IMPORTANTE DEBATE NA CENTRAL OPERáRIA BOLIVIANA (COB)
Rumo ã fundação de um Partido de Trabalhadores?
28/01/2013
Por Javo Ferreira, LOR-CI
Nas últimas quinta e sexta-feira, 17 e 18 de janeiro, na cidade de Cochabamba, foi realizada a “Primeira Conferência Político-Sindical dos Trabalhadores da Bolívia”. Ali foi decidida a fundação do Instrumento Político de Trabalhadores, aprovando-se em geral a declaração de princípios, programa de governo e estatutos do partido. Organizada pela federação mineira FSTMB e a Universidade Operária do Século XX, a Conferência contou com a participação de Juan Trujillo (Secretário Executivo da COB) e Jaime Solares (representante do CEN da COB), dirigentes das Centrais Operárias Departamentais de Cochabamba, Oruro, Tarija, La Paz e Santa Cruz, assim como de Confederações e Federações de fábricas, professores, da saúde e outros setores; além de várias dezenas de trabalhadores fabris de base e militantes da esquerda socialista. Com mais de 550 participantes se levou adiante a análise dos documentos apresentados como base para fundação do Instrumento Político dos Trabalhadores (IPT).
Dois dias de debates, contribuições e emendas aos textos conduziram a aprovação da fundação do “partido da COB”, cujo programa, estatutos, nome e sigla definitivos serão discutidos e aprovados no congresso de fundação, que deverá se reunir em um prazo de 30 dias, prazo em que as organizações sindicais devem “baixar” a discussão e recorrer ás opiniões dos trabalhadores de base.
Um fenômeno de grande importância
Sob um governo como o de Evo Morales e o MAS, que se apresenta como condutor de um “processo de mudança” sob discurso nacionalista e indigenista e reivindicando a “hegemonia dos movimentos sociais”; a histórica Central Operária Boliviana, com o impulso da FSTMB está discutindo a criação de um partido dos trabalhadores ligado aos sindicatos é um fato de importância política na Bolívia, mas também digno de atenção fora das fronteiras nacionais. Esse fato, junto a que na Argentina uma importante fração dos sindicatos tenha feito uma paralisação no dia 20 de novembro contra o governo de Cristina Kirchner, é indício de que algo está se gestando entre os trabalhadores do Cone Sul.
Os governos de corte nacionalista e progressista como o de Evo Morales na Bolívia, o de Chávez na Venezuela, Corrêa no Equador, os Kirchner na Argentina etc., que tem em comum a colaboração de classes a serviço da burguesia, surgiram do desvio dos levantamentos que ocorreram na América Latina no início do milênio. Após uma década em que conseguiram recompor regimes políticos e certa “paz social”, apoiando-se em uma favorável situação econômica e certas concessões parciais, fica evidente que nem a subordinação ao imperialismo, nem os grandes problemas nacionais, nem a situação de exploração e miséria de amplas massas operárias, camponesas e populares tem sido resolvida. Esses limites são evidentes no “processo de mudança” onde o governo Evo tem se distinguido por manter os altos níveis de exploração operária, baixos salários e precarização, por uma política privatista e favorável ás transnacionais da mineração e ataques ás conquistas de setores de trabalhadores, inclusive o direito a sindicalização (utilizando o reacionário Estatuto do Empregado Público para proibir a organização dos trabalhadores em instituições e empresas públicas [1]).
Um processo de lutas operárias que enfrenta o governo de Evo
Desde 2010, quando a “rebelião fabril” rechaçou uma reacionária reforma do Código do Trabalho e após o massivo protesto operário e popular que obrigou o governo a recuar no “gasolinazo”, vem se sucedendo lutas importantes de setores indígenas (como a longa luta dos mojeños (Yuracares) e chimanes contra o plano oficial de atravessar com uma estrada o parque Isiboro-Secure – TIPNIS, que enfrentaram uma duríssima repressão a mando do governo de Evo Morales e após manobras de um referendo armado) e de trabalhadores, como a dos professores, os trabalhadores da saúde, os mineiros assalariados de Colquiri e outras, assim como diversas reivindicações como a Lei de Pensões, a Segurança Social e a política mineira etc., ao calor das quais uma “oposição operária” nas ruas tem se afastado do MAS, avançando a experiência política de camadas de trabalhadores de vanguarda. Como expressão superestrutural desse processo, muitos dos velhos dirigentes mais ligados ao MAS tem sido deslocados na COB e em distintos sindicatos. No magistério, os aliados do governo tem perdido várias eleições para as chapas animadas pelo POR (que se reivindica trotskista) e não só tem se reatualizado o debate sobre a necessidade de um instrumento político operário, mas sim que apesar da oposição do MAS e seus aliados (PCB, maoístas etc.), tem se tomado as primeiras decisões concretas para cria-lo.
O processo em curso
A intenção de colocar em pé o “partido da COB” existe há anos, mas a direção anterior da COB encabeçada por Pedro Montes literalmente “engavetou” essas resoluções devido a seus compromissos e subordinação ao governo de Evo Morales. Após sua caída no XV° Congresso da COB em Tarija, no marco da ruptura política com o governo e do mencionado processo de lutas e pressões operárias, que vem desde 2010, importantes setores da direção sindical retomaram a discussão de um instrumento político dos trabalhadores. No atual cenário político, a antiga estratégia sindicalista da COB de “pegar para negociar” se revela completamente insuficiente e daí a preocupação por um partido como instrumento de negociação frente ao Estado e a burguesia. Além disso, a perspectiva das eleições de 2014 e a necessidade de cumprir com as restritivas normas legais em prazos muito curtos para obter o reconhecimento, se se quer participar nelas, empurram a direção a acelerar a marcha.
A COB tenta se localizar como oposição a esquerda do governo de Evo e criar seu partido, mas independente das intenções dos dirigentes, se coloca sobre a mesa uma discussão fundamental: que os trabalhadores intervenham na política e que o façam desde suas próprias organizações, rompendo politicamente com o MAS e Evo e discutindo a necessidade da independência de classe, o que pode ser o início de um profundo processo de discussão, politização e organização dos trabalhadores de base.
É interessante assinalar que já desde o mês de dezembro, quando se inicia essa reflexão, aconteceram alguns fatos de importância que assinalam como a ideia de um partido operário baseado nos sindicatos é bem recebida por importantes setores de trabalhadores de base, em particular os mineiros. Assim, em uma assembleia que aconteceu no início de dezembro no distrito mineiro de Huanuni, de grande combatividade e tradição e que tem quase 5 mil trabalhadores, foi aprovada a realização de contribuições extraordinárias para a formação do IPT. Medidas similares foram adotadas pelos trabalhadores do Banco Nacional de Saúde do Departamento de Oruro (que segundo fontes cobistas, já haviam realizado os depósitos correspondentes), no Congresso do magistério rural realizado na cidade de Villazón no Sindicato de Trabalhadores da Universidade Técnica de Oruro (A Patria, 04/01/13).
Uma luta política vital
Nos sindicatos, federações e confederações sindicais estão se enfrentando duramente distintos projetos políticos nacionais. Os dirigentes do MAS e seus aliados [2] apoiam o governo de Evo e são francos inimigos de que surja um partido operário baseado nos sindicatos. Além de estarem debilitados, não deram uma luta aberta na Conferência de Cochabamba e farão todo o possível para sabotar essa iniciativa. Juan Trujillo e um setor importante da direção cobista propõe “um partido como o PT do Lula”, ou seja, um partido reformista que lhes permita aproveitar o descontentamento operário para negociar em melhores condições com o governo e buscar pactos com o MAS, pelo que buscam barrar todo traço de independência politica dos trabalhadores nos documentos e estatutos, impedindo que se imponha a democracia operária das tendências de “extrema esquerda”.
A ala dirigida por Jaime Solares (que esteve a frente da COB durante o levantamento de outubro de 2003) tem um discurso mais radical, mas não compartilha com eles a estratégia de colaboração de classe, ainda que as vezes se veja obrigada a “ir a esquerda” para resistir aos embates dos masistas e da maioria cobista. Em contraposição a esses projetos políticos reformistas, desde a LOR-CI defendemos que um Instrumento Político dos Trabalhadores deve surgir sobre a base da categórica posição de independência de classe frente ao governo, o Estado e as distintas expressões da burguesia e os latifundiários, organicamente ligado aos sindicatos, sobre a base da mais ampla democracia operária e com liberdade de tendências, somando os trabalhadores de base ativamente a sua construção.
Quais são as perspectivas?
Apesar da difícil situação, o MAS conserva peso e os métodos da burocracia podem ir contra a implementação das decisões da Conferência de Cochabamba, a luta não está decidida. Será um importante “teste”, o que acontecerá nos próximos 30 dias, rumo ao Congresso fundacional do “partido da COB”. O processo ainda está em marcha e não pode ser descartada uma postergação ou outros tropeços. O que acontecerá, se cristalizará um instrumento de organização política operária ou um “partido de burocratas”? Esse último, que seria uma casca reformista, vazia de conteúdo vivo, é um perigo real.
Por isso mesmo, é uma responsabilidade elementar de qualquer um que se diga revolucionário intervir nesse processo, alertando cada passo real para que o proletariado boliviano, retomando suas melhores tradições de combatividade, organização e radicalidade, se eleve ã arena da atuação política independente e possa avançar no caminho de unir fileiras e disputar a hegemonia na aliança com os camponeses, os povos originários e os setores populares empobrecidos.
A chave para isso estará em última instancia em que se desenvolva uma vanguarda operária militante, que tome em suas mãos a iniciativa do IPT e lute por desenvolver os elementos mais progressivos do atual processo no caminho da organização política da classe.
Chamamos a união de forças para lutar para que prevaleçam as posições de independência de classe, a democracia operária e por um programa dos trabalhadores, dos sindicatos e dirigentes de base que, contra o governo do MAS e os partidos dos empresários, buscam uma alternativa, a todos os trabalhadores e trabalhadoras combativos e aos jovens e estudantes que veem com simpatia o surgimento de um partido operário.
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HUANUNI, CENTRO OPERáRIO MINERO DE IMPORTANCIA ESTRATÉGICA
Chapa independente ganha eleições do sindicato
Um dos centros do debate sobre o IPT é Huanuni, onde não só se votou uma contribuição de cada operário ao mesmo, mas sim que uma chapa animada por ativistas independentes e alguns simpatizantes da esquerda trotskista (LOR-CI e POR) ganhou por ampla diferença as recentes eleições do sindicato, derrotando os setores mais ligados ao MAS. Seu programa reivindica “os Documentos do XXXI Congresso Mineiro e do XV Congresso da COB, nos quais se coloca a necessidade de organizar o instrumento político dos trabalhadores. A ser convertido, como indicam as Teses de Pulacayo, na tribuna revolucionária.”
Foram apresentadas três chapas e o FRS (Frente da Revolução Sindical) ganhou com 48% dos votos (1999 votos, com uns 700 de vantagem sobre o segundo colocado). Enquanto fechávamos essa nota, acaba de ser realizada a eleição dos 125 delegados de seção, que estreitamente ligados a base, atuarão junto a nova direção do sindicato.
O grande distrito mineiro de Huanuni ocupa um lugar particular no atual movimento operário. Sendo a única mina de COMBOL que não foi fechada nos ’80, graças a luta operária e só pôde ser privatizada em 1999 e recuperada em 2002, conservou as tradições e cultura operária do proletariado mineiro que combateu na revolução de 1952, protagonizou o triênio revolucionário de 1969-71 que originou a Assembleia Popular e marchou a ocupar La Paz nas Jornadas de Março de 1985. Entregue a uma transnacional britânica Allied Deals, nos ’90, desde 1999 iniciou um novo e extraordinário capítulo em sua história: a fraudulenta quebra desse grupo empurrou os mineiros de Huanuni a se mobilizar até imporem a renacionalização da mina para defender sua fonte de trabalho. No levantamento de outubro de 2003 que derrubou o presidente neoliberal Sánchez de Losada, os mineiros de Huanuni acudiram em caminhões a La Paz, enfrentando com dinamites o exército em Ventilla, com várias baixas.
Sem conseguir romper o cerco militar, os mineiros se dividiram em pequenos grupos até a cidade, reagrupando-se na Universidade com a disposição de seguir o combate, quando no 17 de outubro Goni fugiu. A política mineira do governo de Evo Morales apostou no acordo com as transnacionais e as cooperativas.
Na Bolívia, as cooperativas enquanto são dirigidas por camarilhas enriquecidas, em alguns casos verdadeiros empresários que fazem bons negócios com as grandes empresas e exploram milhares de sócios pobres e piões assalariados. No início de outubro de 2006, em Huanuni, as cooperativas da zona, alentadas pelo então Ministro da Mineração de Evo e negociando sobre a corda com os antigos concessionários ingleses, tentaram assaltar a mina para se apoderar das melhores veias. Os 800 trabalhadores assalariados resistiram firmemente ao assalto. Após dois dias duros enfrentamentos que deixaram mais de uma dezena de mortos, conseguiram derrotar esse assalto e impor a única saída progressiva para o conflito: incorporar a massa de quase 4 mil cooperativistas pobres como assalariados da Empresa Mineira Huanuni, conseguindo com isso uma grande vitória política e consolidando a nacionalização do distrito definitivamente.
Apesar de que o SMTMH (Sindicato Mixto de Trabalhadores Mineiros de Huanuni) teve em distintos momentos direções conciliadoras com o governo e que a conquista do “controle social” (com rendição de contas aos trabalhadores sobre as operações e decisões da empresa) se burocratizou, ao contrário de se desenvolver como controle operário, Huanuni seguiu mobilizando em diversas ocasiões, para reivindicar suas demandas ou apoiar outros setores operários. O calor desse processo, a experiência política de muitos trabalhadores de Huanuni com o MAS e o governo de Evo foi avançando é hoje um dos focos principais em que se apoia a iniciativa do IPT. Huanuni, um tipo de laboratório político onde a grande tradição mineira se combina com as novas gerações, está chamando a contribuir poderosamente com o desenvolvimento e renovação do movimento operário frente as tarefas que a atual etapa coloca ao proletariado, hoje muito mais estendido e diversificado que antigamente, com suas concentrações nos novos empreendimentos mineiros privados, nos hidrocarbonetos, nas fábricas e empresas de El Alto, Santa Cruz e outras cidades.
Notas
[1] Assim, o governo de Evo chegou a enviar o exército contra os trabalhadores da planta piloto de Litio, que exigiam o reconhecimento de seu sindicato.
[2] Entre essas correntes reformistas, aliadas ao governo e que apoiam seu “processo de mudança” estão os stalinistas do PCB (Partido Comunista da Bolívia), castristas do antigo ELN (Exército de Libertação Nacional), maoístas do PCML (Partido Comunista Marxista-leninista), etc.