Pequim 2008
O lado obscuro das olimpíadas
06/09/2008
No dia 24 de agosto se encerraram os Jogos Olímpicos de 2008, que foram acompanhados por milhões de telespectadores em todo o mundo. Ainda que os meios de comunicação pretenderam mostrar durante estes 16 dias um ambiente onde reina o espírito esportivo, de competição saudável onde o esforço individual é a fórmula para alcançar um novo recorde, a realidade está muito longe disso.
Quase vinte anos depois da matança na Praça de Tiananmen, Pequim, a mesma cidade que foi testemunha do passo dos tanques que esmagaram a revolta, se converteu no cenário dos Jogos Olímpicos. A cerimônia de abertura, que contou com a presença da alta cúpula política mundial desde George Bush, Nicholas Sarkozy, George Brown, passando por Vladimir Putin, o primeiro ministro do país anfitrião Wen Jiabao e toda a cúpula do PC Chinês, é um verdadeiro retrato da hipocrisia por trás deste manufaturado espetáculo esportivo. Suas palavras defendendo a harmonia e a estabilidade internacional sob o lema "um mundo, um sonho" soa mais hipócrita na boca dos que são responsáveis pelas invasões no Afeganistão e no Iraque ou pela repressão de Tiananmen.
Na realidade o ‘espírito’ dos jogos desde que foram ressuscitados em 1896 pelo Barão de Pierre de Coubertin, sempre foi o de ressaltar o esforço individual, para além das condições de treinamento tão diferentes dos atletas de um país imperialista comparados com os de um país dependente. Por outro lado, estas jornadas têm servido para recriar o patriotismo e chauvinismo das nações, onde o que importa é ver qual país ganha mais medalhas. Já em 1936, nas Olimpíadas de Berlim, as grandes potências imperialistas mostravam sua complacência com os nazistas. Em 1968, os Jogos celebrados no México tiveram como trágico cenário o massacre de Tatlelolco, quando no dia 2 de outubro, justo a 10 de que começaram os Jogos Olímpicos do México, os estudantes convocaram um ato e marcha na Praça das Três Culturas, que foi brutalmente reprimido e ainda que até hoje não foram esclarecidos os fatos, fala-se em 300 manifestantes assassinados.
Como em tantos outros eventos esportivos ou culturais que apelam a um grande público, a organização e os lucros ficam nas mãos de uma elite. No caso do Comitê Olímpico Internacional, que é o organismo que decide a sede, tem sido foco de críticas já que recebeu várias acusações de propina e foi recheado com casos de corrupção na hora de determinar a cidade ganhadora. Não podia ser diferente, já que este comitê seleto é composto por nove presidentes, cinco dos quais ostentam títulos nobiliários, outro deles, Samaranch, foi um alto mandatário do General Franco.
Outra faceta da hipocrisia manifestada neste evento internacional é o papel dos patrocinadores oficiais das multinacionais como a Pepsi, Omega e McDonald’s e a sede de competição das grandes cadeias televisivas pelos direitos de transmissão com os subseqüentes lucros que estes representam ao contar com milhões de telespectadores em todo o mundo.
Há mais aspectos a serem denunciados nestes jogos. O negócio da construção dos prédios utilizados para os jogos não deixa dúvidas dos reais interesses que estão em jogo. Os gastos de construção dos jogos foram enormes. Pequim gastou 40 bilhões de dólares na construção de estações de trens e facilidades para as olimpíadas. A construção do estádio de esportes principal, batizado de "Ninho de pássaros" custou 500 milhões de dólares, o centro de natação 100 milhões. Para poder construir estes prédios foram desalojados 1 milhão e meio de residentes, e por sua construção os trabalhadores receberam o pagamento de 4,7 dólares por dia e foram obrigados a trabalhar 7 dias por semana. Como em sua maioria este trabalho é realizado por imigrantes que se deslocam para a cidade, no geral vivem nos locais de trabalho, ao céu aberto e sem nenhum tipo de segurança de trabalho. Enquanto as grandes empresas construtoras que ficaram com a licitação são premiadas com grandes lucros e vão ter concessão da administração por 30 anos, apesar do financiamento público, os que se manifestaram e organizaram protestos contra estes abusos, foram silenciados ou mandados para a prisão. Somado a isto, os bairros pobres da cidade foram afetados, sofrem um processo de aburguesamiento tal, que suas facilidades serão acessíveis somente para aqueles que puderem pagar serviços privatizados. Apesar disto, ainda não se sabe se os mais de 40 bilhões de dólares invertidos pela China para realizar os Jogos Olímpicos lhe depararão algum beneficio.
Claro que quem realmente perde nestas olimpíadas são os trabalhadores chineses. Quase 50% destes sobrevivem com salários inferiores a dois euros, a metade dos quais o fazem com somente um euro por dia (menos de 5 reais). Como temos tratado nos artigos da revista Estratégia Internacional, o milagre chinês baseia-se na super-exploração de sua força de trabalho, com jornadas de até setenta horas semanais e salários abaixo do salário mínimo. São registradas mais de 15 mil mortes de operários por ano por causa de acidentes de trabalho e denuncias de casos de exploração infantil em níveis quase de escravidão.
Este, no entanto, tem sido um ano adverso para a China. Uma série de catástrofes naturais, as tormentas de neve em fevereiro e o terremoto em Sichuan no dia 12 de maio, que destruiu centralmente escolas, colocaram em evidência o mal estado dos sistemas de eletricidade e edilicio existente na China e a presença de altos níveis de corrupção e pagamento de propinas na indústria de construção. É por isso que o governo saiu rapidamente para auxiliar as vitimas do terremoto para cobrir sua imagem internacional. Outro aspecto que também foi objeto de crítica, foi a brutal repressão ao Tibet, ainda que evidentemente não é das vozes de George Bush, Putin ou Gordon Brown que sairão bons conselhos sobre este assunto.
Muitos espectadores se alegraram ao ver que esportistas amadores conseguem obter alguma medalha, já que simpatizam com sua dedicação fora do trabalho, muito diferente das condições dos atletas profissionais. Entretanto, por trás desta imagem de espírito esportivo, e contrário ás palavras do chefe do comitê organizador dos jogos, Liu Qi, que disse que as olimpíadas foram "uma grande celebração do esporte, da paz e de amizade", há uma triste verdade produto da manipulação da mídia e da sede de lucros das grandes empresas. Não se trata de nenhuma novidade, o mesmo ocorre com as transmissões dos mundiais de futebol que deixam bilhões de dólares para as grandes multinacionais que dominam os meios de comunicação.
Traduzido por Míriam Rouco