PERSPECTIVAS OBSCURAS
Europa: entre a desintegração ou maior domínio alemão
12/12/2011
A crise da eurozona tem se acelerado, passando há tempos de ser um assunto da periferia para abarcar já decididamente os países centrais da União Européia (UE). Enquanto a Alemanha busca aproveitar a crise para impor seu (ou um maior) domínio sobre o resto dos países imperialistas, este movimento desestabiliza as relações no interior da eurozona e entre esta e o resto dos países da UE, como Grã Bretanha. Mais que nunca, o futuro do euro e da própria UE está em questão.
Um “fantasma ronda o mundo”: é a desintegração do euro
A perspectiva de uma quebra do euro ronda os principais jornais da burguesia mundial. A situação é grave. Se uma revista como “The Economist”, que não é conhecida por ser catastrofista, teme esta perspectiva, é porque entende a gravidade da situação. A capa de seu número de 26/11, mostrando uma moeda de euro em chamas e perguntando-se “este é o final?” é muito eloquente. Em seu principal editorial aponta que: “Se a Alemanha e o Banco Central Europeu não se apressam, o colapso da moeda se aproximará perigosamente” (1). E mais adiante agrega sobre as onerosas consequências para Europa e todo o mundo: “A quebra do euro poderá causar um desastre global ainda pior que a crise de 2008-2009. A região do mundo mais integrada financeiramente se veria destroçada por defaults, quebras de bancos e a imposição de controles de capital. A zona do euro poderia se fazer em pedaços, ou se reagrupar em um grande bloco ao norte e outro em pedaços ao sul. Entre recriminações e rupturas de acordos como consequência do fracasso do maior projeto econômico da União Europeia, as variações bruscas dos tipos de cambio entre as moedas dos países que estão no centro e dos que estão na periferia quase com certeza provocaria que o mercado único se paralise. E a sobrevivência da própria União Européia seria colocada em dúvida”. Por sua vez, descreve o pânico financeiro que reina atualmente na Europa: “o pânico tem invadido os bancos europeus. Secaram seu acesso aos mercados “atacadistas” de fundos e o mercado interbancário está em questão, já que os bancos se negam a emprestar entre si. As empresas estão retirando os depósitos dos bancos em países periféricos. Esta corrida pela porta traseira está forçando os bancos a vender seus ativos e comprimir os empréstimos; o ajuste ao crédito poderia ser muito mais profundo que o sofrido pela Europa quando se produziu a caída do Lehman Brother”. E termina: “Esta situação não pode continuar por muito tempo mais. Se não se produz uma mudança realmente dramática por parte do Banco Central Europeu e dos líderes da Europa, a moeda única poderia quebrar em poucas semanas mais. Numerosos eventos, desde a caída de algum grande banco, o colapso de um governo, frente ao fracasso de uma venda de bônus poderiam causá-lo”.
Embora alguns dias atrás, 30 de novembro, o anúncio dos bancos centrais dos principais países imperialistas de injetar uma quantidade ilimitada de fundos em três meses com o objetivo de aliviar a escassez de liquidez a nível mundial, especialmente em dólares, evitou de imediato esse cenário de pesadelos, permitindo manter ã tona o sistema financeiro, a situação e o alarme de fundo não mudaram prestes ã uma nova reunião intergovernamental (e vão?) para salvar a eurozona da beira do abismo. O impensável passeia entre nós. A quebra da eurozona é um fenômeno possível, embora ainda não provável, mas as possibilidades têm aumentado de forma alarmante.
As bases estruturais da crise do euro
Antes de ver em termos econômicos as difíceis opções que se colocam para tentarem salvar a eurozona, repassemos suas causas estruturais, que são anteriores ã crise histórica do capitalismo mundial, sendo que esta, por sua vez, atua como revelador e agravante brutal das mesmas. Já em março de 2009 dizíamos: “A base estrutural das tensões da eurozona é uma divergência nos ritmos e características da crise nas diversas economias que a compõem, que tem conseguido se manter em momentos de crescimento mundial e abundantes fontes de financiamento, tornando-se um grande obstáculo com a mudança das condições econômicas no marco da incapacidade dos Estados do velho continente para colocar em marcha um plano de resgate comum. Assim, Reino Unido e Espanha tem uma taxa de endividamento comparável ã dos EUA, igual ã Irlanda. Seu ’padrão’ de crescimento e financiamento tem sido muito similar ao norte-americano, sendo que o setor imobiliário cumpre um papel de locomotora tanto no crescimento como na possibilidade dos lares de se endividar usando da alta do preço de habitação como colateral. Isto na fase ascendente do ciclo tem permitido um alto endividamento dos lares que sustenta um sobre consumo e fortes taxas de crescimento (…) como no caso norte-americano, esta receita era insustentável a largo prazo (…) Alemanha, pelo contrário, é uma potencia exportadora. As exportações equivalem em volume ás dos EUA, apesar da sua economia ser somente um quarto do tamanho daquela, deram conta ao redor de 45% do PBN em 2007. Este país é altamente competitivo em maquinaria pesada, usada para processos industriais, item que constitui seu segundo em exportação, logo depois do setor automotivo. Junto com sua tradicional especialização nestes bens nos últimos anos, este país tem seguido uma política que alguns analistas denominam de ’neomercantista’. Esta política tem implicado um forte aumento da taxa de exploração graças ás reformas do governo anterior, o social democrata Schröder, por via de uma deslocalização massiva da subcontratação, apesar da montagem final ser mantida na Alemanha. Neste sentido, Alemanha tem se beneficiado da integração da Europa Central e do Leste ã UE. Por sua vez, o governo de Merkel tem transferido aos lares (via aumento do IVA) uma parte das cargas sociais que pagavam as empresas. Esta política tem permitido um forte excedente comercial na recente alta da economia mundial, da qual a Alemanha foi um dos grandes beneficiários, no marco de um mercado interno deprimido. Este teria sido mais magro se não fosse acompanhado de um incremento significativo do endividamento dos lares que alcançou 68% do PIB de 2008 (...) Em outras palavras, Alemanha nos últimos anos tem combinado em certa medida características que lhe aproximam do modelo norteamericano – como um maior endividamento dos lares, junto a um importante grau de financeirização da sua economia – por um lado, enquanto outras tendências similares ao modelo asiático – uma forte redução do custo salarial e a compressão da demanda interna – seguem, sem liquidar sua base de capital, tecnologia e produtos que requerem uma força de trabalho altamente especializada como coluna vertebral de seu sistema exportador. Porém essa orientação exportadora depende, portanto, da situação da economia internacional. A drástica deterioração desta tem golpeado a Alemanha fortemente, como mostramos a princípio, enquanto seus bancos têm sofrido com as perdas da crise financeira internacional. Por sua vez, Itália e França, mais distantes do modelo norteamericano em seus equilíbrios internos, como demonstra sua baixa taxa de endividamento dos lares, sofrem uma forte perda de competitividade (e assim são muito sensíveis ás flutuações do euro). Na Itália o crescimento vem sendo débil desde 2000, a dívida pública excede 100% do PIB, expressão de uma evasão estrutural recorde, as pressões inflacionárias são importantes, em especial o setor de serviços, porém o país não pode recorrer ã desvalorização devido a sua participação na zona do euro. Isto resulta em um agravamento do déficit de conta corrente que alcançou já em 2008 -2,5% do PIB. De forma estrutural, o capitalismo italiano se encontra acurralado por um lado pela competição dos países europeus do leste e do sudeste da Ásia em uma séria de ramos de produção nos quais havia se especializado (linha branca etc.), enquanto outras burguesias europeias tem buscado um ajuste da relação entre capital e trabalho a favor do primeiro muito mais profunda que os esforços da Segunda república Italiana, como é o caso da Alemanha. Na França, enquanto um pequeno número de grandes grupos financeiros, industriais e bancários ou dos serviços participou ativamente da mundialização do capital, o que permitiu captar uma porção do valor criado em outros países e que constitui um elemento essencial da sua rentabilidade, a indústria francesa perde de forma contínua desde 1992 partes consideráveis do mercado mundial, o que se expressa no crescente déficit da conta corrente.
Isto não quer dizer que a França tem deixado de ser um país exportador, porém sua força depende de um reduzido número de grandes grupos. Ainda que a alta do euro, comentada mais acima, é um fator que incidiu na sua economia, o retrocesso vem de antes e não é o fator explicativo determinante, como demonstra a degeneração da balança comercial com seus sócios na eurozona. Ocorre que a especialização internacional da indústria francesa descansa sobre mercados onde os setores públicos são essenciais. Este é o caso da aeronáutica, o setor nuclear ou as telecomunicações e daí vem a forte necessidade da uma diplomacia de negócios (…). Em outras palavras, enquanto sua fortaleza ainda reside nos ramos de produção, sua posição se deteriorou nos setores de bens de capital ou bens de consumo que foram os setores mais dinâmicos do último ciclo de crescimento da economia mundial. (…) Como mostram as características do crescimento e da crise nas principais economias da Europa que temos analisado, as divergências dentro da eurozona são importantes (além do caso inglês, que está fora da área do euro). “Isso sem falar de países imperialistas de segunda categoria, como Portugal ou Grécia, cujos problemas de competitividade, déficit da balança de pagamentos etc., os converteram em elos débeis da eurozona” (2).
Opções difíceis
Como mostra essa revisão, não podemos pensar a crise da eurozona somente como um problema de solvência e/ou falta de liquidez, senão que isso se dá conjuntamente com um agudo problema de competitividade, em especial nos países da periferia da UE. A volta a um novo equilíbrio capitalista implica voltarem a um nível sustentável seus problemas de dívida, enquanto se restaura os problemas de crescimento e competitividade, que são a chave para sua sustentabilidade. Em função disso podemos delinear alguns cenários hipotéticos:
(A) Uma forte depreciação do euro e alta inflação nos países do núcleo da eurozona (Alemanha, Holanda etc.) que permita restaurar a competitividade e eliminar rapidamente seus problemas de conta corrente nos países da periferia. Salvo exceções, como Grécia ou talvez Portugal, neste cenário países como Itália ou Espanha evitam uma reestruturação desordenada de sua dívida e assim o euro sobrevive. Esta saída pela via da inflação choca com a ortodoxia reinante na Alemanha e os limites que a mesma vislumbra para o BCE, que deveria atuar abertamente como credor em última instancia (também aumenta o risco creditício dos países do núcleo da eurozona frente a um eventual descalabro econômico e/ou financeiro – uma crise de solvência e/ou liquidez – dos países da periferia). Por sua vez, internacionalmente se enfrenta a política dos EUA de desvalorização do dólar em relação ao euro para reduzir seu déficit de conta corrente, com o qual poderia se dar o caso do euro não baixar o suficiente para restaurar a competitividade da periferia, além de também colocar UE e EUA num enfrentamento mais aberto do que o atual.
(B) Uma restauração da competitividade via deflação em curso, caminho propugnado pela Alemanha. Este caminho “a lá latino-americana”, seguindo as receitas para a América Latina durante a “década perdida” de 1980, implica um longo período de crescimento negativo ou anêmico politicamente e socialmente difícil de sustentar. Contra toda ilusão de uma rápida saída da crise, vemos as opiniões de um dos protagonistas político-econômico daquele período, o mexicano Guilhermo Ortiz (3): “Na Grécia, um grande perdão da sua dívida é necessário, porém isso não significará por si mesmo que os ajustes sejam mais fáceis, nem que se restabeleça o crescimento. Hoje em dia ninguém sabe o tamanho do ’corte’ necessário. Assim, falar de um equivalente de um ’Plano Brady’ para a Grécia é, em minha opinião, prematuro e fora de lugar. O Plano Brady (…) funcionou porque o ajuste fiscal e as reformas estruturais já haviam sido feitos durante o curso de oito ou nove anos. Este certamente não é o caso da Grécia. A magnitude do ajuste fiscal alcançado na América Latina foi brutal, porém, o nível médio da dívida, em relação, foi cerca de dois quintos da Grécia. México, por exemplo, passou de ter um déficit fiscal primário de 8,4 por cento do produto interno bruto em 1982 a um superávit de quase 5% dois anos depois. Grécia, contudo, não será capaz de alcançar a consolidação fiscal acordada para 2011, de 4% do PIB. Alcançar uma adaptação dessas em meio a uma recessão nacional e com um entorno global negativo é, sem dúvidas, uma tarefa difícil. Contudo, Grécia tem que passar por esta fase pra seguir adiante sem ter que recorre ã desvalorização ou o mecanismo de inflação utilizado na América Latina. Uma tarefa difícil, porém menos onerosa que a exclusão voluntária da zona do euro” (4). Contrária a essa experiência exitosa em termos de ajuste capitalista, o caso da Argentina em 2001 e seu default desordenado, após três anos de recessão e ajuste, mostra o outro desenlace possível deste caminho de deflação/depressão.
C) O subsídio (ou uma verdadeira união de transferências) por parte das principais potências imperialistas aos países imperialistas de menor competitividade, quer dizer, uma transferência fiscal ao redor de 5% do PIB dos países no núcleo da eurozona. Uma transferência fiscal dessa magnitude entre regiões ricas e pobres não é muito comum. Contudo, no marco do Estado nacional, é o que fez a Alemanha Ocidental durante vinte anos para anexar a ex-Alemanha Oriental, ou o que faz a Itália entre o norte rico e o sul pobre (Mezzogiorno), não sem gerar fortes resistências como é o caso de Lega Nord na Itália, cuja pressão vai no sentido de reduzir estas transferências. Uma massiva transferência deste tipo entre os distintos países da UE é muito difícil politicamente, senão quase impossível. Por sua vez, desde o ponto de vista da Alemanha, a monetarização elimina a pressão sobre os estados para a reforma, enquanto debilita a influencia destas sobre a política dos mesmos. É o caminho oposto ao reforço do Tratado de Maastricht, que propunha agora a atual chanceler alemã. Pelo contrário, ’eu caminho sonhado pelos reformistas de todo tipo. Como expressa o padre da “escola da regulação”, Miguel Aglietta, em uma recente entrevista: “...o único caminho que me parece o mais adequado para resolver a crise atual: o que utilizaram os EUA e Reino unido depois da Segunda Guerra Mundial, para suas dívidas de guerra. Lembre que, em 1945, EUA tinha dívidas no valor de 130% do PIB e i Reino Unido alcançava 260%. Isto para manter as taxas de juros reais muito baixas, a um nível inferior ã taxa de crescimento da economia. É essa diferença que reduz mecanicamente e regularmente a carga da dívida, inclusive com um déficit público primário. Essa estratégia se baseia em dois pilares, como fizeram os norteamericanos: em primeiro lugar suspenderam a independência da FED entre 1945 e 1951, para que se esforçasse em manter as taxas de longo prazo tão baixas quanto fosse necessário. Depois, fizeram um plano de gastos públicos massivos para ajudar o capital privado: o Plano Marshall. É a única saída por cima, porém isso não pode ocorrer sem a cooperação dos Estados membros que tem que acordar para que o BCE cumpra o papel de credor em última instância dos Estados, que é a própria a própria condição de integridade do sistema bancário europeu. Sobretudo, devemos dar tempo e não pretender equilibrar o orçamento em três anos” (5). Contudo, no marco do pragmatismo e em vista da dificuldade das demais opções, a monetarização temporária das dívidas da periferia poderia se tornar a única opção para salvar o euro.
D) No marco de que os países da periferia fracassem em seus ajustes, tornando-se os mesmos intoleráveis não lhes deixaria mais soluções a não ser declarar default, vendo-se obrigados a sair da zona do euro para restaurar sua competitividade via uma desvalorização drástica da sua moeda. Se só países como Grécia, Portugal ou Chipre se veem obrigados a seguir esse caminho, a eurozona ainda mais reduzida poderia sobreviver, porém é difícil que assim aconteça se Espanha ou Itália precisem fazer o mesmo. Com isso, o euro poderia verdadeiramente explodir. Como vemos, as dificuldades das três primeiras variantes que enumeramos fazem essa opção crescentemente provável. Isso não significa que os distintos governos não tentarão evitar isso por todos os meios, devido ao trauma que significa a saída do euro e a conversão de seus contratos e dívidas na nova moeda local. Porém, catástrofes desse tipo existem, como nos mostra nesta mesma crise a caída do Lehman Brothers. Mais importante ainda, cenários catastróficos como esse não podem ser descartados (sem insistir) em uma crise capitalista de caráter histórico como essa, não só na europa, senão e nível mundial: a destruição (e desvalorização) de capitais, como ocorreu entre as duas guerras mundiais na Europa, por meio das quebras bancárias e industriais, o cancelamento das dívidas, o terrível custo da destruição econômica e social. Parcialmente, esse é o caminho que já começam a transitar países como Grécia.
A “janela de oportunidades” para Alemanha impor mais domínio sobre a Europa
Como viemos escrevendo em artigos anteriores (6), a crise atual apresenta uma oportunidade única para a burguesia alemã avançar em sua ambição estratégica de uma política mais integrada da União Europeia sob sua direção. Merkel sabe que deve obter que os governos altamente endividados do sul da Europa aceitem seus desígnios, permitindo que os burocratas de Bruxelas em controle maior sobre os orçamentos nacionais. Seu enquanto busca criar condições para pagar a dívida é impor uma reestruturação vasta em suas economias a serviços do capital alemão e das transnacionais mais fortes europeias ou com investimentos nela. Com o controle do gasto, busca diminuir a parte do mesmo orientada ao consumo e ã manutenção das conquistas sociais que ainda permanecem do chamado estado de bem estar social ã revelia de outras áreas não produtivas, até a melhora das condições de investimento.Enfatizemos uma vez mais, contra todo tipo de anti-germanismo de opereta de alguns representantes patronais como o PS na França, que apesar da burguesia alemã ser quem mais empurra a uma saída desse tipo, como expressão do seu peso econômico e crescentemente político, esta transformação qualitativa das relações capital-trabalho na Europa é apoiada por todos os setores da grande burguesia europeia e do capital transnacional com investimento na Europa. Este é o sentido de sua oposição frontal a que o BCE outorgue incondicionalmente o dinheiro para cobrir as dívidas em espiral dos países devedores antes que esses acordos se façam, é porque sabem que sem essa pressão e o terrorismo financeiro seus governos poderiam renegar alcançar estes duros compromissos sob a pressão das ruas e desde dentro da classe dominante, de setores da mesma que poderiam perder seus privilégios ou negócios corruptos graças a seus laços com o establishment político. Sua política dura tem produzido já alguns resultados, como governos dóceis a seus ditados na Grécia e Itália e o recentemente eleito governo do PP na Espanha, que ela considera menos submetidos ás pressões locais. O acordo selado entre Merkel e Sarkozy em 5/12 visa ir um pouco mais adiante na imposição da austeridade, avançando em uma versão ’melhorada’ do Tratado de Maastricht. Se mantêm a regra de 3% como topo do déficit fiscal anual na proporção do PIB, mas se avança nas penalidades por descumprimento (isto não é uma ideia nova, mas pela primeira vez se especificam). O limite da dívida pública estará inserido nas leis de cada país (a Corte Europeia de Justiça verificará sua correta instalação), as sanções serão automáticas quando se constatem excessos (a menos que se oponha uma maioria qualificada de 85%). Contudo, Bruxelas, não meterá seu nariz nos orçamentos nacionais e não poderá corrigi-los ou veta-los. De antemão, todo país signatário faz uso da sua soberania para autoimpor-se – em sua constituição – a “regra de ouro” do limite fiscal. Um orçamento – ou uma execução – que não seja cumprida violará assim o tratado, mas também sua própria carta magna. Sexta-feira, 9, “Markozy” tentará convencer deste pacto o resto dos governos da eurozona, enquanto evitam firmá-lo o conjunto dos governos da UE.
A politica alemã desestabiliza os equilíbrios europeus
Com seu empurrão, Merkel arrisca que o conjunto do edifício da eurozona possa explodir na sua cara. Recentemente se evitou um novo Lehman bônus, mas o perigo segue rondando pelos ares. Motivos não faltam: a perda da qualificação AAA da França, um fracasso da Itália em coletar fundos a qualquer taxa quando precisar do mercado em janeiro ou fevereiro, uma quebra da um banco sistêmico cujas inter-relações colocam em cheque o conjunto do sistema financeiro, um default da Grécia que alguns antecipam para o natal, seguindo o exemplo dos países latino-americanos até nas datas, para dar as más notícias. Merkel espera frente a cenários como esses o BCE seja capaz de controlar a situação, ainda que talvez como a FED, deixando cair o Lehman se equivoque ou chegue tarde demais. Mais grave que sua intenção de dominar, sua política está desestabilizando o complexo quadro europeu, a brindo uma brecha talvez insuperável entre os países do norte e do sul da Europa, com consequências imprevisíveis. Os velhos arquitetos da política europeia da Alemanha, desde o democrata cristão Helmut Kolh até o socialdemocrata Helmut Schmidt, reconhecem alarmados. Este último de 92 anos, “o patriarca que por idade se confessa ’acima do bem e do mal’, a quem a nação escuta com profundo respeito – não há político análogo em outro país europeu”, segundo comenta o jornalista Rafael Poch da Vanguarda, “acusou o governo alemão de haver quebrado o equilíbrio histórico europeu entre o centro e periferia, a fórmula idealizada há sessenta anos pelos pais fundadores da UE para evitar a crônica enfermidade bélica do continente” (7). Em um discurso intitulado “Alemanha, em e com Europa”, Schimidt falou de história. Disse: “Pode-se entender a história da Europa como uma série interminável de conflitos entre a periferia e o centro e entre centro e periferia, com, de novo, o centro da Europa como um campo de batalha” para concluir “Hoje em dia, (…), a memória de duas guerras mundiais do século XX e a ocupação alemã segue jogando um papel vital latente”. Junto a esta falha no interior dos países da eurozona, outra crise muito importante se abre com países de peso, alheios ã mesma, mas integrantes da UE, como Grã Bretanha. David Cameron, seu primeiro ministro, teme que o avanço alemão e a maior integração do eurogrupo redundem em uma perda de peso e atribuições de Londres, chave para a economia britânica. Sua proposta de firmar as mudanças propostas por “Merkozy” para o manejo da eurozona no sentida da reintrodução da unanimidade na legislação sobre serviços financeiros é considerada inaceitável pela Alemanha. A cúpula da UE que começa dia 8/12 mostra enormes tensões.
O futuro da UE na balança
Como dissemos em outra nota nesta revista, a crise está mudando de caráter, transformando-se de crise econômica para uma crise cada vez mais política. As autoridades da UE não se dão conta de como a saída da crise mediante a austeridade começa a ameaçar seriamente o equilíbrio político e social da zona do euro. Assim como começa a ressurgir tendências bonapartistas, a luta de classes se radicaliza, como foi o caso das jornadas de greve geral na Grécia em 19 e 20 de outubro (8), no marco de uma crescente polarização política e social. Movimentos geopolíticos inéditos também se desenvolvem, como as surpreendentes declarações do ministro de finanças polaco, que disse que temia mais a inanição alemã que seu poder. Está se abrindo na Europa tempos convulsivos, de reação e avanços, de revolução e contra-revolução. Quem não se preparar para esta perspectiva será agarrado desprevenido. A construção de partidos revolucionários de combate no velho continente é o grito do momento.
07-12-2011
Notas
1. “The euro zone: Is this really the end?”, The Economist 26/11/2011
2. “L’Europe face à la crise capitaliste mondiale », Juan Chingo, Stratégie Internationale N°6 juin 2009
3. Foi subsecretário da Fazenda e Crédito Público, sendo presidente Carlos Salinas de Gortari. Depois da desvalorização monatéria de 1994, foi designado como titular da Secretaria da Fazenda, cargo que ocupou até 31 de dezembro de 1997. E, 1998 foi nomeado governador do banco do México; ratificado em 2004, por mais seis anos.
4. “It’s too early for a Brady plan for Greece”, Guillermo Ortiz, Financial Times 21/11/2011
5. "Temos de agir como os EUA fizeram com as suas dívidas de guerra", Esquerda.net 21/11/2011
6. Ver « Face à la banqueroute de l’Europe du capital : Pour les Etats-Unis socialistes d’Europe ! », Révolution Permanente N°2 octobre 2011. Disponível en http://www.ccr4.org/Face-a-la-banqu... y « Les chefs d’Etat et de gouvernement de l’Union Européenne mènent l’Europe à la catastrophe », 3/11/2011 disponível en http://www.ccr4.org/Les-chefs-d-Eta...
7. “Hay otra Alemania”, Rafael Poch, La Vanguardia 5/12/2011. Contra Poch, nós sustentamos que há uma só Alemanha, de carácter imperialista. A divisão entre a elite política e empresarial reflete os riscos que um salto no domínio do imperialismo alemão encarna. Mas o que está ausente na el análise “realista” de Schmidt é o papel central de EUA na Europa no pós-guerra, além do contexto de la Guerra Fria, assim como o temor do “comunismo”, que explica a “generosidade” norteamericana no pós-guerra em relação ás dívidas e o desenvolvimento alemão.
8. « La grève générale des 19 et 20 octobre marque un tournant dans la situation.Grèce : C’est la poussée de la classe ouvrière qui est derrière la crise politique », Philipe Alcoy 3/11/2011. Disponible enhttp://www.ccr4.org/Grece-C-est-la-...