Greves, ocupações, ações de rua, demandas democráticas e repressão
Heranças de junho
17/10/2013
Ainda que num patamar bem inferior ás grandes ações de massas de junho, em meio a uma nova conjuntura nacional na qual vêm ganhando cada vez mais centralidade uma dinâmica de greves que saem do “script” rotineiro e corporativo e o emergir de demandas democráticas profundamente sentidas no país, em 15 de outubro, dia nacional de feriado dos professores, houveram manifestações de protesto coordenadas da juventude e trabalhadores da educação em 15 cidades importantes do país, com fortes enfrentamentos com a polícia em especial em São Paulo e no Rio de Janeiro, levantando como uma de suas principais bandeiras a solidariedade ã heroica greve dos professores do Rio de Janeiro.
Já desde o dia 7 de setembro, data “comemorativa” de uma suposta “independência” do país, quando houveram manifestações de protesto em dezenas de cidades pelo país, as classes dominantes responderam com uma sanha repressiva de grande monta, perseguindo, criminalizando e reprimindo os setores de vanguarda para buscar quebrar por essa via os setores que se mantiveram mais ativos depois de junho, dentre os quais boa parte se expressa no crescente fenômeno denominado “back blocs”, um “estado de espírito” de setores radicalizados da juventude que nas manifestações descarregam seu ódio sobre a polícia e destruindo símbolos do poder público e privado. Mas essa atitude por parte dos governos e da grande imprensa tem em geral tido o efeito contrário, ou seja, tem dividido a sociedade, com amplos setores saindo em apoio aos chamados “mascarados”. [1]
Mas a verdade é que, depois de junho, as grandes datas comemorativas, que antes serviam para festas repletas de falsidade, hoje têm servido para coordenar as ações de protesto.
As recentes greves nacionais de correios e bancários expressaram uma dura queda de braço com a patronal que buscou transformá-las em um emblema de redução dos aumentos salariais para que os trabalhadores arquem com os custos da inflação. Em uma assembleia de 7 mil operários metalúrgicos da Scania, como há muito não se via, os trabalhadores, contra a vontade da burocracia sindical, decidiram por paralisar a fábrica para impedir que a patronal reduza seus benefícios. A campanha salarial dos petroleiros vem sendo atravessada por dias de paralização contra os leilões de privatização dos poços de petróleo do chamado “pré-sal”, através dos quais Dilma tem se esforçado para vender alguns dos principais recursos do país a preço de banana para os grandes monopólios internacionais. São heranças de junho.
Entretanto, o principal conflito que tem emergido no país como um grande tema político nacional vem sendo a greve dos professores do Rio de Janeiro, que vem realizando assembleias de 10 mil trabalhadores (numa categoria de 40 mil), motorizando mobilizações de dezenas de milhares novamente ás ruas naquela cidade, com ocupações dos órgãos de poder, enfrentando-se com uma dura repressão. A greve dos professores do Rio trouxe consigo a importante novidade que foi a confluência, nas ações de rua, entre uma categoria de trabalhadores e o “espírito black bloc”, simbolizando uma passo importante da aliança da juventude que saiu ás ruas em junho com a classe trabalhadora organizada. Ao seu lado ganha destaque também as greve dos professores de Goiânia, que ocuparam a câmara de vereadores da cidade. Esta heroica greve, apesar dos esforços da categoria, está começando a caminhar a um impasse, pois ao mesmo tempo que há imenso apoio, o governos Paes e Cabral vêm adotando duras medidas de ataque aos grevistas, como as ameaças de 4 mil demissões e a repressão ás manifestações de rua, com mais de 201 detidos no dia 15.
Não por acaso a greve dos professores do Rio ganhou tamanha dimensão como conflito nacional, pois esta atinge uma as principais demandas democráticas que emergiram nas jornadas de junho: o direito ã educação, diante de um país em que as universidades públicas excluem os pobres e negros que compõem a maioria esmagadora da população e as escolas são verdadeiras cadeias onde tanto alunos como professores são tratados com completo desdém e desrespeito. Ao lado da educação, temos visto o emergir das principais demandas democráticas ligadas aos problemas mais estruturais do país: a violência social perpetrada pela polícia se transformou em um grande tema nacional em função do desaparecimento de Amarildo na favela da Rocinha, um pedreiro negro que simboliza os inúmeros trabalhadores e negros que são cotidianamente assassinados pela polícia nas favelas; movimentos de moradia vêm realizando novos processos de ocupação e luta; povos indígenas têm protagonizado importantes mobilizações contra as chacinas a que são submetidos por parte de latifundiários em conluio com o Estado e contra as leis que buscam retroceder na demarcação de suas terras para favorecer o agronegócio; mulheres e negros vêm assumindo crescente protagonismo em processos de reorganização de setores de vanguarda.
Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que vem se desenvolvendo essas greves, ocupações e lutas democráticas, Dilma, apoiada sobre certa margem de manobra que lhe dão as condições econômicas (que apesar de estarem numa dinâmica de deterioração mantêm índices historicamente baixos de desemprego e permitem certas medidas parciais, pontuais e cosméticas para “dialogar” minimamente com as demandas de junho), e apoiada sobre a debilidade dos partidos de oposição, vem recompondo sua popularidade nas pesquisas de opinião.
O Congresso Nacional ter votado favoravelmente ã manutenção do mandato parlamentar do deputado condenado ã cadeia pela justiça, combinado com a nova postergação do julgamento do mensalào no Supremo Tribunal Federal, ao mesmo tempo em que expressam de forma cabal até que ponto a casta de políticos parasitas que domina o país está disposta a “testar” a relação de forçar para manter seus privilégios, funcionam como alimento para o questionamento e o repudio cada vez maior ás instituições do regime.
É nesse marco nacional que se coloca a massiva greve com ocupações dos estudantes da USP e da Unicamp, contra a reacionária estrutura de poder dessas universidades no caso da primeira e contra a entrada da polícia no campus no caso da segunda. Já no dia 7 de outubro, quando havia ocorrido em São Paulo uma primeira manifestação e solidariedade aos professores do Rio realizada pelos estudantes em greve, mas que terminou com um carro de polícia virado de cabeça para baixo pela ação dos black blocs, o governador Geraldo anunciou que endureceria a repressão. Foi o que ocorreu no dia 15 de outubro, em que os mais de 2 mil estudantes que ocuparam a principal via de São Paulo foram brutalmente reprimidos, resultando em vários feridos e 56 presos.
Coloquemos de pé uma batalha nacional pela educação que se coordene com os demais setores em luta
A recente negativa da justiça de acatar o pedido de reintegração de posse demandado pela reitoria da USP, dando 60 dias de prazo para que os estudantes permaneçam ocupados, é uma demonstração da relação de forças favorável a que essa greve se fortaleça e massifique muito mais.
Nós, da Liga Estratégia Revolucionária, através de nossa atuação como parte da Juventude As Ruas e como fração minoritária do Sindicato de Trabalhadores da USP, temos batalhado para que a greve dos estudantes da USP e da Unicamp, por um lado, radicalize suas demandas democráticas, organizando desde já uma estatuinte livre soberana e democrática com a força da mobilização, chamando representantes das organizações sindicais, populares e dos movimentos sociais para fazer parte da mesma; e, por outro lado, temos batalhado para que a luta pela democratização da estrutura de poder nas universidades adquira uma perspectiva não corporativa, e ligue a democratização da estrutura de poder com a democratização do acesso e do conhecimento produzido na universidade. É nesse sentido que temos lutado para que os estudantes da USP e da Unicamp em greve se coloquem ã frente de um chamado a um dia nacional de protesto em defesa da educação, colocando dezenas e centenas de milhares novamente nas ruas, dentro do qual nos esforçaremos para que a maior centralidade possível o programa de fim do vestibular com estatização de todo o sistema de ensino privado em todos os níveis para garantir educação gratuita e de qualidade para todos e ingresso livre e direto ao ensino superior, financiando mais recursos para a educação através do não pagamento da dívida publica e de impostos progressivos aos capitalistas.
Se por um lado as manifestações em curso ainda não adquiriram a dimensão de junho, por outro lado elas contam com a importante vantagem de estarem sendo organizadas a partir de estruturas sociais de trabalhadores e da juventude que permitem construir uma coordenação democrática dos setores em luta para unificar as pautas e as ações, o que hoje deveria se materializar em primeiro lugar numa confluência entre a luta dos estudantes das estaduais paulistas e dos professores do Rio de Janeiro em um patamar superior ao que já começou a se esboçar nos atos do dia 7 e do dia 15. Temos batalhado para que o comando de greve da USP, que passará a funcionar com delegados eleitos nas assembleias de base, assuma a linha de frente dessa tarefa, que hoje deve incluir como um de seus principais objetivos nacionalizar uma forte campanha contra a repressão estatal aos lutadores, pela liberdade e o desprocessamento de todos os presos políticos.
Frente ao novo chamado do Movimento pelo Passe Livre ã realização de um dia nacional de protesto pela gratuidade do transporte em 25 de outubro, defendemos que esse se transforme em um dia nacional por transporte e educação gratuitos e de qualidade ao redor do qual confluam todos os setores em luta para voltarmos a colocar centenas de milhares nas ruas.
NOTASADICIONALES
[1] Nós, da Liga Estratégia Revolucionária – Quarta Internacional, defendemos incondicionalmente os black blocs diante da repressão e perseguição que o Estado realiza contra eles, tendo essa como uma das principais campanhas políticas que realizamos em todas as estruturas que militamos, ligando ã repressão que sofrem o conjunto dos movimento sociais e setores de vanguarda. Na medida em que as organizações de esquerda do país se adaptam ao eleitoralismo e ao sindicalismo, sem apresentar uma alternativa revolucionária que coloque os principais bastiões da classe operária no centro da cena política através de seus próprios métodos de luta, é natural que a juventude busque descarregar seu ódio de forma caótica contra os símbolos do poder capitalista. Entretanto, chamamos os black bocs a debater democraticamente, como parte do movimento, quais as táticas e estratégias mais adequadas a ligar os setores de vanguarda aos milhões de trabalhadores e pobres que não estão saindo ás ruas, apesar de terem apoiado massivamente as jornadas de junho. Nesse sentido, nos diferenciamos das correntes da esquerda como o PSTU e o PSOL, que terminam fazendo coro com as classes dominantes ao colocarem sua delimitação com os black blocs.