central sindical que vem desempenhando um papel chave desde a independência do país e que teve seu peso e atuação política-reivindicativa fortalecida após a queda de Ben Ali. O seu papel de expressar a radicalidade dos setores em luta e das regiões, ao mesmo tempo em que procura contê-la, evitando sempre um combate direto com o poder, é o fator essencial que explica porque na Tunísia o processo revolucionário não pode ser desviado com métodos de reação democrática, diferente do Egito e do golpe contrarrevolucionário dos militares.
Superar esta direção burocrática, ao tempo em que se ampliar a UGTT até as mulheres trabalhadores e das empresas de capital privado, transformando-a num verdadeiro contrapoder operário e popular, são tarefas centrais do próximo período para que os novos sintomas do despertar revolucionário das infatigáveis massas tunisianas não desemboquem novamente em frustração ou outra derrota.
(1) Regime gatopardista para expressar que o novo regime surgido da derrubada da ditadura de Ben Ali, em 2011, é uma “mudança para conservar” os pilares fundamentais do sistema capitalista tunisiano.