Economía Mundial
Uma nova fase da crise do euro
25/03/2013
A decisão da União Europeia (UE) e do governo cipriota de confiscar diretamente uma parte dos depósitos dos pequenos correntistas assinala um salto na voracidade dos países credores para evitar por todos os meios a desvalorização da montanha de dívidas (explosão do “capital fictício”) que se acumulou. Por sua vez, a resistência encontrada nos parlamentares cipriotas ás imposições da UE, influenciados pelos interesses dos oligarcas russos com forte peso na ilha, abrem a possibilidade de um default e de uma possível saída do Chipre da eurozona. Ironicamente, um dos menores países da Europa com uma população de algo mais de um milhão de habitantes, e com um peso econômico de 0,2% do PIB da UE, poderia converter-se em um novo ponto de inflexão da crise da zona do euro.
Um “corralito” em plena União Europeia
Na madrugada do sábado 16/3 os ministros da Economia e Finanças da União Europeia acordaram proporcionar um empréstimo de 10 bilhões de euros ao Chipre para que o país resgate seu sistema bancário. Em troca, obriga-se o governo conservador a estabelecer um imposto de 6,75% sobre os depósitos de até 100.000 euros e de 9,9% nos depósitos acima desta quantidade. Com esta medida, o Estado cipriota arrecadará 5,8 bilhões de euros. Para evitar a fuga massiva dos depósitos, as entidades retiveram a partir desse dia a quantidade referida, e limitaram as transferências para impedir uma retirada massiva de fundos. Os bancos permanecerão fechados até quinta-feira 21/3 ou inclusive até a próxima terça-feira (discuti-se impor limites quando abram), para evitar uma corrida bancária massiva por parte dos poupadores para retirar seus depósitos. Ou seja, um “corralito” [curral] como o que aplicou o então ministro da economia Cavallo na Argentina na crise de 2001.
Frente ã cólera que produziu a inesperada decisão na população, a incapacidade do governo cipriota de conseguir a aprovação parlamentar das medidas, e o dano causado na confiança do sistema bancário europeu, em especial nos países da periferia, as autoridades europeias buscaram retroceder nos moldes de sua implementação. Não obstante, o dano já estava feito. A confiança no sistema bancário dos países mais afetados pela crise se mantinha em parte pelos resgates “pela porta dos fundos” que aplica o Banco Central Europeu (BCE), mas sobretudo a nível da população na crença de que os depósitos menores a 100.000 euros estavam resguardados.
Posta em dúvida esta garantia, que se outorgou em 2008 após o colapso do Lehman Brothers, o risco de uma fuga de depósitos aumentou. Mas em sua tentativa de “despir um santo para vestir outro”, as desavenças dos líderes europeus não pararam. Após o mal-estar gerado pela medida tanto dentro como fora do Chipre, estes instaram o governo cipriota a que elevasse a imposição de taxas aos depósitos acima dos 100.000 euros, para não prejudicar os pequenos poupadores. Concretamente, propuseram a taxação de 15,6% para este tipo de depósitos. Não obstante, Nicósia (capital do Chipre) mostrou-se contrária a aceitar a dita medida porque teme que poderia afugentar os investidores estrangeiros, principalmente russos, e prejudicar o modelo de negócio do país baseado em seus bancos (assim como no turismo e no negócio imobiliário ligado aos mesmos setores). O parlamento, que rechaçou na terça-feira 19/3 por ampla maioria o imposto aos depósitos privados defendido pelo Eurogrupo, apesar de o Governo ter apresentado uma visão suavizada que deixava isentas as poupanças inferiores a 20.000 euros, tomou de surpresa os líderes da UE. Todos os partidos votaram contra o rascunho de lei, com exceção do governamental DISY, que se absteve.
Uma política mais dura da Alemanha que encontra fortes resistências de baixo e de cima
Desde o começo, a Alemanha entrou nas negociações com uma postura radical, exigindo um importante golpe aos correntistas dos bancos cipriotas. Com as eleições ã vista, o governo alemão não quer aparecer como pagando a conta sozinho para evitar o contágio. Este pode ser um importante ponto de inflexão para a crise da zona do euro. O fato de que a Alemanha já não esteja disposta a proporcionar resgates a qualquer preço marca uma grande mudança na crise. Em outras palavras, através do Chipre, o governo alemão poderia estar mandando uma dura mensagem ã Itália e ã Espanha, submersas em problemas econômicos e políticos graves: a primeira, com a impossibilidade para formar Governo, e a segunda, com o Executivo acossado pelos escândalos de corrupção. Está em risco de agora em diante a aprovação do acesso alemão ao Mecanismo Europeu de Estabilidade (MES), com um fundo de 800.000 bilhões de euros, e ao mecanismo de Transferências Monetárias Diretas do BCE? Pode ser que o Chipre seja suficientemente pequeno para ser um caso especial, mas de agora em diante isto não é algo seguro.
Não obstante, o resultado desta dureza em Berlim – que trabalha em dueto com o BCE, que ameaçou retirar a liquidez aos bancos do país, totalmente insolventes se não tiram alguma proposta nos termos que quer a Europa – ainda está por ver-se. À resistência dos pequenos poupadores, somam-se também os interesses da casta política cipriota enfeudada em suas relações com os investidores russos. O rechaço de Nicósia ã exação bancária e o chamado de Moscou para encontrar um financiamento alternativo, dramaticamente fizeram aumentar as apostas na crise financeira na ilha. Se as autoridades cipriotas não podem arrecadar fundos adicionais de uma maneira que satisfaça ás autoridades da zona do euro (dinheiro russo, mas não sob a forma de um empréstimo que faria incrementar a dívida soberana a níveis insustentáveis, precisamente o que o primeiro plano tratava de evitar), poderiam ver-se obrigados a romper o acordo proposto pela Troika e buscar um trato maior com a Rússia. Do contrário e frente ao fracasso desta variante, a ilha se enfrenta ao risco de um colapso bancário e econômico completo e ã possível saída da zona do euro com repercussões que se podem fazer sentir em toda a União Europeia.
Ao dia de hoje, o resultado desta luta é totalmente incerto e todas as opções enumeradas são possíveis. Pelo momento, a negativa cipriota teve repercussões em toda a Grécia. Como dizem alguns comentaristas, pode haver inspirado os gregos a pensar que há “outro caminho”, que os fizesse questionar por que seu próprio governo aceitou os termos do resgate tão facilmente.
Até uma crise das relações da Alemanha com Rússia?
O que vai acima mostra que as medidas adotadas nesta pequena ilha podem ter consequências geopolíticas importantes. Historicamente Chipre, tanto nos últimos tempos da ex-União Soviética como depois com a Rússia, foi o destino dos investimentos tanto para o governo, para a elite política e os empresários como para a lavagem de dinheiro. Mesmo em momentos do bloqueio do Ocidente ã ex-URSS, esta ilha foi uma das primeiras em abrir seu sistema bancário a Moscou, como retribuição ao apoio deste nas disputas turco-cipriotas dos anos 1960-1970.
Quando começou a atual crise no Chipre, a Rússia propôs resgatar os bancos em 2008 e 2011, contando com o aval do governo anterior do Chipre (que era comunista) para afrouxar a pressão da UE, solução a qual a Alemanha se opôs. Nesse marco, no último tempo Putin expunha sua vontade de ajudar Chipre, mas como parte de um plano da UE e Rússia, privilegiando sua aliança com Alemanha. Por sua vez, e por motivos internos, a Rússia não buscou resgatar o Chipre em linha com a atual campanha anticorrupção, que inclui a repatriação de contas offshore no estrangeiro ã Rússia, onde o setor financeiro é agora relativamente mais estável.
Contudo, agora que o plano afeta diretamente os interesses russos, o governo moscovita saiu a denunciá-lo. Isso pode levar Putin a um choque com a Alemanha (e outros países da UE), buscando uma solução própria para proteger os interesses russos no Chipre por uma via indireta (inversão do Gazprombank) que, se bem não implica um resgate direto, iria na contramão da linha alemã. Não está descartado tampouco que a pressão da Alemanha sobre Chipre termine empurrando o governo cipriota a estreitar seus laços com a Rússia. Isso se poderia concretizar através de algum tipo de acordo financeiro entre Chipre e Rússia que permitiria ao primeiro reduzir a pressão da Troika, e ao segundo incrementar seu controle sobre o sistema bancário da ilha, explorar suas reservas de gás (o que seria muito importante para o gigante russo Gazprom em retrocesso no mercado europeu) e inclusive, não se pode descartar, a abertura de um porto cipriota para estacionar navios militares russos nesta estratégica ilha do Mediterrâneo. Como vemos, as decisões que vão ser alcançadas por Chipre e seu presidente Nicos Anastasiades ao longo dos próximos dias e semanas vão muito além da questão de quem vai pagar a conta. Esta nova situação – de um eventual avanço geopolítico russo em uma ilha que foi historicamente um peão do Reino Unido contra Moscou – pode gerar um salto das tensões já existentes entre Rússia e a UE: as relações da Rússia com a Grã Bretanha e França já estão deterioradas pelo envio de armas ã Síria e pelo apoio da Rússia ao Assad, o resgate de Chipre pode deteriorar as relações com Alemanha, o sócio europeu mais importante da Rússia.
Pela expropriação dos bancos privados e a estatização do sistema de crédito
A crise da zona do euro mostra como para salvar os grandes bancos privados, os estados credores não duvidam em aplicar as medidas mais radicais a favor de seus interesses. As políticas deflacionárias, ou popularmente a austeridade, buscam de maneira cada vez mais arbitrária e violenta garantir os direitos de giro sobre a mais valia de um negócio já não mais rentável, mas que os capitalistas se negam a admitir as perdas.
Como ontem o plano de reestruturação da dívida soberana na Grécia, são os trabalhadores e agora no Chipre, os pequenos e médios correntistas diretamente os que devem pagar com seu sacrifício a socialização das perdas sobre negócios que eles não realizaram. No caso do Chipre, enquanto os fazem pagar aos oligarcas russos parte da conta, se salva aos grandes bancos e investidores europeus (acionistas dos primeiros) que tem emprestado imprudentemente para os bancos cipriotas.
No caso de Chipre e o questionamento a garantia dos depósitos mostra que a segurança jurídica é intocável para os credores e não é para os correntistas. Suas implicações sociais de repetir-se em outros países mais importantes da UE podem ser explosivas política e socialmente. Como disse o analista do Financial Times, Wolfgang Münchau, o 18/03/2013: “Se se quiser alimentar o clima político da insurreição no sul da Europa, esta foi a maneira de fazê-lo”.
Por isso, frente a crescente ameaça de “meter a mão” nos depósitos da população para recapitalizar os bancos e cadernetas de poupança, tem uma só saída progressiva: a expropriação dos bancos privados e a estatização do sistema de crédito. Esta saída, “não significa em nenhum caso a expropriação dos pequenos depósitos bancários. Pelo contrário para os pequenos depositantes o sistema bancário do Estado poderá criar condições mais favoráveis que os bancos privados. Da mesma maneira só o banco do Estado poderá estabelecer aos camponeses, aos artesãos e aos pequenos comerciantes, condições de crédito privilegiado, ou seja, barato” (Leon Trotsky, Programa de Transição). Frente ao estado capitalista e seus partidos que só buscam salvar os grandes capitalistas, devemos impor uma saída de fundo, a necessidade de que os impulsos centrais da economia sirvam aos interesses vitais dos operários e de todos os outros trabalhadores, questão que só poderá se garantir se o poder estatal passa das mãos dos exploradores para as mãos dos trabalhadores.