Frente ás Bases Militares na Colombia
Cúpula da Unasul: uma nova capitulação ao imperialismo
10/09/2009
Depois de sete horas televisionadas de discussão, a reunião da Unasul, realizada em 28 de agosto em Bariloche para analisar a resposta da região ao novo acordo militar entre a Colômbia e os Estados Unidos, emitiu um documento consensuado no qual, como era previsível, não há nenhuma condenação ã instalação de sete novas bases militares norte-americanas em zonas estratégicas do território colombiano. A sucinta declaração não vai além de algumas afirmações gerais acerca da “paz” e da “segurança” na região, e limita-se a afirmar que “a presença de forças militares estrangeiras não pode ameaçar a soberania de nenhum país sul-americano”e que o Comando de Defesa da Unasul (formado pelos ministros da defesa e das relações exteriores) tentará inspecionar as atividades das bases imperialistas na Colômbia, e que para tal fim se reunirá na primeira quinzena de setembro. Esta reunião que contou com os 12 presidentes dos países que conformam a Unasul, convocada frente a reunião falida de Quito em 10 de agosto, foi precedida por uma escalada retórica contra Uribe e os Estados Unidos, principalmente por parte de Evo Morales, Rafael Correa e Hugo Chávez, que haviam qualificado a renovada presença militar ianque na região como uma ameaça concreta, dizendo que começavam a soprar “ventos de guerra”. Mas como mostrou o resultado da reunião, a denuncia ficou apenas na retórica.
A pedido de Uribe, a reunião foi transmitida ao vivo, como um tipo de “reality show” no qual cada um dos presidentes sul-americanos representou seu livreto apontando sobretudo suas respectivas bases internas.
Na tentativa de manter a unidade do bloco, e apesar dos cutucões e das trocas de acusações que se escutaram durante o debate, os presidentes da Unasul terminaram concedendo um novo triunfo diplomático a Uribe (algo que já havia conseguido em Santo Domingo quando evitou ser condenado pelo assassinato de Raúl Reyes e outros militantes das FARC em território equatoriano), que garantiu não apenas que não sejá feita uma condenação explicita ás bases americanas em seu país, algo que já havia colocado como condição para participar da reunião, como obteve o reconhecimento de seu direito “soberano” de transformar a Colômbia em uma base de operações do Comando Sul norte-americano, e negou trazer a público os termos do acordo com os Estados Unidos. Além do mais, Uribe conseguiu sem muito esforço, incluir no documento final uma menção ã “luta contra o terrorismo”, em alusão clara ás FARC, e ao papel da OEA, organismo que os governos semi-coloniais da América Latina dividem com o imperialismo norte-americano.
No plano interno, Uribe tentará que esta revalidação da aliança com os Estados Unidos sob o governo de Obama, e o compromisso assumido por esse para conseguir a aprovação do Tratado de Livre Comércio, atualmente bloqueado no Congresso norte-americano por oposição dos democratas, sirva a seus objetivos de reeleição para um terceiro mandato.
Unidos e dominados
Essa vitória diplomática de Uribe tentou encobrir-se mediante uma entrada em cena na qual todos os participantes da Cúpula tentaram tirar proveito político.
Os integrantes do bloco da ALBA, Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, salvaram sua alma “anti-imperialista” frente aos telespectadores com discursos incendiados contra a ingerência norte-americana na América Latina. Chávez denunciou a cumplicidade dos Estados Unidos no golpe contra Zelaya em Honduras e leu parágrafos do “Livro Branco” do Comando Sul nos quais ficam explícitos os objetivos das bases militares como extensão e garantia do poderio norte-americano. Evo Morales pediu que se faça uma declaração de rechaço ás bases estadunidenses e que se convoque um plebiscito em toda a região e Correa interpelou Uribe várias vezes, recordando a incursão do exército colombiano em seu território que terminou com o assassinato de Raúl Reyes, e queixou-se de que os Estados Unidos continuam tratando a região como seu “pátio traseiro”. Cristina Fernández de Kirchner, no papel de anfitriã da reunião, mostrou-se satisfeita com o resultado que afastou qualquer fantasma de ruptura da Unasul.
Lula cumpriu seu papel de mediador frente ás grosserias de Chávez e seus aliados do bloco da ALBA, com o duplo propósito de ser o encarregado de manter uma posição conciliada com Washington e de tornar compatíveis as colocações de Chávez com sua estratégia de liderança regional. Acontece que o principal interesse do Brasil é liderar o sub-continente através da Unasul, apoiando-se no Chile, e desde essa posição, atuar como interlocutor dos Estados Unidos. Como já havia antecipado o chanceler Celso Amorim, a política do governo brasileiro era colocar limites ás atribuições da presença militar norte-americana na América do Sul, buscando uma garantia de que as tropas irão se manter dentro das fronteiras da Colômbia e não constituirão uma ameaça para a segurança brasileira na região do Amazonas. A inclusão no documento da reunião do papel do Conselho de Defesa na inspeção da segurança regional, ainda que não deixe de ser simbólico, já que não há nenhuma possibilidade de controlar o poderio militar norte-americano, aponta nesse sentido.
Mas, para além das pequenas “vitórias diplomáticas” que podem atribuir-se os governos da região, a realidade é que os Estados unidos estão avançando sob o governo de Obama na recomposição das cotas de poder perdidas durante os anos da administração Bush. A política impotente dos governos latino-americanos, em especial do bloco da ALBA, de confiar em Obama para derrotar o golpe em Honduras, e agora a aceitação da instalação de novas bases militares na Colômbia, ainda que tratando de colocar algum limite simbólico, mostram que os governos “pós-neoliberais”, inclusive os que professam um discurso mais “anti-imperialista”, no máximo tentam negociar os termos da subordinação ao imperialismo norte-americano.
Fica claro que, como no caso do golpe em Honduras, a tarefa de acabar com essa presença imperialista na região, reforçada com as novas bases na Colômbia, está nas mãos da mobilização independente dos trabalhadores e dos povos latino-americanos.
A diplomacia dos negócios
A reunião da Unasul mostrou que o melhor cenário para as burguesias locais é manter a estabilidade regional, dado que nos últimos anos de recuperação econômica reativou-se o comércio entre os países da região e que este ainda se mantém, apesar da crise da economia internacional. Isso explica que nenhum presidente, nem mesmo Chávez, Morales ou Correa, tiveram como estratégia provocar uma ruptura com a Colômbia pela instalação das bases norte-americanas. Por isso, para além das diferenças e choques que se evidenciaram, o objetivo comum da reunião foi salvar o consenso e a unidade.
Isso é particularmente notório no caso do Brasil. Como aponta um editor do jornal Página 12, “Para o Brasil, cujo PIB equivale ao de todos os países da região somados, uma América do Sul em paz é uma condição indispensável para seu projeto global (...). O Brasil precisa de uma região sem conflitos e minimamente integrada em torno de uma liderança que os diplomatas do Itamaraty apresentam como benévola”.
Além de sua projeção como líder regional, o Brasil mantém um fluido intercâmbio comercial com a Venezuela com o qual se beneficia muito. Junto com os negócios entre a PDVSA e a Petrobrás, a Venezuela se transformou no 7° destino das exportações brasileiras, desde produtos agrícolas e alimentos até veículos.
O outro grande interessado em manter os vínculos comerciais com a Venezuela é o próprio empresariado colombiano, já que os conflitos diplomáticos com Chávez prejudicam essencialmente seus negócios, como se viu durante a crise gerada pela incursão militar no Equador em março de 2008. Segundo as estatísticas oficiais das câmaras empresariais da Colômbia, a Venezuela é o segundo destino de suas exportações, depois dos Estados Unidos, que ascenden 6 bilhões de dólares, o que implica um crescimento de 300% nos últimos quatro anos.
Com diferenças, os intercâmbios comerciais entre os países da América Latina se converteram num excelente negócio para as burguesias locais e para as multinacionais que atuam na região, e este princípio, e não posições “ideológicas”, é o que guia a diplomacia dos governos latino-americanos, onde seguem convivendo Chávez e o bloco da ALBA com aliados incondicionais dos Estados Unidos como Uribe, apesar do golpe da direita em Honduras e das bases militares norte-americanas.