Não é guerra, mas as vítimas se contam em centenas
Mais uma tragédia anunciada no Rio de Janeiro: produto do descaso dos governos e da ganância capitalista
14/01/2011
Mais uma imensa tragédia ocorreu no Rio de Janeiro, desta vez na região serrana. No momento em que escrevíamos esta declaração já haviam mais de três centenas de pessoas mortas em Teresópolis, Nova Friburgo e Petrópolis, onde milhares estão abandonados a sua própria sorte e outros milhares estão desabrigados ou abrigados em colégios. As imagens das televisões mostram, mais uma vez, os trabalhadores e moradores de Teresópolis escavando os escombros com as mãos para tentar salvar vidas, pois não há equipamentos, bombeiros e funcionários municipais ou estaduais treinados. Estas mortes e pessoas desabrigadas são produto do descaso dos governos e não das chuvas. Estas chuvas e tragédias ocorrem anualmente em diferentes cidades de todo país, e em regiões do Rio de Janeiro, como aconteceu no ano passado em Niterói e Angra dos Reis.
O número de mortos tende a crescer, pois como afirmou o prefeito da cidade de Teresópolis muitas regiões onde ocorreram deslizamentos ainda não obtiveram nenhuma ajuda e muitas pessoas estão desaparecidas. Em Teresópolis, cidade mais atingida, o número de óbitos passa de 152, segundo o secretário municipal de Meio Ambiente e Defesa Civil, Flávio Luiz de Castro. Ocorreram diversos deslizamentos durante a madrugada nas regiões periféricas da cidade, atingindo diversas casas. As imagens são impressionantes, várias casas totalmente soterradas pela lama que desmoronou das encostas. O número de desalojados ou desabrigados chega a 3 mil.
Na cidade de Petrópolis, região vizinha, o número de mortos passa de três dezenas. Em Nova Friburgo a situação também é caótica, o Rio Bengala, que corta o centro da cidade, transbordou e várias pontes desabaram. As enchentes e os deslizamentos resultaram em mais de 168 mortes, e um ginásio de uma escola serve de necrotério. Em Itaipava, distrito de Petrópolis, a água subiu mais de dois metros e meio e invadiu a cidade. Em todas essas regiões muitos dos sobreviventes encontram-se ilhados, sem luz, água, alimentação regular, telefone e comunicação. O descaso das autoridades com o socorro também é evidente. Enquanto o Exército ocupa e reprime diariamente os moradores dos morros cariocas a milionário custo, verbas irrisórias são destinadas ás obras, equipamentos, forças de reservas e treinamento para a Defesa Civil, causando as tragédias anuais que poderiam ser evitadas.
Os governos são responsáveis e não a chuva A chuva que caiu nesta madrugada foi recorde. No entanto, meteorologistas todos os anos alertam sobre essas ocorrências que acontecem em média de 20 em 20 anos, como vimos no Morro do Bumba, em Niterói, ou na Ilha Grande, em Angra dos Reis, no ano passado. E tal como havia ocorrido ano passado em Niterói as prefeituras tinham inúmeros laudos em suas mãos demonstrando os riscos, mas nada fizeram para salvar a população. O presidente do CREA-RJ declarou ã Agência Estado que "fizemos contatos [com os prefeitos da região serrana] regulares por meio dos engenheiros filiados ao CREA-RJ e nunca obtivemos resposta. Isto não é novidade. Em Niterói, mesmo após a tragédia do Morro do Bumba, a prefeitura não respondeu aos nossos demais alertas, e ainda afirmou que o planejamento urbanístico da ocupação do solo na Região Serrana é ‘próximo de zero’".
Estes prefeito choram lágrimas de crocodilo diante das tragédias anunciadas. Bem como o governador Sérgio Cabral, o ex-presidente Lula e a atual presidente Dilma. Eles e a mídia sempre culpam a chuva recorde e prometem mundos e fundos para a ajuda. No entanto, o orçamento para prevenção de enchentes, contenção de encostas e alagamentos em todo o país, foi de R$ 168 milhões no último ano do governo Lula, e agora no primeiro ano da presidente Dilma o montante é só de R$ 137,5 milhões. Este valor é uma piada contra a população, levando-se em consideração que foram gastos em 2010 quase R$ 200 bilhões com os juros das dívidas interna e externa. Ou seja, a cada oito horas os governos Lula e Dilma entregam aos 25 mil detentores da dívida o mesmo que gastam no ano, no país inteiro, para prevenção destas tragédias. Isso mostra como nem o governo Lula nem o atual governo de Dilma podem responder a direitos tão elementares como a vida e a moradia. E os governos estaduais e prefeituras a cada ano diminuem as verbas para obras contra enchentes.
O Rio, cartão postal do país, é uma expressão aguda do que ocorre em todos os estados
A burguesia brasileira, com Dilma, Lula e Cabral ã frente, tenta mostrar um Rio de Janeiro que seria a porta de entrada de um país que aspira ser potência mundial. A Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 aceleram a transformação desta cidade em cartão postal, ocupando com armas e violência os morros e reordenando a malha urbana com remoções de favelas e grandes obras públicas. No entanto estas tragédias mostram um Brasil precário e de péssimas condições de vida. Estas imensas tragédias são produto de uma urbanização organizada para os negócios capitalistas. As centenas de mortos de ontem e hoje no Rio são uma continuidade do ocorrido ano a ano, assim como as mortes que ocorreram neste ano em São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo. O descaso dos governos com a garantia de condições dignas e seguras de moradia é diretamente proporcional aos impostos e benefícios garantidos aos detentores das grandes propriedades urbanas. Diversas cidades do país ainda garantem os absurdos e arcaicos impostos chamados de “foro” e “laudêmio” que são pagos a donos hereditários e eternos das propriedades, tributos pagos pela população como um direito feudal da renda da terra.
Em Petrópolis, onde milhares se amontoam em perigosos morros, todos os moradores do centro da cidade pagam um laudêmio de 2,5% sobre o valor de venda de propriedades. Este tributo feudal vai para a família Bragança e Orleans (!), detentora eterna do direito de propriedade nesta região. Enquanto centenas morrem os herdeiros do trono imperial seguem vivendo suas boas vidas, garantidas pela lei brasileira e os governos. Segundo a prefeitura do Rio de Janeiro, ela também herdeira de terras da monarquia, detinha em 2007 títulos que exigiam laudêmios e foros a 28 mil imóveis na cidade do Rio de Janeiro, em diversos bairros tais como: Bangu (parte), Botafogo, Catete, Catumbi, Centro, Copacabana, Cosme Velho, Estácio, Fátima, Flamengo, Gávea, Gamboa, Glória, Laranjeiras, Magalhães Bastos (parte), Padre Miguel (parte), Realengo (parte), Rio Comprido, Santa Teresa, Santo Cristo, São Conrado e Saúde [1]. Segundo a mesma associação de donos de imóveis, contrários a estes títulos feudais, cinco famílias herdeiras de sesmarias recebem laudêmios e foros por 30 mil imóveis em Botafogo [2], e há ainda notícias de que a igreja católica recebe estes mesmos benefícios em todo o país.
Enquanto centenas morrem todo o ano, milhões de reais são destinados a estes latifundiários. É mais do que justo e legítimo exigir que as vendas de propriedades pequenas e médias sejam isentas desses tributos, assim como lutar para instituir impostos progressivos sobre as grandes heranças e propriedades. Nenhum tributo ã família Bragança e Orleans!
Por um programa para efetivamente garantir a solidariedade e lutar por dignas e seguras condições de moradia e vida
Ano a ano ocorrem estas tragédias e os governos e a mídia culpam a chuva e organizam coleta de alimentos, roupas e remédios. No entanto, repetem-se incêndios, roubos e apodrecimentos destas coletas que nunca chegam aos moradores. É urgente que os sindicatos, organizações populares e estudantis organizem esta solidariedade garantindo a coleta e distribuição. Não será pelas mãos dos governos, responsáveis pelas tragédias, que se garantirá solidariedade e muito menos a prevenção destas tragédias recorrentes e, menos ainda, um plano de obras públicas que garanta moradias dignas e seguras. A FUP, sindicato nacional dos petroleiros, a CUT, a Força Sindical, a CTB e outras centrais sindicais, assim como o MST e a UNE continuam calados e imóveis diante dessas tragédias. Em nome de manter seus acordos e apoios ao governo federal e ao governo Cabral deixam os trabalhadores e moradores dessas regiões abandonados ã própria sorte. Isso é inconcebível!
– Por isso propomos ã direção da CSP-Conlutas (que no RJ dirige os importantes sindicatos de previdenciários e profissionais da educação) que exija das centrais sindicais (CUT, Força Sindical, CTB e outras) e seus sindicatos, MST e UNE a organização imediata de uma unitária campanha de solidariedade operária e popular aos atingidos pelas enchentes em todo o país, concentrando esforços no Rio de Janeiro. Essa campanha deve ser assumida efetivamente pelas principais organizações de esquerda (PSOL e PSTU).
– Exigência para que os deputados e senadores aprovem em regime de urgência a isenção para os pequenos e médios proprietários de impostos sobre a compra e venda de propriedades e a instituição de impostos progressivos sobre as grandes heranças e propriedades. Os que mais têm nada pagam! Esses recursos devem ser obrigatoriamente destinados ã construção de moradia popular e saneamento básico.
– Que os governos federal, estaduais e municipais liberem imediatamente verbas suficientes para o atendimento nas áreas inundadas. A utilização dos recursos deve ser fiscalizada por um comitê de trabalhadores e moradores, constituído por representantes das centrais sindicais e das associações de moradores das regiões inundadas.
– O estado deve requisitar ás grandes empresas e concessionárias de equipamentos, sem custos, dezenas de escavadeiras, tratores, caminhões fora-de-estrada, barcos, lanchas, botes e equipamentos necessários para o socorro ás vítimas. A Petrobrás e a Vale do Rio Doce detêm equipamentos e recursos humanos e técnicos que podem ser utilizados no socorro aos inundados. Não é possível ver o povo buscando e salvando vítimas com as próprias mãos enquanto centenas de equipamentos e pessoal treinado estão imobilizados nas empresas e concessionárias.
– Não pagamento das dívidas interna e externa para garantir recursos para moradia digna, saneamento básico e infra-estrutura!
– Pela imediata reversão das centenas de milhões de reais gastos com as tropas e toda operação militar no Haiti para um plano de obras públicas controlado pelos sindicatos e associações de moradores para garantir emprego, moradia, educação, transporte, saúde e lazer dignos.
Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 2011
NOTASADICIONALES